A mudança de perspectiva da Moody’s Ratings da nota de crédito do Brasil reflete um cenário fiscal que tem colocado o mercado em polvorosa — e sem perspectiva de melhora no curto prazo. É o que contam especialistas ouvidos pela CNN nesta sexta-feira (30).
Para o estrategista-chefe da Monte Bravo, Alexandre Mathias, a empresa está “corrigindo” a classificação anterior, em um cenário de arrecadação crescente, mas com despesas muito maiores.
Em maio do ano passado, a Moody’s elevou a perspectiva de nota de crédito do Brasil para positiva, sob a justificativa de que o crescimento real e o Produto Interno Bruto (PIB) eram mais robustas do que as registras nos anos anteriores a pandemia de Covid-19.
Em outubro, a expectativa foi reforçada, mas dessa vez com a nota de crédito brasileira subindo de Ba2 para Ba1.
Nesta sexta, em um comunicado à imprensa, a agência anunciou o rebaixamento da percepção de risco de crédito do país de “positiva” para “estável” e mencionou o que chamou de deterioração das contas públicas. O Brasil continua com a nota Ba1, mas agora um nível mais distante do grau de investimento.
“A mudança na perspectiva para estável reflete uma redução gradual dos riscos de crédito positivos, em vista de uma deterioração acentuada na capacidade de pagamento da dívida e de um progresso mais lento do que o esperado no enfrentamento da rigidez dos gastos e na construção de credibilidade em torno da política fiscal”, diz o relatório assinado pelo vice-presidente Samar Maziad e pela diretora administrativa Ariane Ortiz-Bollin.
Ao lado da Fitch Rating e S&P, a Moody’s compõe o chamado “Big Three”, as três maiores agências de classificação de risco.
Para Alexandre Mathias, programas sociais anunciados pelo governo federal como o Vale-Gás, criado para reduzir o efeito do preço do gás de cozinha sobre o orçamento das famílias de baixa renda e com uma expectativa de custar R$ 3 bilhões aos cofres públicos este ano, prejudicam o horizonte fiscal.
“O governo está com uma estratégia de conduzir a economia desse jeito até a eleição. Esses programas assistenciais não têm melhorado a popularidade, mas o governo vai insistindo mais do mesmo”, continua Mathias.
Nesta sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) relançou o Programa Mais Acesso a Especialistas, que passou a se chamar Agora Tem Especialistas, com custo anual de R$ 2 bilhões.
A deterioração, contudo, não foi citada apenas em relação às contas públicas, mas também às expectativas.
Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, não viu a notícia como novidade para quem acompanha os passos do orçamento federal de perto.
Cruz adiciona que, no mercado financeiro, não há uma expectativa de melhora do escoamento das contas públicas — nem este ano e nem em 2026.
“Praticamente quando a gente conversa entre o mercado ninguém espera um resultado muito positivo das contas públicas para esse ano e nem para o próximo”, relatou o especialista.
Para Cruz, a perda de confiança também pode estar relacionada às “promessas” não cumpridas de contenção de gastos.
“Toda aquela turbulência em dezembro não resultou em nada, porque a gente teve uma promessa naquele pacote corte-gaste de uma reforma dos militares que não foi entregue nem sequer discutida”, afirma. “A Moody’s não está fazendo nada absurdo, ela está relatando o que o próprio governo está entregando, que é ficar distante do limite inferior da meta”.
Ainda este mês, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou medidas com o objetivo de atingir a meta fiscal. Uma delas foi o congelamento de R$ 31,3 bilhões no Orçamento Geral da União de 2025. O mercado, por outro lado, espera um ajuste de até R$ 40 bilhões ao longo do ano.
O estrategista-chefe da RB calcula que ainda são necessários R$ 20 bilhões para atingir um limite inferior ao desejado.
“Eles estão contando com resultados vindos do Congresso em diminuição de emendas, algo que ainda parece bem fora da realidade”, continua.
“Acredito que tanto o Executivo, Judiciário e Legislativo não têm colaborado nem um pouco para essa discussão da justiça fiscal”.
Ao avaliar a mudança de perspectiva da Moody’s, Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos, também enxerga uma desarticulação entre os Poderes.
A sua visão é a de que a trajetória de dívida brasileira fica cada vez pior, o que expõe um risco adicional para a dívida pública brasileira, que avançou 1,44% em abril e já superava a faixa de R$ 7,6 trilhões.
Ao contrário de Cruz, Saadia enxerga que o Congresso deve resolver a questão, que já contaria apenas com o suporte do Ministério da Fazenda.
“Não faz parte do ministério da fazenda lidar com isso, faz parte do Congresso”, discorre Saadia.
“Surge a urgência de uma necessidade de aprovar uma reforma orçamentária que desindexe todos esses gastos obrigatórios que a gente tem e com isso nos coloque numa trajetória de dívida bem mais sustentável”.
Por fim, José Maria da Silva, coordenador de estratégia e alocação da Avenue, acredita que, após a revisão da Moody’s, não há “hipótese alguma” que sugira a retomada do grau de investimento do país, como esperava Haddad.
As reformas de redução estrutural de gastos teriam que ser extensas para que as agências de risco considerem o movimento de voltar a investir no Brasil, aponta José Maria.
“Importante também relembrar que para que o mercado considere investment grade normalmente requer que pelo menos duas das três agências tenham esse rating”, pontua o especialista da Avenue.
“Quando a Moody’s menciona a rigidez do gasto como problema é dizendo entre linhas que ou há reformas estruturais que mudem essa rigidez ou então a manta vai estar sempre curta”.