Nesta sexta-feira (14/3), Henrique Salvador se tornará titular da cadeira nº 61 da Academia Nacional de Medicina (ANM), passando a membro imortal da instituição, em cerimônia na sede da academia, às 20h, no Rio de Janeiro. A honraria será na Secção de Cirurgia, que tem como patrono Luís da Cunha Feijó, conhecido como o primeiro praticante da cesariana no Brasil.
Médico por formação, se especializou em ginecologia e mastologia, dedicando-se à formação da Rede Mater Dei (RMD), onde foi diretor-médico por mais de 30 anos e diretor-presidente por 12 anos. Formado em medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1982, o médico se especializou em mastologia em instituições renomadas, incluindo Guys Hospital (Inglaterra) e o University of Pittsburgh (EUA). Henrique também tem especialização em reprodução humana em universidades da Alemanha e Canadá. Nesta entrevista, o médico fala sobre empresa familiar, a rede de hospitais e os principais desafios do grupo nos próximos anos.
O Mater Dei é uma empresa familiar. Como se deu o processo de sucessão “do avô, para o pai e para o filho”? É mais difícil “tocar o negócio” em família?
A Rede Mater Dei é uma organização familiar, criada há 45 anos. Em 2011, ocorreu a primeira transição na gestão. Em novembro daquele ano, José Salvador Silva, fundador, passou para a presidência do Conselho de Administração e eu, seu filho, assumi como presidente-executivo da organização. Nesse período, fizemos o IPO da Mater Dei, abrindo o capital da bolsa de valores. Crescemos de um para nove hospitais, e multiplicamos em mais de 10 vezes os médicos do corpo clínico, além do número de empregos diretos na instituição.
Agora, recentemente, em novembro de 2023, passei a presidir o Conselho de Administração e José Henrique Salvador, meu filho, passou a ser o presidente-executivo da Rede. Antes de assumir posições de alta liderança, fui o diretor-médico da Rede Mater Dei por mais de 30 anos. Fui também presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados( ANAHP), além de presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), que é minha especialidade médica. Digo isso apenas para realçar que os processos sucessórios ocorreram aqui, sempre por meio de movimentos estruturados.
Da mesma maneira, José Henrique (atual CEO) trabalha na Rede Mater Dei desde que era estagiário, quando ingressou, em 2006. Portanto, há 19 anos. Anteriormente, ele atuou na DASA, e nos hospitais Sirio Libanês e Einstein, em São Paulo, onde viveu por três anos. Antes de assumir posições executivas maiores na RMD, o José Henrique fez um full time MBA, em Columbia (EUA), e passou pelas posições de diretor comercial, diretor de Unidade (Mater Dei da Contorno) e diretor de Operações da Rede.
É importante em uma empresa familiar, que os papéis estejam claros e que haja respeito e atenção constantes para com a governança que foi estabelecida. No nosso caso, já trabalhávamos juntos há muitos anos, nos conhecíamos profissionalmente e sabemos que, acima de eventuais interesses particulares, está o interesse maior da organização. Da mesma maneira é importante que os públicos, interno e externo, tenham clareza sobre esses movimentos sucessórios e validem os sucessores – o que ocorreu tranquilamente nos dois casos. Foram quase que movimentos naturais e discutidos primeiro no âmbito da holding acionista majoritária de Mater Dei, e depois no nosso Conselho de Administração.
Ressalto ainda que é sempre necessário muito respeito entre os pares, profissionalização e um objetivo forte e comum para que os resultados venham.
Quais são os principais desafios da terceira geração, no comando da Rede Mater Dei?
O Mater Dei cresceu muito rapidamente no último período. Construímos quatro hospitais, adquirimos outros cinco, em locais diferentes e com culturas diferentes, também com um perfil de clientes muito distinto, inclusive no que diz respeito às características das operadoras de plano de saúde em cada região em que operamos.
Essa integração das unidades e entre as unidades é um desafio. É importante não perder o DNA que nos trouxe até aqui, que é composto pela prestação do atendimento médico e hospitalar seguro, de alta qualidade assistencial e com o melhor acolhimento possível, permitindo assim que o paciente tenha uma experiência muito bem percebida.
Além disso, as condições macroeconômicas do país mudaram muito nos últimos anos. Então, é importante contar com uma estrutura de capital forte e que permita um crescimento sustentável e sadio. E obviamente há que se ter um olhar muito grande para as relações com as partes interessadas e para com a gestão do negócio, buscando efetividade e a melhor alocação responsável dos recursos. Com certeza, a terceira geração se preparou para esse momento e conduzirá muito firmemente a Rede Mater Dei em seu novo ciclo.
Vocês estão em processo de nacionalização, saindo de Minas para o resto do país?
Sim. Hoje estamos em Belo Horizonte, Betim, Nova Lima, Uberlândia, Goiânia, Salvador e Feira de Santana (BA). Em todas essas cidades temos planos para investir nos pilares que citei acima, aproveitando o potencial de crescimento e desenvolvimento que esses municípios apresentam.
Quantos pacientes são atendidos, em quantas especialidades?
Atendemos milhares de pacientes diariamente em nossos hospitais e serviços de saúde. Nossos hospitais são gerais, multiespecialidades. Normalmente, atendemos desde a pré-concepção (reprodução humana) até a geriatria. Pretendemos ser o Hospital da Família, nas localidades em que operamos. Estamos sempre observando e avaliando possibilidades para expansão. Por enquanto, estamos trabalhando em uma parceria com a Bradesco Seguros para a inauguração de um hospital em São Paulo (SP), na Zona Norte da cidade, em Santana, na fase final de projetos e aprovações. Deveremos iniciar a construção nos próximos 12 meses.
Recentemente, vocês inauguraram algumas unidades na Grande BH, como é o caso de Betim/Contagem e Nova Lima. Quais são os diferenciais dessas unidades?
Na verdade, são propostas diferentes, mas que têm em comum uma estrutura hospitalar muito robusta, com fluxos diferenciados, pessoas muito bem capacitadas (entre médicos, enfermeiros etc.), com muita tecnologia embarcada e muito bem localizados, em cada região. O de Betim/Contagem tem 400 leitos. E o de Nova Lima tem 120 leitos.
O Mater Dei é reconhecidamente um dos melhores hospitais de BH. Qual é a porcentagem de pacientes originários de planos de saúde?
Mais de 90% dos pacientes que atendemos são oriundos de planos de saúde. Essa é a realidade da maioria dos hospitais privados brasileiros.
Como está o Mater Dei no que se refere ao uso da tecnologia para beneficiar a saúde dos pacientes e para melhorar o trabalho dos médicos?
Temos investido muito na incorporação de tecnologia nas nossas atividades. Antigamente, o hospital tecnológico era aquele que tinha ressonância magnética ou a tomografia computadorizada mais moderna. Hoje, isso também é importante, mas, sem dúvida, a tecnologia deve se prestar cada vez mais a conectar pessoas e monitorar doenças à distância, empoderando o próprio paciente. Exemplo disso são dois produtos que desenvolvemos recentemente, em conjunto com a A3DATA, da qual somos sócios: o Nuvie e o Maria.
O primeiro facilita muito o trabalho médico, captando por voz e transcrevendo para o prontuário as informações colhidas na anamnese, os resultados de exames e as evoluções clínicas do paciente. Isso simplifica muito o trabalho no dia a dia. Dessa forma, o médico tem mais tempo para interagir com o paciente, inclusive dando mais atenção e humanizando esse atendimento. É uma ferramenta que permite reduzir a burocracia do atendimento.
Já o segundo é uma ferramenta voltada à atenção primária na saúde digital. O paciente interage de maneira simultânea com uma plataforma médica digital, que foi construída com base em IA e data analytics. A plataforma “Maria” é altamente resolutiva, funciona como “porteira do sistema” e pode racionalizar o uso de recursos, reduzindo desperdícios e melhorando a qualidade e a efetividade dos sistemas de saúde. Há ainda outros produtos que desenvolvemos em conjunto com a A3DATA e que têm gerado muito valor para a assistência médica-hospitalar.
Recentemente, o grupo adquiriu uma empresa de tecnologia, a A3Data. Por que?
Justamente porque acreditamos que a tecnologia racional e aplicada de maneira inteligente e assertiva é fundamental na nossa atividade. É algo que pode melhorar a experiência do usuário, aumentar a segurança e a qualidade, além de contribuir para a maior efetividade na prestação de serviços.
Como você vê a situação da saúde em BH, em Minas? Há um gargalo entre procura e oferta de médicos e serviços?
Acho que, mais do que a quantidade, é importante investir na qualidade, na formação profissional, inclusive na formação médica. Hoje, temos mais de 150 médicos fazendo residência nos nossos hospitais. Grande parte em convênio com o Ministério da Educação (MEC). Esses profissionais são a base para a formação, sucessão e expansão de nossos corpos clínicos. São médicos que estão sendo capacitados e desenvolvidos segundo uma filosofia que fundamenta o posicionamento estratégico do Mater Dei. O mesmo acontece para os profissionais de enfermagem (técnicos e de nível superior), e para aqueles que trabalham nas áreas de apoio.
Acho que em Minas Gerais se pratica uma das melhores medicinas e atendimentos hospitalares disponíveis no Brasil e no mundo.
A Rede Mater Dei já pensou em viabilizar parte de seus serviços para o SUS?
Na verdade, a Rede Mater Dei sempre se envolveu em projetos sociais relevantes e sempre esteve ao lado da população em momentos de maior estresse social, e quando foi necessário. Prova disso é o que fizemos por ocasião da pandemia da COVID-19. Disponibilizamos gratuitamente dois andares do nosso hospital de Betim/Contagem para a construção de leitos de UTI, em conjunto com o Governo do Estado de Minas Gerais e alguns empresários. Também participamos da produção de respiradores e fornecemos insumos e EPIs para os hospitais públicos. Além disso, realizamos regularmente campanhas de controle do câncer, entre outras.
Para o futuro, podemos estudar a possibilidade de participarmos de parcerias público-privadas (PPPs), mas sempre com muita responsabilidade e sem abrir mão dos nossos pilares, considerando que não somos uma entidade filantrópica e precisamos honrar nossos compromissos com os diversos stakeholders.