A meditação é uma técnica que, por muito tempo, foi associada à espiritualidade. Porém, ela pode gerar transformações profundas no cérebro, fazendo com que a ciência passasse a enxergá-la como uma aliada poderosa para a saúde e bem-estar.
Para entender como isso acontece, a CNN entrevistou especialistas para entender como a prática milenar pode contribuir para proteger o coração.
Impactos da meditação no funcionamento cerebral
De acordo com o psicanalista Jarbas Caroni, especialista em Neurociência do Comportamento e Programação Neurolinguística, a prática regular da meditação “transforma o cérebro de maneira profunda e mensurável”.
No campo emocional, há melhora da estabilidade afetiva e redução da impulsividade, principalmente em situações estressantes. Já no aspecto cognitivo, funções como atenção, clareza mental e tomada de decisões são fortalecidas — resultado da neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro de se reorganizar e formar novas conexões neurais.
“Os efeitos são viabilizados pela neuroplasticidade [do cérebro], que favorece a formação de novas conexões neurais, especialmente no córtex pré-frontal, área ligada ao raciocínio, empatia e controle emocional”, explica Caroni.
Além disso, a meditação reduz a atividade da amígdala cerebral, estrutura associada ao medo e à ansiedade, tornando o cérebro mais resiliente diante dos desafios do cotidiano.
Como a meditação contribui para a saúde cardíaca
No que diz respeito à saúde do coração, a técnica atua em diferentes mecanismos, conforme explica o cardiologista Marcelo Bergamo. Um deles é o sistema nervoso autônomo: a meditação reduz a atividade simpática (responsável por preparar o corpo para situações de estresse ou emergência) e estimula a atividade parassimpática (relacionada ao relaxamento do organismo).
“A meditação diminui a liberação de noradrenalina e de adrenalina, hormônios relacionados ao estresse e que aceleram o coração e contraem os vasos sanguíneos. Ela também estimula o chamado nervo vago, que promove o relaxamento e a recuperação do coração”, diz Bergamo.
Outro ponto importante é o papel da meditação na modulação de processos inflamatórios no organismo. A prática regular reduz a liberação de substâncias inflamatórias como interleucina-6, fator de necrose tumoral (TNF) e proteína C reativa (PCR) — esta última usada como marcador clínico para identificar inflamações.
“Esses fatores estão relacionados também à parte de aterosclerose, que seria o acúmulo de gordura dentro dos vasos sanguíneos”, aponta Bergamo.
A técnica também favorece a função endotelial, que é a camada interna dos vasos sanguíneos. Isso é importante porque a disfunção endotelial é considerada o primeiro estágio do desenvolvimento da aterosclerose. A meditação estimula a produção de óxido nítrico, substância que dilata os vasos e melhora a circulação.
Entre os principais marcadores clínicos impactados positivamente pela meditação estão:
- pressão arterial;
- frequência cardíaca;
- perfil lipídico — com redução do colesterol LDL (ruim), aumento do HDL (bom) e queda dos níveis de triglicerídeos.
Por fim, a prática contribui para o equilíbrio do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, responsável pela produção do cortisol, principal hormônio relacionado ao estresse. Com a meditação, há uma redução na produção excessiva dessa substância, o que favorece a regulação do organismo como um todo.
O que dizem os estudos
Segundo Bergamo, evidências científicas apontam para uma redução significativa nos riscos de infarto, AVC (acidente vascular cerebral) e outras complicações cardiovasculares entre praticantes da meditação.
Um exemplo é a pesquisa publicada em 2012 na revista Circulation, que acompanhou 201 pacientes negros durante cinco anos. “O grupo que praticava meditação teve uma redução de 48% na mortalidade cardiovascular”, afirma o cardiologista.
Outros benefícios da meditação
Além dos ganhos físicos, a meditação é usada como terapia complementar no tratamento de depressão, síndrome do pânico e transtornos de humor.
Outro benefício é o fortalecimento do autoconhecimento. Segundo Caroni: “são abordagens complementares. A psicanálise investiga as narrativas inconscientes, enquanto a meditação convida ao silêncio e à presença. Juntas, oferecem uma potente combinação: insight e desapego, compreensão e transcendência.”
Ele acrescenta que a técnica ajuda a reduzir a reduzir a “ruminação mental” (ciclo repetitivo de pensamentos negativos) e promove uma postura mais consciente diante das emoções.
Qual meditação escolher?
Algumas modalidades têm maior respaldo científico. De acordo com Bergamo, a mais estudada na área da cardiologia é a mindfulness, ou atenção plena: “Ela foca na consciência do momento presente e tem resultados robustos na redução da pressão arterial.”
Outras práticas eficazes incluem:
- meditação transcendental: utiliza mantras padronizados e tem forte impacto na prevenção de infarto e AVC;
- meditação guiada: ideal para iniciantes e pessoas em reabilitação cardíaca;
- meditação love and kindness: voltada ao desenvolvimento da compaixão.
Bergamo relata, ainda, que já viu de perto os benefícios da meditação em consultório. “Um colega médico, bastante estressado, começou a meditar e conseguimos reduzir a medicação que usava para controlar a pressão arterial. Ele já praticava atividade física, mas a meditação foi essencial para equilibrar os níveis de estresse e melhorar a saúde.”
Nesse sentido, para quem já enfrenta algum problema cardiovascular, a meditação pode ser uma terapia complementar segura, desde que orientada por um profissional.
Contudo, em casos específicos, como depressão severa não tratada ou transtornos psicóticos ativos, é preciso cautela. “A meditação nunca deve substituir o tratamento médico convencional, mas sim atuar como uma aliada”, reforça o cardiologista.