A relação entre acidente vascular cerebral (AVC) e infarto costuma parecer distante, mas, na prática, os dois eventos fazem parte do mesmo problema: quando o sangue deixa de circular como deveria.
Mesmo atingindo órgãos diferentes — o cérebro e o coração —, eles surgem a partir de mecanismos muito semelhantes. Por isso, quem sofre um desses quadros tem risco maior de enfrentar o outro, e os mesmos fatores de risco podem desencadear ambos.
Especialistas explicam que tudo começa na saúde dos vasos sanguíneos, que percorrem todo o corpo. Se uma artéria está enfraquecida, inflamada ou estreitada por placas de gordura, ela pode entupir.Play Video
Quando isso ocorre, o cérebro sofre um AVC; quando ocorre no coração, é infarto. O organismo reage a esses eventos de forma intensa, e uma alteração em um órgão pode afetar diretamente o outro.
O que há em comum entre AVC e infarto
- Ambos ocorrem por interrupção do fluxo sanguíneo.
- Geralmente são causados por entupimento de uma artéria.
- A origem mais comum é a aterosclerose, o acúmulo de placas de gordura nas artérias.
- Os dois causam falta de oxigênio no tecido afetado, levando à morte celular.
- Compartilham exatamente os mesmos fatores de risco: hipertensão, diabetes, colesterol alto, tabagismo, sedentarismo e obesidade.
- O histórico de um evento aumenta o risco de ocorrer o outro porque o dano vascular é sistêmico.
Quando o infarto fragiliza o cérebro
O neurologista Flávio Sekeff Sallem, do Hospital Japonês Santa Cruz, explica de forma direta: quando o infarto acontece, o coração perde força e passa a bombear menos sangue. “Se esse bombeamento cai muito, o cérebro recebe menos sangue do que precisa — e ele é extremamente sensível a qualquer redução de fluxo”, afirma.
Áreas que já são mais vulneráveis ficam ainda mais propensas a sofrer um AVC isquêmico. “O infarto enfraquece o coração, e um coração fraco enfraquece o cérebro”, resume.
Essa ligação existe porque as duas doenças nascem do mesmo processo: o entupimento de artérias por placas de gordura e inflamação.
Para o neurologista, o mecanismo é simples: a placa cresce, pode se romper, forma um coágulo e bloqueia o fluxo. Sem oxigênio, o tecido — seja cardíaco ou cerebral — começa a morrer.
Como o AVC repercute no coração
A influência também ocorre no sentido inverso. Durante um AVC, especialmente os mais extensos, o organismo libera hormônios de estresse como a adrenalina.
Isso pode provocar dor no peito, alterações no eletrocardiograma, arritmias e até um quadro temporário de enfraquecimento do músculo cardíaco. “Não é raro o AVC ‘bagunçar’ o coração por algumas horas ou dias”, explica Sallem.
Quando o AVC atinge regiões que controlam o ritmo cardíaco, o paciente pode desenvolver arritmias, incluindo a fibrilação atrial — a mais perigosa.
Essa alteração facilita a formação de coágulos dentro do coração, que podem viajar até o cérebro e causar um novo AVC, motivo pelo qual o tratamento costuma incluir anticoagulantes.
A visão do cardiologista: uma única doença em órgãos diferentes
O cardiologista Anis Mitri, presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado de São Paulo (AHOSP), reforça que AVC e infarto pertencem ao mesmo grupo porque são doenças do vaso sanguíneo, esteja ele no coração, no cérebro ou em qualquer outro órgão.
“Quando você fala de doença cardiovascular, ela pode ocorrer em qualquer parte do corpo. O entupimento pode gerar infarto, AVC, isquemia renal ou isquemia intestinal. É o mesmo processo”, afirma.
Os fatores de risco também se repetem: obesidade, hipertensão, sedentarismo, diabetes, doenças autoimunes, falta de sono. Mitri lembra ainda que quem já teve infarto tem mais chance de sofrer AVC, justamente porque o problema que causou um evento continua ativo nos vasos.
Alguns sinais cardíacos também podem indicar risco de AVC, como quedas bruscas de pressão, picos hipertensivos, síncopes, desmaios, vertigens importantes e placas nas carótidas. A fibrilação atrial, comum após os 60 anos, é outro alerta essencial.
Diferenças no atendimento de urgência
Mitri explica que o tratamento de emergência do AVC vai depender do tipo dele. No AVC hemorrágico, o foco é controlar a pressão arterial e, em alguns casos, operar para reduzir a pressão no cérebro.
Já o AVC isquêmico se aproxima mais do tratamento do infarto, com antiagregantes e trombolíticos — mas exige rapidez ainda maior. “O cérebro reage muito mais fortemente que o coração ao AVC. A pessoa pode ter perda de memória e ficar confusa rapidamente”, diz.
Por isso, o socorro rápido e o atendimento com a orientação de neurologistas, é indispensável no primeiro atendimento.







