A médica Fernanda Fonseca, de 28 anos, enxerga o mundo sob uma perspectiva única. Com 1,26 de altura, ela tem nanismo e assumiu para si a tarefa de ensinar os colegas sobre os desafios que os pacientes com a condição enfrentam para ter acesso à saúde.
“A acessibilidade ainda é precária na maioria das unidades de saúde. Grandes hospitais podem oferecer melhores condições, mas as UBSs e os hospitais menores apresentam inúmeras barreiras, tanto físicas quanto comportamentais”, afirma Fernanda, que trabalha no Hospital Municipal da Prefeitura de São Paulo.
A médica cita as cadeiras altas e a falta de escadinhas ou de apoios para o acesso às macas como as principais dificuldades de acessibilidade para pacientes com estatura física semelhante a dela. “Como fazer um exame se não consigo subir na maca ou me sentar sem a ajuda de alguém? São situações que muitas vezes passam despercebidas por quem projeta os espaços”, relata.
Em algumas ocasiões, a médica conta que já precisou recorrer a soluções alternativas para conseguir trabalhar, como, por exemplo, escadinhas improvisadas com objetos.
Formada há cinco anos, Fernanda conta que também já teve de lidar com comentários capacitistas no dia a dia, que colocavam em dúvida suas habilidades profissionais. “Já ouvi pessoas perguntarem se eu conseguiria atender um paciente em uma emergência. Outros insinuaram que eu deveria trabalhar apenas em áreas administrativas”, recorda.
A médica ensina que é importante perguntar as pessoas com nanismo como elas preferem ser tratadas: se é necessário se abaixar para falar com elas, ou se preferem que isso não seja feito. “O mais importante é perguntar como aquela pessoa se sente mais confortável. Cada pessoa tem preferências diferentes. Algumas podem indicar que você se abaixe ou se afaste delas, enquanto outras não se importam. O ato de perguntar demonstra respeito e acolhimento”.
Resistência e propósito
Ainda sem especialidade médica definida, Fernanda planeja se dedicar à infectologia, e tem a expectativa de prestar provas no próximo ano. Ela conta que decidiu seguir a medicina ainda criança, inspirada pelo contato frequente com médicos durante seus tratamentos relacionados ao nanismo.
No entanto, até a realização do sonho, ela passou por desafios significativos. “A maior dificuldade é o estranhamento inicial, que existe até hoje. Você precisa se fazer valer muito mais do que outras pessoas para ser respeitada”, lembra.
Durante a faculdade, ela passou por episódios constrangedores, incluindo comentários de mau gosto ditos por professores: “Esperava que eles estivessem preparados para lidar com pessoas diferentes, mas ouvi piadas capacitistas e deboches. Era constrangedor e me machucava”, desabafa.
Apesar das dificuldades, Fernanda mantém uma postura resiliente e acredita que a inclusão começa na formação acadêmica. “É necessário ensinar os profissionais de saúde desde a faculdade a tratar pessoas com deficiência e outros grupos vulneráveis com igualdade e respeito. O olhar do médico precisa ser acolhedor e despido de preconceitos. Só assim podemos construir um sistema mais justo e humano”, conclui.
Em relação ao preconceito, uma das questões mais sensíveis é o uso do termo anão, que é inadequado e estigmatizante. “Infelizmente, é um termo que ainda persiste. Sempre corrijo, explico e, com o tempo, as pessoas começam a se policiar. Mas isso mostra o quanto ainda precisamos avançar”, aponta.
Mudança exige esforço coletivo
Apesar dos desafios, Fernanda mantém uma postura otimista. Para ela, pequenas mudanças no dia a dia podem fazer grande diferença: “Se corrigimos hoje, evitamos que outra pessoa enfrente o mesmo preconceito amanhã. É um processo lento, mas necessário”.