Mais de 100 mil pessoas condenadas por tráfico de drogas no Brasil poderiam ter suas penas reduzidas caso suas sentenças fossem revistas com base na tipificação de tráfico privilegiado. O dado é de um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que aponta que essas pessoas não tinham antecedentes criminais.
O tráfico privilegiado está previsto na Lei de Drogas e permite a redução da pena de um sexto a dois terços. Para se enquadrar nessa modalidade, o réu deve preencher simultaneamente três critérios:
- Ser réu primário;
- Ter bons antecedentes;
- Não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa.
Com a aplicação do benefício, a pena pode ser reduzida a menos de cinco anos, possibilitando a substituição da prisão por medidas alternativas.
Segundo o CNJ, em agosto de 2023, entre as 370,2 mil pessoas envolvidas em processos por tráfico de drogas, 26,1% (cerca de 96,7 mil) foram enquadradas como tráfico privilegiado.
Em abril de 2024, o número de condenados por tráfico subiu para 378 mil. Desses, 110 mil (29%) eram réus primários e, teoricamente, poderiam se enquadrar na modalidade privilegiada. No entanto, o levantamento não conseguiu verificar se os demais critérios foram atendidos, por ausência de dados no sistema.
O estudo utilizou informações do Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), plataforma nacional do CNJ para acompanhamento de execuções penais. Por isso, o órgão recomenda que os tribunais adotem medidas para identificar e classificar os casos de tráfico privilegiado já nas audiências de custódia, visando garantir penas mais justas desde o início do processo.
“Recomenda-se a promoção de formações que qualifiquem e favoreçam a identificação e classificação dos casos de tráfico privilegiado desde o momento da audiência de custódia, para garantir maior controle e o monitoramento eficaz do instrumento, como ferramenta importante para proporcionar penas mais justas para pessoas que estejam respondendo por crimes relacionados a drogas”, afirmou o estudo.
Decisões subjetivas
O CNJ também chama atenção para o risco de subjetividade nas decisões judiciais. Isso ocorre, segundo o órgão, porque os sistemas de gestão processual atuais não conseguem verificar eficientemente os critérios subjetivos da lei, como a dedicação a atividades criminosas e o envolvimento em organizações.
“O problema é ainda mais agravado ao se observar que, não raramente, as principais ou únicas provas consideradas nas decisões dos processos que envolvem crimes relacionados às drogas são os depoimentos de agentes de segurança que atuaram na abordagem”, aponta o boletim.
A discussão sobre o tráfico privilegiado foi incluída no Mutirão Processual Penal de 2023, que analisou mais de 7 mil processos de condenados por esse crime em regime fechado. Em 47% dos casos (3.343 pessoas), houve mudança para o regime aberto ou substituição da pena por medidas restritivas de direitos.
Ainda segundo o relatório “Política Penal e Drogas”, 5,5% das pessoas com uma única condenação por tráfico privilegiado seguem cumprindo pena em regime fechado.