Se o governo já está encontrando dificuldades para cumprir despesas neste ano, o cenário de restrições para os gastos públicos vai piorar em 2026 — marcado por eleições para deputados, senadores e presidente da República.
A líderes da Câmara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que buscará sua reeleição no próximo ano. A decisão, no entanto, não foi formalizada pelo presidente, apesar de falas do primeiro escalão durante eventos de governo.
Como está o cenário?
A explicação é que os gastos obrigatórios, que têm regras específicas fixadas em leis, continuarão crescendo nos próximos anos — mesmo considerando o alívio trazido pelo pacote de cortes de gastos do fim de 2024.
Como os gastos totais do governo não podem crescer acima de 2,5% ao ano (acima da inflação), norma do arcabouço fiscal, a previsão é que as despesas obrigatórias ocupem todo espaço dos gastos livres nos próximos anos.
Entre os gastos livres, cujo espaço cairá ano a ano, estão: investimentos em infraestrutura, verbas para a defesa agropecuária, bolsas do CNPq e da Capes, emissão de passaportes, fiscalização ambiental e do trabalho escravo, e o Farmácia Popular.
Além disso, o governo também busca cumprir as metas fiscais, que preveem equilíbrio das contas públicas neste ano e superávit em 2026 (com bandas de tolerância e abatimento de precatórios).
Cortes no orçamento e aumento do IOF têm objetivo de tentar cobrir um rombo das contas públicas
Dificuldades do governo
Recentemente, equipe econômica anunciou um bloqueio de R$ 31,3 bilhões no Orçamento de 2025 e elevou IOF.
O objetivo foi cumprir o limite de gastos do arcabouço fiscal, a regra para as contas públicas, e tentar atingir a meta fiscal de 2025.
Sem o aumento do IOF, que está sendo fortemente contestado pelo setor produtivo, financeiro e por parlamentares, o governo terá de elevar a arrecadação (com alta de impostos ou redução de subsídios), ou bloquear ainda mais despesas orçamentárias.
- Isso porque os recursos adicionais do aumento do IOF já estão sendo considerados na projeção de arrecadação deste ano.
- Sob forte pressão, a equipe econômica já admite que está avaliando alternativas ao aumento do IOF.
- Com isso, os recursos para os gastos dos ministérios, que já estão comprimidos, poderão cair ainda mais neste ano.
Para 2026, o espaço para os gastos livres será menor ainda por conta do crescimento de gastos previdenciários (impulsionados pelo aumento do salário mínimo) e assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada.
E, em 2027, pode haver uma paralisia do Estado, sem espaço para investimentos, ações importantes do governo e até mesmo dinheiro para pagar despesas básicas, como água e luz dos ministérios, levando à uma mudança do arcabouço fiscal, a regra para as contas públicas.
Reforma ampla do gasto obrigatório
Para Solange Srour, diretora de Macroeconomia no UBS Global Wealth Management, 2025 não deve trazer dificuldades para o governo realizar investimentos, mas o cenário de espaço para gastos no próximo ano é “mais complicado”.
“O tamanho do contigenciamento e bloqueio esse ano pareceu justo. O problema é que no ano que vem ele [bloqueio de despesas] terá que ser maior e isso é ainda mais complicado em ano eleitoral”, pondera a especialista.
“Para 2025, a necessidade de novos contigenciamentos vai depender do que vai o ocorrer com o IOF, agora que a discussão da sua derrubada ganhou força no Congresso”, afirma.
Assim como outros analistas, a economista avaliou que se faz necessário uma reforma ampla do gasto obrigatório por meio de mudanças de leis.
“Isso envolveria a regra do salário mínimo, a indexação da Educação e Saúde e uma nova reforma da Previdência. Não vejo espaço político para isso ser feito em 2025 e 2026. Não adianta mudar o arcabouço sem fazer essas modificações. Ele se mostraria não factível ao longo do tempo, como acontece com o atual”, acrescenta.
‘Fortes emoções para 2026’
Para Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, o governo conseguirá executar um nível mínimo de despesas discricionárias (gastos livres dos ministérios) neste ano, evitando o chamado “shutdown”, ou seja, a paralisia da máquina pública.
Mas, o ex-diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, prevê “fortes emoções” para 2026 com a compressão dos gastos livres dos ministérios.
Ele lembra que a meta é de um superávit de 0,25% do PIB em 2026, podendo chegar a um déficit com a banda existente e com o abatimento de precatórios. Mesmo assim, calcula que ainda faltam R$ 50 bilhões para atingir o objetivo mínimo.
“Trocando em miúdos, o ano que vem está longe de se resolver e o governo precisará mostrar como equacionará o problema. Além disso, é ano eleitoral e as pressões por gastos, reajuste e coisas do gênero só estão começando. Hoje, não vejo outra saída a não ser alterar a meta fiscal de 2026 quando do envio do PLOA, em agosto, prazo constitucional”, declara.
O economista avalia que não há mais espaço para ficar discutindo apenas as regras fiscais, diz que o desafio é promover uma reforma orçamentária “digna desse nome” e reduzir a rigidez do gasto (diminuir gastos obrigatórios).
Ele opina que o momento político para isso só será em 2027, independente de quem ganhe as eleições.
“Não é possível administrar um país com um Orçamento em que 94% das despesas estão dadas. É um piloto automático em que o governo já não manda mais nada. Só administra correções inerciais e vinculações. Enquanto isso, o Congresso se movimenta e expande a ingerência sobre o Orçamento, por meio das emendas impositivas. É uma sandice o que temos hoje no Brasil. Só mesmo com uma reforma ampla para mudar isso. Uma reforma constitucional, inclusive”, conclui.
Cenário de rigidez
A economista Zeina Latif, sócia da Gibraltar Consulting, lembra que o governo conta, no orçamento de 2026, com uma arrecadação adicional de R$ 118 bilhões, considerada de difícil confirmação por analistas, além de excluir R$ 55 bilhões em precatórios (sentenças judiciais) da meta fiscal.
“O pessoal da IFI [Instituição Fiscal Independente], os especialistas de uma forma geral, falam que se precisa de 0,7% do PIB, que dá uns R$ 80 e tantos bilhões para despesas para custeio, que está no item de despesa discricionária [livre]. Mas, que acaba tendo um certo grau de rigidez, porque se tem ali o custeio da máquina. Inclusive coisas como o consumo dos órgãos [como luz, água]”, opina.
A previsão, segundo ela, é que não haja “folga alguma” em 2026. “Realmente você começa a comprometer várias políticas públicas”.
Para evitar esse cenário, a economista diz que o governo teria de ter “abraçado” uma agenda com medidas mais agressivas de contenção de despesas obrigatórias desde o início do governo, envolvendo mudanças de leis pelo Congresso Nacional.
“Não é uma coisa que você consegue rapidamente tirar da cartola. Eu não vejo espaço para grandes contenções, acaba batendo mesmo em emendas parlamentares, eu não consigo avaliar o quanto. Mas é inevitável [uma agenda de contenção de despesas obrigatórias]”, acrescentou Zeina Latif.
Peso do ano eleitoral
Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset Management, lembra que, em 2020, ano marcado por restrições por conta do antigo teto de gastos, o espaço para gastos livres (discricionários) dos ministérios estava em menos de R$ 70 bilhões.
Nesse contexto, o governo optou por reduzir fortemente os investimentos públicos em 2019 e em 2020, apostando no aumento de concessões e Parceria Público Privadas (PPPs).
“Então aí depende do que você considera o ‘shutdown’ [paralisia do Estado], né. Se for para reduzir o tamanho de alguns programas, de fato precisa reduzir. Agora para parar ministérios, acho que tem muito espaço ainda e é possível contingenciar [bloquear recursos]. É factível [a execução orçamentária em 2026]”, avalia.
Ele acrescenta, porém, que o fato de ser um ano eleitoral pesa para qualquer governo, independente de seu posicionamento poítico.
“O problema é que você tem todas as dificuldades de um ano eleitoral. É sempre mais difícil, independente de qual que é o governo, de direita, de esquerda. Por isso que traz um pouco mais de incerteza em relação à sustentabilidade do arcabouço”, explica.
“Só que vai acabar usando menos recursos. E, fiscalmente, vai ser um ano de menos gasto das despesas discricionárias. E ali dentro tem investimento, tem Minha Casa, Minha Vida, várias coisas que não conversam com ano eleitoral. Esse é o desafio”, acrescenta Funchal.
Para o analista, a grande reforma fiscal que o governo precisa fazer é reduzir os gastos obrigatórios para trazer previsibilidade à trajetória das despesas e ao endividamento público.
Ele cita como foco as despesas previdenciárias, o formato de correção do salário mínimo (que sobe acima da inflação, pressionando gastos obrigatórios); os mínimos constitucionais de saúde e educação e uma reforma administrativa.