Com previsão de um cenário desafiador para 2024, a cadeia produtiva do leite deve se organizar para buscar melhores resultados. Essa é a opinião de Ênio Andrade, gerente de Suprimentos Lácteos da Unium – intercooperação da Frísia, Castrolanda e Capal -, segunda colocada entre os maiores laticínios do Brasil.
“É preciso ações articuladas entre todos os elos. Mas o que vemos é que o setor lácteo está pulverizado no país. O varejo tem força, já a indústria de laticínios e os produtores de leite devem estar mais unidos para ter poder de negociação. No atual cenário, essas duas partes perdem muito”, enfatiza.
Andrade participou do Fórum Comercial da Expofrísia, feira realizada entre os dias 25 e 27 de abril em Carambeí, nos Campos Gerais do Paraná, quando falou sobre o mercado do leite para uma plateia formada, principalmente, por produtores da região.
Carambeí é a maior produtora de leite do Brasil, segundo o Top 100 2024 da Milkpoint, com produção de 106,4 milhões de litros por ano, seguida pelo município vizinho de Castro, com 91,4 milhões de litros de leite por ano.
Apesar de uma conjuntura global complexa que envolve duas guerras (Rússia contra Ucrânia e Israel contra Palestina), desempenho das grandes economias mundiais considerado fraco e juros elevados, o cenário do leite no Brasil deve registrar em 2024 uma leve melhora, conforme destacou o palestrante.
“O preço ao produtor está se recuperando agora, mas não pela boa negociação com a indústria, e sim pela falta de leite, pela baixa oferta, pela sazonalidade, uma vez que a gente está esperando uma safra”, analisou. Em março de 2024, o valor pago ao produtor foi, em média, de R$ 2,33 por litro de leite – alta de 4,1% em comparação a fevereiro -, conforme dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP.
A expectativa para a indústria, no entanto, é de que o desempenho deve ser menor do que o registrado no ano passado. “O cenário para 2024 é muito desafiador. Analisando o setor, para a indústria será um ano pior do que 2023. O crescimento projetado pela Abras [Associação Brasileira de Supermercados] é pequeno, a gente precisava de um crescimento maior”, comentou Andrade, fazendo referência à tendência de alta de 2,5% no consumo, em comparação ao ano anterior.
Ele observou ainda que o crescimento previsto não é estrutural. “Assim como as cadeias de soja, milho e proteína animal, que passaram por uma grande estruturação, precisamos que isso aconteça na cadeia do leite para refletir em um produto de qualidade, acessível ao consumidor, mas que também tenha lucratividade para a indústria e para o produtor. Senão esse setor morre e seremos um eterno importador de leite”, advertiu.
Em 2023, a Unium captou, aproximadamente, 1,48 bilhão de litros de leite, um crescimento de 14% em relação a 2022. Os dados são de levantamento realizado pela Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite).
Andrade lembrou também a descapitalização do produtor, devido às importações ocorridas no ano passado, e apontou a necessidade de condições melhores para que a produção nacional possa competir no mercado internacional e com o leite importado, principalmente, do Uruguai e da Argentina.
Entre as principais dificuldades citadas pelo executivo está a prática de mercado que coloca 60 dias para o pagamento do produto entregue por quem está no campo, os altos custos de produção e a competição com o leite importado.
Os decretos publicados pelos governos federal, estaduais e municipais, para estimular a produção nacional, de acordo com ele, devem ajudar a alterar o cenário, assim como o início da produção da safra de inverno, mas ainda não são suficientes quando se trata do “baixo poder de negociação frente aos grandes varejistas”.
Cooperativa
Eduardo Ichikawa, gerente executivo de Produção da Frísia, reforça que 2024 será um ano “bastante desafiador” em termos de preço do leite para o produtor. “Temos acompanhado mês a mês o mercado de lácteos no Brasil. As importações vindas de outros países estão impactando o nosso preço de leite. Era esperada uma reação agora, no meio do ano, mas não temos certeza se haverá”, avalia.
Ele elenca entre os fatores positivos para o setor o recuo do preço de alguns insumos, como os farelos de soja e de milho, resultando em melhores custos na alimentação dos animais. “Mas, a gente ainda não vê exatamente um horizonte de melhora no preço do leite este ano”, afirma.
Ichikawa explica que o sistema adotado pela cooperativa é o pool leite, que proporciona uma política de precificação do produto diferente do mercado convencional. “Em resumo, quando o preço do leite está caindo no mercado fora da cooperativa, aqui ele ainda está sustentado e demora pra cair. Já quando começa a subir, demora a ter esse efeito aqui também. A gente tem menos picos, basicamente essa é a diferença”, considera.
O pool leite é operado em parceria pela Frísia, Castrolanda e Capal e foi criado no início dos anos 2000 com o intuito de organizar as cooperativas para comercializar sua produção, mediar as relações entre os produtores e as indústrias da intercooperação e organizar processos e logística.
Além do preço do leite pago ao produtor, o gerente pontua a mão de obra no campo como um dos desafios atuais. Ele comenta que o produtor, muitas vezes, contrata e treina as pessoas, mas elas acabam preferindo optar por trabalhos na cidade: “essa é uma grande preocupação”.
Ele destaca investimentos na qualidade do leite, que resultam em alta produtividade – com média de 3,7 mil litros de leite por dia nas propriedades cooperadas. Para isso, programas voltados a melhoramento genético, gestão da propriedade, sustentabilidade e sucessão familiar estão entre os focos da cooperativa, assim como acesso à tecnologia de ponta, incluindo inteligência artificial e os primeiros passos para a rastreabilidade do rebanho.
“São vários pontos que propiciam esse avanço aos nossos cooperados. Temos também foco em questões como ambiência e bem-estar animal, áreas que estamos priorizando há alguns anos e a gente vê os impactos desse trabalho no tanque de leite”, resume.
Produtor
Do ponto de vista do produtor, a perspectiva é de leve melhora. “Há um sinal de que os laticínios estão pagando um pouco melhor, o que dá uma expectativa de aumentar a renda do produtor. Mas, não temos certeza se isso terá continuidade, porque estamos entrando na entressafra”, analisa Armando Rabbers, produtor de leite e presidente da Associação Brasileira de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa.
Ele reitera que é preciso aguardar para ver como o mercado irá se comportar ao longo do ano. Ainda que a expectativa se confirme, a previsão é de tempos difíceis. “Mesmo assim, não vai pagar o déficit que o produtor teve. Os produtores estão precisando se capitalizar, estão precisando de auxílio dos bancos, do governo, para renegociar suas dívidas e com uma condição melhor de juros”, comenta Rabbers.
Ele destaca que o produtor que planeja fazer um investimento, atualmente, não tem como colocar isso em prática devido às altas taxas de juros. “O Brasil tem potencial, mas ainda não é autossuficiente no leite. A cadeia leiteira precisa melhorar e aumentar a sua produtividade, mas para isso são necessárias condições de igualdade com os outros países”, reforça.
Para o presidente da associação, a realidade do produtor de leite brasileiro levou ao abandono da atividade por pequenos e médios produtores. Por outro lado, na região dos Campos Gerais, ele aponta o respaldo do cooperativismo no fortalecimento da atividade: “a cooperativa auxilia muito o produtor a crescer na pecuária leiteira, e ter uma indústria própria, pela intercooperação, facilita muito”.
Na propriedade de Rabbers, localizada em Carambeí, a produção é de 7.500 litros de leite por dia, com três ordenhas robóticas e em torno de 190 vacas da raça holandesa sendo ordenhadas. De olho no melhoramento genético do rebanho, ele destaca os julgamentos realizados durante a Expofrísia e ressalta a qualidade dos exemplares bovinos da raça holandesa da região, com avaliação próxima aos dos Estados Unidos e Canadá, considerados os melhores do mundo.
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