Ao anunciar o Plano Safra da Agricultura Familiar 24/25, na semana passada, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) informou que a produção de itens básicos da alimentação teria um incentivo a mais. O crédito para quem for plantar arroz, feijão, mandioca, leite, frutas e verduras terá uma taxa de juros um ponto percentual inferior às das demais linhas de financiamento, que variam de 0,5% a 6% ao ano. A dúvida é se, de fato, a redução de juros do crédito rural pode influenciar preços e deixar a comida mais barata para o consumidor.
Pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), Felipe Serigatti tem dúvidas. Segundo ele, o governo não deixou claro o principal objetivo: garantir renda para o produtor, aumentar a oferta de produtor ou reduzir os preços para o consumidor. Ele afirma ainda que, para qualquer das três hipóteses, há desenhos melhores de políticas públicas.
Serigatti pontua que o custo do crédito é apenas uma das variáveis que podem influenciar os preços de alimentos. Há fatores que fazer esses valores oscilarem mais fortemente do o ajuste em taxas de juros. Ele lembra que a guerra entre Ucrânia e Rússia, em 2022, levou a um aumento de preços internacionais de produtos agrícolas. Já em 2023, a perspectiva de uma produção elevada, que pudesse acomodar as cotações, foi frustrada por problemas climáticos, como o El Niño e as enchentes no Rio Grande do Sul.
Na visão do pesquisador da FGV, se a intenção do governo é melhorar o acesso aos alimentos básicos, melhor seria pensar em alternativas para elevar a renda da população, e não, necessariamente, em medidas que tenham a finalidade de pressionar os preços.
O consultor de negócios Ademiro Vian avalia que a redução de juros é positiva e tende a beneficiar a cadeia produtiva. Ele diz acreditar que as taxas estão “dentro da capacidade de pagamento dos produtores desse nível de renda. Juros mais altos do que isso comprometeriam, mas esses juros estão adequados à capacidade deles de poder tomar crédito e honrar os seus compromissos”.
“Pena que não foi para todo mundo”, lamenta, ressaltando que a quantidade de contratos de financiamento da agricultura familiar chega a ser três vezes superior à da agricultura empresarial.
Vian destaca, ainda, a redução da taxa de juros para investimentos em maquinários: “Isso propicia o pequeno produtor a comprar máquinas, equipamentos, e se modernizar também, gera mais produtividade e qualidade de vida. E tem também a questão ambiental, já que máquinas mais modernas poluem menos”, afirma o economista.
O economista e professor da Universidade de Brasília Luiz Honorato avalia que, por um lado, o incentivo aos pequenos produtores a partir do crédito mais barato para o produtor pode ajudar a promover segurança alimentar e a gerar uma estabilidade nos preços de alimentos. Por outro, no entanto, a redução dos juros agrava o que ele considera uma distorção no mercado agrícola.
“Incentivos assim provocam distorções sobre toda alocação de capital, então você vai ter uma convergência, uma influência maior do capital para determinados setores que são beneficiados, que são considerados virtuosos, melhores, mais interessantes e, claro, mais baratos”, destaca. “Se alguns produtos básicos não foram atendidos por essa política, podem se tornar escassos, ficarem relativamente mais caros e você induz uma prática, o comportamento alimentar do consumidor”, acrescenta.
A diminuição dos juros sempre vai ser positiva, especialmente em um cenário de migração de pequenos produtores para culturas mais rentáveis, movimento que é percebido entre a cadeia do feijão, segundo Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe). Ele destaca que o governo tem dificuldades de garantir o preço mínimo do grão.
O valor do Plano Safra, embora tenha sido recorde, ainda ficou aquém do que era pedido pelos representantes do agro. “Existem dívidas passadas, e isso preocupa. Tem produtores que têm dificuldades em plantar a próxima safra e há um crescimento do endividamento e a falta de seguro agrícola”, diz.
Lüders também aponta dificuldades no incentivo à irrigação. “Cada vez mais, nós precisamos que o governo olhe a irrigação como uma saída. A irrigação e o seguro. Se você libera recursos para o plantio mas não incentiva o uso de tecnologia, acaba deixando a todos nós inseguros”, constata.
“O Plano Safra contemplou aspectos positivos para pequenos produtores e, nos alimentos básicos, a fruticultura está com uma lista boa”, avalia Luiz Roberto Barcelos, diretor institucional da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).
As críticas, no entanto, ficaram sobretudo pela falta de incentivos a métodos de irrigação. “Boa parte das frutas são irrigadas, e não veio nenhum tipo de ajuda com relação aos juros para quem quer instalar equipamento de irrigação. Estava em 10,5% no passado e mantiveram os 10,5% esse ano”, observa Barcelos.
Para Barcelos, ainda há a preocupação em saber se o pequeno produtor familiar realmente vai ter acesso ao crédito. “Muitas vezes o recurso é ofertado, mas por uma questão de burocracia, da própria possibilidade do pequeno produtor, que às vezes não consegue fazer um projeto adequado para ser aprovado pelo banco, há a dificuldade no acesso ao crédito”.
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