O mercado de infraestrutura vive uma onda de questionamentos sobre concentração de mercado e regras de concorrência em licitações, uma discussão que tem crescido, segundo empresas e advogados.
Hoje a disputa mais acirrada gira em torno do leilão do Tecon Santos 10, megaterminal de contêineres no Porto de Santos (SP). Porém, projetos em outros setores, como Parcerias Público-Privadas (PPP) de esgoto, oferta de nova capacidade de rede em telefonia celular e concessões de ferrovias também têm gerado discussões.
No caso de Santos, a briga se acirrou nas últimas semanas, após a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) decidir que nenhum operador de contêineres do porto pode disputar a primeira fase da licitação, e só poderão entrar caso não houver interessados – cenário considerado remoto.
Os principais críticos da restrição são Maersk e MSC, que operam em sociedade o BTP (Brasil Terminal Portuário). Os dois grupos estão interessados no Tecon 10 que, segundo fontes, seria uma forma de desfazer a “joint venture” na BTP. Do outro lado, companhias interessadas em entrar em Santos defendem a limitação e estão dispostas a questionar o leilão caso os grupos sejam liberados.
Saneamento
Em saneamento, a questão concorrencial passou a gerar questionamento no ano passado, quando a Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná) fez o leilão de três PPPs de esgoto, e impediu, no edital, que um mesmo grupo levasse todos os contratos. A regra buscava impedir que a Aegea, que já tinha uma PPP no Paraná, dominasse o serviço no Estado. A empresa chegou a conseguir liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) que barrou a licitação por quatro meses, mas a decisão foi revertida.
No leilão de duas PPPs do Espírito Santo, que deverá ser realizado nesta terça (17), a inclusão da mesma cláusula voltou a gerar questionamento da Aegea no âmbito administrativo. Fontes disseram que o grupo acabou decidindo não judicializar desta vez. A companhia entregou proposta, juntamente com Acciona e GS Inima.
Telefonia
Em telefonia, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) planeja realizar este ano o leilão da rede móvel de quarta geração (4G) na faixa de 700 megahertz (MHz). Será a terceira tentativa com barreiras ao acúmulo desproporcional de capacidade nas mãos dos grandes competidores: Vivo, Claro e TIM.
A rede de 700 MHz foi a leilão pela primeira vez em 2014. À época, toda a capacidade foi dividida em quatro lotes e somente a Oi não fez a aquisição. O quarto lote voltou a ser ofertado no leilão da quinta geração (5G) em 2021, quando as três operadoras já contempladas foram impedidas de entrar na primeira rodada de negociação.
Em 2021, a disputa foi vencida pela Winity Telecom, do Pátria. Dois anos depois, porém, a empresa se viu obrigada a devolver a rede ao perder o interesse no negócio. Isso ocorreu porque a Anatel impôs obrigações pesadas, sob o aspecto concorrencial, pelo fato da estreante ter fechado acordo comercial para ceder parte da capacidade à Vivo – uma das três impedidas de participar no leilão.
“Vamos colocar disponível novamente para o mercado. Não está definido qual o modelo da disputa. Mas, na fase de consulta pública, já foi apresentada uma proposta de manter o espírito do leilão anterior”, disse o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, ao Valor.
Ferrovias
Em ferrovias, a discussão também deverá voltar à agenda. Segundo fontes, a VLI já apresentou questionamentos ao governo sobre possível vantagem da Rumo em leilão envolvendo a Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), que se conecta à Ferrovia Norte-Sul em trecho operado pela empresa da Cosan. Outro grupo que assumir o trecho terá que pagar direito de passagem à operadora.
Na consulta pública, já foi apresentada a proposta de manter o espírito do leilão anterior”— Carlos Baigorri
A avaliação do grupo, dizem fontes, é que a malha ferroviária está se voltando ao Sul por conta do predomínio da Rumo. Com isso, a VLI tem defendido que o leilão da Fico receba aporte maior do governo para viabilizar financeiramente o empreendimento a outros grupos. Ainda não há questionamento formal.
Sobre o tema, a VLI diz que “reforça a importância de um sistema logístico, a nível nacional, mais equilibrado e competitivo” e que “novos projetos estruturantes devem priorizar fluxos eficientes, promovendo um melhor balanceamento da malha nacional.”
Concorrência
Advogados que atuam no setor afirmam que há uma alta do controle de concorrência nos leilões. “Nos anos 1990, quando o Brasil iniciou o programa de desestatização, setores que não tinham agência reguladora tinham tendência de prever restrições à participação no edital. Quando as agências começaram a se proliferar, prevaleceu o controle ‘ex-post’ [posterior]”, diz Rafael Vanzella, sócio do Machado Meyer. “Agora parece estar voltando o modelo dos anos 1990. Mas é cedo para dizer se é uma tendência generalizada.”
Rodrigo Bertoccelli, sócio na Giamundo Neto Advogados, também observa aumento das discussões. “As políticas de ganhos de escala sempre convergiram para concentração. A novidade é que hoje vemos uma reação normativa ‘ex-ante’ [anterior], com cláusulas buscando diversificação competitiva”, afirma. Para ele, a análise prévia pelas agências é válida, mas a forma de cálculo para analisar o tema tende a gerar debate.
Outro especialista ouvido pelo Valor considera que a grande oferta de ativos de infraestrutura no país abre “grande oportunidade” para concentração em alguns grupos econômicos. Na sua avaliação, a tendência tem sido percebida por agentes do mercado que começam a considerar os riscos.
“No curto prazo, parece que sai barato a contratação dos empreendimentos sem olhar para a posição dos concorrentes no mercado, mas a médio e a longo prazo fica tudo mais caro por causa do alto nível de concentração”, diz. Ele afirma que os agentes públicos estão aprendendo a lidar com a aparente “dissonância cognitiva” que existe no argumento de defesa de mais concorrência no mercado com restrições à participação de grupos em licitações.