Após uma série de tragédias familiares, Isabela*, de 16 anos, encontrou amor ao ser acolhida no Hospital Municipal do Jardim Ingá, em Luziânia, Entorno do Distrito Federal. A menina, que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e esquizofrenia, chegou à unidade de saúde após a morte da avó, com quem vivia em São Paulo, e a rejeição da mãe, que mora nos arredores de Brasília.
Há quase quatro meses, Isabela vive em um leito de enfermaria, que se transformou no quarto da jovem. O corredor do hospital, é a “sala da casa” dela, onde a jovem descansa, sorri, brinca, dança e recebe as visitas – servidores do hospital, que a acolheram com todo carinho.
Isabela chegou ao local, transferida do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), apenas como mais um paciente com uma situação clínica desafiadora. Porém, seu jeito sereno, ingênuo, puro e autêntico, cativou a todos e se tornou um “membro da família” dos funcionários e xodó do hospital.
O Metrópoles pôde acompanhar cerca de 4h do dia de Isabela* e constatar todos os relatos dados por funcionários sobre a adolescente, que mesmo vivendo uma situação comovente de abandono, viu que não está sozinha.
Assim como qualquer outra adolescente, Isabela fica entretida quando tem um celular nas mãos. Adora ver canais e dançar, ouvindo músicas no YouTube. Ela aproveita para gastar energia, momento em que dá “descanso” para as técnicas de enfermagem que a monitoram 24h por dia.
Devido ao seu quadro clínico, a garota tem outros hobbies comuns de crianças mais novas, como brincar com bola de plástico e bonecos, esses tratados com muito carinho.
A jovem criou uma conexão tão grande com os servidores que ao avistar qualquer um deles, se aproxima carinhosamente e pede para passear, ou por uma guloseima, que raramente alguém consegue recusar.
“Amor das nossas vidas”
“A gente cuida dela como se fosse uma filha, uma irmã. Eu costumo dizer que aqui no hospital a gente tem oportunidade de cuidar do amor da vida de alguém e, certamente, ela virou o amor das nossas vidas”, disse, com brilho nos olhos, o diretor do Hospital do Jardim Ingá, Fernando Neves.
Pai de uma menina da mesma idade, Fernando se tornou uma figura paterna para Isabela. Todo dia, quando chega no hospital, a primeira coisa que faz é levar a a garota para um passeio na parte externa da unidade. A jovem ficou tão “mal acostumada” com as caminhadas, que sempre que vê o diretor, pede para passear.
“Eu vejo que às vezes a gente até erra, porque ela tem uma orientação nutricional e ela pede um chocolate, um picolé e às vezes a gente cede à essa ‘chantagem’ dela, porque ela também aprendeu a lidar com a gente”, contou o diretor.
Apesar da evolução clínica, nem tudo foi fácil, e a jovem chegou a ter de ser contida fisicamente. Antes, ela tinha dificuldade em lidar com pessoas do sexo masculino. “Nos primeiros dias, ela tinha uma resistência grande à figura masculina e ficou um mês sendo tratada somente por mulheres. Graças a Deus, hoje tivemos êxito no tratamento e ela tem uma relação boa com todos, inclusive nós homens”, explicou o diretor.
Entenda o caso
- Isabela* morava com a avó, em São Paulo. A idosa é quem cuidava da garota, mas uma fatalidade há cinco meses virou a vida da adolescente de cabeça para baixo.
- A familiar morreu e, desamparada, a menina foi levada de São Paulo para um abrigo em Luziânia, depois acabou ficando um período em Goiânia e depois retornou à Luziânia, onde ficou um mês na unidade do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) do município. Sem estrutura ideal para manter pacientes, o Caps transferiu a menina para o Hospital Municipal do Jardim Ingá.
- A genitora de Isabela* já havia entregado a guarda da menina ao Conselho Tutelar de Luziânia há alguns anos e abandonou a filha que necessitava de cuidados maiores devido à complexidade do seu quadro clínico, que fazia a jovem apresentar agressividade.
- Um leito da enfermaria do Hospital do Jardim Ingá que costuma receber quatro pacientes precisou ser personalizado para receber somente Isabela* e se tornar a casa da jovem durante a internação psiquiátrica.
Evolução no convívio
A Secretaria Municipal de Saúde de Luziânia monitora o caso e percebe uma evolução no quadro clínico, o que permite um avanço. A jovem deve ser transferida em breve do Hospital Municipal do Jardim Ingá, e ser inserida em centros de convivência, para ter contato com outras pessoas após quase quatro meses sendo tratada na unidade de saúde.
“Hoje, percebe-se claramente que há um convívio com outras pessoas, e diminuiu em 80% a questão dos surtos. Já existe uma nova dinâmica, graças a todo tratamento, feito com muito carinho e amor”, explicou o secretário de saúde de Luziânia, Glenio Magrini.
Isabela passa por exames semanalmente e, apesar da condição de esquizofrenia, está com a saúde em dias. A jovem que alegra os corredores e o expediente dos funcionários recebe cuidados 24h por dia de uma equipe que conta com médico clínico, psiquiatra, psicólogos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionista e fisioterapeutas. Além disso, todos outros funcionários da unidade de saúde se alegram e se divertem com o jeito genuíno e autêntico dela.
As secretarias de Saúde e de Promoção Social de Luziânia, o Conselho Tutelar e a Vara da Infância e da Juventude estão definindo os próximos passos e preparando a transição de Isabela. O Ministério Público de Goiás (MPGO) também acompanha o caso.
Não está descartado que a jovem seja colocada para adoção no futuro, mas o município fará todo o processo com muito cuidado. “Se ela apresentar uma evolução, com certeza ela pode vir a ser adotada, mas depende de como ela irá reagir e da avaliação de todas as secretarias”, detalhou Magrini.
Isabela, agora, aguarda os próximos do seu futuro e faz com que os funcionários do hospital preparem o terreno para uma despedida, que tem tudo para ser carregada de emoção.
* Nome fictício para preservar a identidade da personagem, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).