O início da ditadura militar completa 60 anos, mas a data exata em que o golpe de Estado aconteceu causa dúvida até hoje. Afinal, o dia correto seria 31 de março ou 1º de abril?
A CNN ouviu historiadores e especialistas para entender o que cada um desses dias representa. Segundo eles, o processo golpista aconteceu nas duas datas.
“O golpe começou no dia 31 e foi concluído, de fato, no dia 1º”, disse a historiadora Joana Salém, professora visitante da Universidade Federal do ABC (UFABC), que considera essa uma “falsa polêmica”.
A professora de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF) Janaína Cordeiro diz que “fazer um movimento civil-militar que conquista sua vitória no Dia da Mentira [1º de abril], não é muito auspicioso”. “Então, os militares falam em 31 de março.”
O dia 1º de abril é utilizado como uma estratégia de luta democrática, no sentido de falar como ‘Dia da Mentira’ o dia em que os militares criaram a sua grande mentira de salvacionismo do país.Joana Salém
No meio militar, o 31 de março foi celebrado por muitos anos como o início do período ditatorial — o Exército, em obras que constam em sua biblioteca, chama o golpe de “Movimento Revolucionário“.
Logo que assumiu o mandato, em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) determinou que o Ministério da Defesa comemorasse a ocasião. Já no governo atual, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as Forças Armadas deixaram novamente de celebrar a data.
No ano passado, porém, os clubes Naval, Militar e Aeronáutico celebraram a ocasião no dia 31 de março, e afirmaram que não “poderiam deixar de estar alinhados com as Forças Armadas, às quais se vinculam compromissos e ideais para que o 31 de março de 1964 permaneça vivo na história, somente onde seu legado de pacificação e desenvolvimento do Brasil possa ser compreendido”.
A CNN entrou em contato com a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e a Presidência da República para saber qual data é considerada pelos órgãos oficiais.
“Em atenção ao solicitado, informamos que não há na Câmara dos Deputados estudos historiográficos sobre quando ocorreu o Golpe Militar de 1964. Esses debates normalmente transcorrem-se no âmbito acadêmico”, informou a Casa Legislativa.
Até a publicação, não houve retorno do Senado e da Presidência.
Em matérias antigas da Câmara e do Senado, há menções ao dia 31 de março. A sessão solene que relembrou 50 anos do golpe, no entanto, ocorreu na Câmara no dia 1º de abril de 2014.
Antecipação
Professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), João Roberto Martins Filho disse que houve uma antecipação do golpe.
Antes do previsto, mas primeiras horas de 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho, comandante de uma divisão do Exército em Juiz de Fora (MG), “desceu com tropas de Belo Horizonte até o Vale do Paraíba”. Mais tarde, o general Amauri Kruel, comandante do 2º Exército, em São Paulo, aderiu à ação e ordenou que suas tropas se dirigissem ao Rio de Janeiro.
Esse movimento aconteceu em um contexto em que João Goulart, o então presidente civil, sofria críticas por propostas como nacionalização de refinarias de petróleo e desapropriação de terras.
“Essa conspiração tinha um grupo dirigente que era muito cauteloso e que era comandado pelo futuro presidente Castello Branco [chefe de Estado-Maior do Exército]. Esse pessoal estava já disposto a dar o golpe”, diz Martins Filho.
Reações ao movimento
Ao saber do deslocamento dos militares e da movimentação por sua renúncia, Goulart voou para Brasília em 1º de abril. Sem apoio na capital federal, o presidente civil partiu para Porto Alegre. O movimento seria usado pela oposição como justificativa para que a Presidência da República fosse declarada vaga.
Em sessão extraordinária — que varou a madrugada do dia 1º para o dia 2 de abril —, o presidente do Congresso Nacional, Auro Moura Andrade, anunciou a vacância.
“Comunico ao Congresso Nacional que o senhor João Goulart deixou, por força dos notórios acontecimentos de que a Nação é conhecedora, o governo da República”, declarou o senador.
Com isso, tomou posse Pascoal Ranieri Mazzilli, então presidente da Câmara. Poucos dias depois, o primeiro presidente militar do período que se seguiria, Castello Branco, foi eleito indiretamente.
Os processos históricos são assim: eles não são instantâneos, eles duram horas, às vezes, e, eventualmente, dias ou semanasJoana Salém