O governo federal anunciou um pacote de medidas para reduzir o preço dos alimentos no mercado interno, que inclui a decisão de zerar impostos de importação de alguns produtos. No setor de carnes, especialistas e membros da indústria acreditam que o impacto será limitado, porém, há possibilidade do frango ficar mais barato se o custo com o milho recuar.
“Se o valor da commodity (milho) cai, o frango fica muito competitivo e acaba até atraindo demanda que seria da carne bovina“, disse uma fonte da indústria frigorífica ao Valor.
O cereal é o principal insumo usado na ração animal e representa uma parcela significativa das despesas da indústria de aves e suínos.
No caso da carne bovina, a fonte ressalta que em algum momento do ciclo pecuário o animal também consome milho para ganhar gordura, mas ainda assim a maioria do gado brasileiro é criado a pasto, cerca de 80%, então o impacto de uma eventual queda no valor do milho não seria imediato e nem em larga escala.
Depois da reunião ocorrida na cúpula do governo, ontem (6/3), a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), estimou que os preços das carnes poderão estar menores nos supermercados cerca de 15 dias após a publicação das medidas federais.
Em uma visão menos otimista, outra fonte da indústria acredita que zerar tarifas de importação não deve surtir o efeito esperado, uma vez que o Brasil é o produtor de alimentos mais competitivo do mundo em diversas categorias, inclusive na carne bovina.
“O que resolveria é corte de gastos do governo, reduzir a tributação, mostrar uma ação efetiva”, afirmou o interlocutor.
O milho vai cair?
João Figueiredo, analista da Datagro Pecuária, lembra que o milho importado pelo Brasil vem de países vizinhos e já tem a tarifa zerada em função de um acordo do Mercosul.
Levantamento da área de grãos da consultoria Datagro mostra que, no ano comercial 2024/25 (encerrado em janeiro), o país comprou menos de 1,7 milhão de toneladas do mercado externo, o equivalente a 1,4% da safra atualmente estimada pela consultoria em 122 milhões de toneladas.
Todo o volume importado foi originado no Mercosul, especificamente do Paraguai, que, em função da proximidade, é fornecedor economicamente viável para consumidores no oeste do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Estes três Estados são os maiores produtores nacionais de frango e suínos, que consomem muito milho.
“Para que o Brasil aumente o volume de entradas, seria necessário recorrer a origens que tenham ampla disponibilidade de oferta, diferentemente do Paraguai, e que tenham viabilidade econômica para chegar até os centros de consumo brasileiros”, disse a Datagro.
Para a consultoria, esses fornecedores seriam apenas a Argentina, que já conta com imposto zero, e os Estados Unidos, com alíquota de 7,2% agora temporariamente suspensa. Sendo assim, o produto norte-americano poderia ser mais fornecido ao Brasil, mas, devido à logística, ficaria restrito a algumas regiões.
“Estima-se que a medida (do governo do Brasil) poderá, sim, apresentar efeitos positivos sobre a demanda (por milho) no Norte e Nordeste do país, mas dado que esta região tem um peso menor sobre a produção de proteínas animais, entende-se que os impactos da medida sobre os preços de alimentos deverá ser limitado”, avaliou a Datagro.
Para as empresas
Olhando para as companhias listadas na B3, os analistas Thiago Bortoluci e Nicolas Sussmann do Goldman Sachs acreditam que as medidas do governo brasileiro podem beneficiar a BRF e seriam negativas para a Minerva.
“Na margem, prevemos que essas medidas se traduzirão em preços mais baixos para o milho (positivo para a BRF, pois estimamos que representa 31% de seus custos) e para a carne bovina (negativo para a Minerva, que deriva 20% de seus volumes do Brasil)”, comentaram em relatório.
No fim do pregão desta sexta-feira (7/3), as ações da BRF terminaram em alta de 3,95%, enquanto os papéis da Minerva, que chegaram a operar em queda, fecharam com avanço de 0,63%.
Importação de carne bovina
Em geral, as importações brasileiras de carne bovina não são representativas para o consumo no mercado interno. Trata-se de cortes considerados mais nobres, como a picanha.
“A carne importada pelo Brasil possui 99% de sua proveniência dos seguintes países: Argentina, Austrália, Paraguai e Uruguai, os quais hoje com exceção da Argentina possuem preços mais elevados do que o praticado no mercado interno quando convertidos para dólar”, disse Figueiredo, da Datagro.
Soma-se a isso o custo com o frete para a logística de importação e o câmbio, com o dólar valorizado em relação ao real, como fatores que encarecem ainda mais a carne importada.
“Desta forma, em nosso entendimento, a medida tomada pelo governo não deverá repercutir de maneira expressiva no mercado de carne bovina brasileiro”, avaliou.
A diretora da consultoria Agrifatto, Lygia Pimentel, calcula que, na média ponderada entre os principais exportadores mundiais, a carne bovina do Brasil tem preços em torno de 14% mais baixos no mercado externo.
“Provavelmente ficará mais barato ou competitivo para carnes premium, que é o que importamos (mais pela experiência gastronômica do que pelo preço) não é o que pressiona a inflação“, acrescenta, sobre as medidas do governo.
Peixes
A Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca) repudiou e classificou como “completamente nefasta” a decisão de zerar a alíquota de importação da sardinha, anunciada pelo governo federal em meio a outras medidas para reduzir os preços dos alimentos. Para a entidade, a estratégia não reduzirá os valores da sardinha e ainda favorece a substituição do consumo pelo produto chinês.
“Não vão baixar R$ 0,01 o preço do produto na gôndola, a única coisa é que vai trocar, na gôndola vai ser produto asiático ao invés de ser produto nacional”, disse o presidente da associação, Eduardo Lobo.
Segundo o dirigente, o setor está se articulando junto ao Ministério da Pesca e a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) para solicitar à Casa Civil uma alteração na medida anunciada, que retira uma taxa de importação de 32%. “Para que haja uma sensibilização, haja uma troca da sardinha pronta, industrializada, para a sardinha in natura”, afirmou.
Uma das justificativas da cadeia nacional da pesca é que na inflação medida pelo IPCA de 2024, a sardinha contribuiu com uma alta de 1,14%, considerada pequena perto de outros produtos mais caros.
Em volume de produção, a sardinha é a principal espécie que o Brasil trabalha em sua pesca nacional. A produção e o comércio da sardinha são 95% direcionados para a indústria de conserva.
“É um produto altamente consumido justamente no interior do país, especialmente pela camada mais pobre da população”, pontuou a Abipesca.
Segundo a entidade, o setor já teve um choque no final do ano passado, quando a conserva de sardinha ficou de fora da cesta básica na reforma tributária. A partir de 2026, haverá um processo de transição no qual haverá um incremento chegando a um aumento de 28,5% nos impostos.
Agora, a retirada dos 32% da taxa de importação pode provocar “um esfacelamento da indústria nacional” de conserva de pescado.
Há oito anos, a alíquota de importação passou de 16% para 32% para conter os preços praticados pelo mercado asiático, e “salvou” a indústria brasileira.
“Causa estranheza e perplexidade o fato de nem o setor e nem o Ministério da Pesca terem sido consultados sobre a irresponsável medida”, acrescentou a entidade.