A conservação das florestas em terras indígenas da Amazônia Legal pode ser determinante para o bom desempenho da produção agropecuária brasileira em regiões bem distantes dali, como o Sul e o Centro-Oeste. Estudo inédito divulgado nesta semana mostra que os “rios voadores” formados nesses territórios influenciam em algum nível as chuvas que abastecem 80% das áreas com atividade produtiva rural e que contribuem para 57% da renda gerada pelo setor – valor que chegou a R$ 338 bilhões em 2021.
As terras indígenas da Amazônia ajudam a “irrigar” atividades agropecuárias, parcial ou totalmente, em ao menos 18 Estados e no Distrito Federal, de acordo com a pesquisa do Instituto Serrapilheira, feita a partir do cruzamento e da análise de dados do MapBiomas, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
“A conservação da Amazônia é crucial não só para garantir a segurança hídrica e alimentar do país, mas também a cadeia produtiva do agronegócio e, portanto, a produção econômica de uma significativa parcela da economia nacional”, diz o estudo.
De modo geral, até 30% da chuva média que cai sobre as terras agropecuárias do país está diretamente relacionada à eficiente “reciclagem de água” nas terras indígenas da Amazônia, segundo a pesquisa. Na prática, a umidade gerada pela floresta nativa preservada nesses territórios é levada pelos chamados “rios voadores” em forma de vapor d’água, que resultam na formação das chuvas em outras regiões, como o Centro-Oeste e o Sul.
“Esse mecanismo natural de geração de chuva depende da manutenção de áreas de florestas nativas conservadas, que são responsáveis pelo bombeamento de umidade para a atmosfera”, alerta o estudo.
Os resultados mostram somente a contribuição das terras indígenas, que representam apenas 23% da área de toda a Amazônia Legal (com 450 territórios) e são responsáveis por 27,5% das florestas maduras da região, com cerca de 90 milhões de hectares.
“Se considerarmos todas as florestas da Amazônia, essa contribuição é potencialmente muito maior”, aponta a pesquisa.
Influência nos Estados
O Paraná é o Estado com maior percentual de chuvas anuais influenciadas pela reciclagem de água das florestas das terras indígenas da Amazônia, com 24,6%. Ele é seguido do Acre (24,4%), Mato Grosso do Sul (21,5%), Rio Grande do Sul (18,4%), Santa Catarina (16,5%), São Paulo (16,3%), Rondônia (11,1%), Amazonas (9,2%) e Mato Grosso (9,1%).
Esses nove Estados que recebem maior grau de influência de umidade advindas das terras indígenas geraram em 2021 cerca de R$ 338 bilhões de Valor Adicionado Bruto do setor agropecuário, cerca de 57% da renda bruta do campo naquele ano e 3,8% do PIB nacional.
Os autores do estudo destacam que a manutenção das terras indígenas age como barreira para o avanço do desmatamento no país e que a ampliação das demarcações ajuda a aumentar a conservação dos ecossistemas brasileiros.
“O desmatamento e a degradação das florestas nas terras indígenas causam a redução dessas chuvas e, com isso, acarretam riscos graves à economia do país”, afirma o hidrólogo Caio Mattos, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autor do estudo.
“Isso significa que a conservação dessas florestas é crucial para garantir a cadeia produtiva do setor agropecuário e, portanto, a produção de uma significativa parcela da economia nacional”.
Entre 2019 a 2023, segundo o estudo, 130,2 mil hectares foram desmatados em terras indígenas da Amazônia Legal, cerca de 3% do desmate total registrado na região.
A pesquisa ressalta ainda o impacto positivo dos territórios para a garantia da segurança alimentar do Brasil, já que a agricultura familiar é responsável por mais da metade do valor da produção em vários Estados influenciados pelas chuvas mapeadas.
“Em cenários de aquecimento global, cultivos típicos da agricultura familiar como mandioca, milho e feijão seriam impactados com perda de produtividade, causando vulnerabilidade da agricultura familiar aos efeitos das mudanças climáticas e pondo em risco a segurança alimentar do país. Portanto, a conservação de vegetação nativa em terras indígenas mitiga os efeitos potenciais de perda de produtividade em decorrência das mudanças climáticas, e assim contribui para a segurança alimentar”, conclui o estudo.
A nota técnica assinada por dez pesquisadores do Instituto Serrapilheira foi endossada por outros nomes de peso da ciência, como o climatólogo Carlos Nobre, o físico Paulo Artaxo, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, o economista Ronaldo Seroa da Motta e a bióloga Mercedes Bustamante.