Uma resolução aprovada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) e publicada no Diário Oficial da União na última segunda-feira (17/3) gerou forte reação entre entidades médicas. A nova norma amplia a possibilidade de prescrição de medicamentos por farmacêuticos, incluindo remédios de venda sob prescrição.
A medida, que entra em vigor no mês que vem, é vista pelo CFF como um avanço para a categoria e para a segurança dos pacientes. No entanto, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB) criticam a resolução, alegando que a prática é ilegal e pode trazer riscos à saúde da população.
O que muda com a nova resolução?
Atualmente, os farmacêuticos já podem indicar medicamentos isentos de prescrição (MIPs), usados para tratar condições leves como resfriados e alergias. Além disso, eles já podiam prescrever alguns medicamentos de uso controlado dentro de protocolos específicos, como no caso da PrEP e da PEP, para prevenção do HIV.
Com a nova regra, a prescrição farmacêutica se expande para incluir medicamentos tarjados, aqueles que exigem receita médica. O CFF argumenta que a mudança não interfere na atividade médica, pois os farmacêuticos continuarão seguindo protocolos clínicos baseados em evidências científicas.
“A Resolução Nº 5/2025 não interfere na atividade médica, ela apenas organiza a prescrição farmacêutica, garantindo que os farmacêuticos atuem dentro de protocolos clínicos bem estabelecidos e embasados na melhor evidência científica disponível”, diz o conselho em nota.
Além disso, a resolução prevê a renovação de receitas médicas pelos farmacêuticos, o que também tem sido alvo de críticas por entidades médicas.
Por que os médicos são contra a medida?
O CFM e a AMB, bem como entidades médicas mineiras, como a Academia Mineira de Medicina (AMM), Associação Médica de Minas Gerais (CRM-MG) e o Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG) que integram o Conselho Superior das Entidades Médicas de Minas Gerais (Cosemmg), afirmam que a prescrição de medicamentos é o último passo de um processo complexo, que envolve anamnese, exames físicos e laboratoriais, além de um diagnóstico preciso – atribuições que são exclusivas dos médicos, segundo a Lei do Ato Médico (Lei nº 12.842/2013).
“A prescrição exige investigação, diagnóstico e definição de tratamento, competências exclusivas dos médicos, conforme o artigo 48, inciso X, da Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), as Diretrizes Curriculares Nacionais do MEC e jurisprudências consolidadas. A norma do CFF é um atentado à legalidade e à segurança da população”, diz o CFM em nota.
Em nota, o CFM classificou a resolução como “absolutamente ilegal e desprovida de fundamento jurídico” e anunciou que tomará medidas judiciais para impedir sua aplicação.
A advogada especialista em direito da saúde Nilza Sacoman reforça esse argumento. “Quando falamos de prescrição médica, a Lei do Ato Médico prevê uma série de práticas que devem ser adotadas antes da receita de um medicamento, e são atividades exclusivas dos médicos. Mesmo com a qualificação, os farmacêuticos não podem prescrever, sendo que o diagnóstico e prognóstico são atos médicos.”
A AMB também se manifestou contrária à resolução, alegando que a formação dos farmacêuticos não inclui os conhecimentos necessários para prescrever medicamentos de forma segura. Segundo a entidade, uma prescrição incorreta pode colocar em risco a saúde dos pacientes.
O que diz o CFF?
O Conselho Federal de Farmácia defende que a prescrição de medicamentos tarjados sempre foi uma competência dos farmacêuticos e que essa prática já está prevista em diretrizes curriculares do Ministério da Educação desde 2017.
O farmacêutico clínico Wallace Bottacin, um dos responsáveis pela elaboração da norma, explica que “a prescrição de medicamentos de venda ‘sob prescrição’ sempre foi uma competência do farmacêutico. A nova resolução apenas garante que essa prática seja realizada com respaldo legal e dentro de protocolos bem estabelecidos.”
O CFF também destaca que a Lei 13.021/2014 já estabelece como obrigação do farmacêutico o acompanhamento sistemático dos pacientes por meio da chamada farmacoterapia, o que inclui a prescrição dentro de sua área de atuação.
Segundo a entidade, a norma vincula a prescrição farmacêutica ao Registro de Qualificação de Especialista (RQE), mecanismo aprovado em 2025 e recém-adotado pelo CFF para assegurar que os farmacêuticos atuem de acordo com sua formação e especialização. “Agora, a sociedade vai poder consultar quais farmacêuticos são prescritores diretamente no site do CFF, melhorando substancialmente a fiscalização e promovendo o melhor cuidado em saúde.”
Além disso, a entidade menciona que a Anvisa, em 2022, alterou a nomenclatura das embalagens de medicamentos de “Venda sob prescrição médica” para “Venda sob prescrição”, o que, segundo o CFF, reconhece que a prescrição pode ser feita por outros profissionais de saúde além dos médicos.
Na nota, o CFF destaca que o profissional farmacêutico não pode prescrever todo tipo de medicamento e que sua atuação é limitada à prescrição daqueles que são isentos de prescrição e tarjados, “mediante protocolos ou diretrizes preestabelecidos”. “Isso garante segurança para a sociedade, pois, diferentemente de outras categorias profissionais que têm liberdade prescritiva (podendo recomendar tratamentos de eficácia questionável como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina para COVID-19 ou ainda medicamentos sem indicação, com doses e/ou posologias fora do padrão), os farmacêuticos somente podem prescrever baseados nas evidências científicas mais robustas.”
A questão pode parar na Justiça?
A disputa entre CFF e CFM não é nova e já esteve nos tribunais antes. Em 2024, o CFF publicou uma medida semelhante, que acabou derrubada antes de entrar em vigor. Diante das críticas das entidades médicas, a tendência é que a nova resolução também seja contestada judicialmente. O CFM já anunciou que adotará “todas as medidas cabíveis” contra a norma.