Trabalho publicado na revista Molecular Biology and Evolution identificou genes de RNAs longos não codificadores (lncRNAs, na sigla em inglês) ativos no córtex cerebral humano e mapeou sua mudança ao longo da evolução. O trabalho envolveu o Instituto Butantan e o Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e foi feito com apoio da FAPESP.
Os RNAs longos não codificadores são genes que não se traduzem em proteínas funcionais. O objetivo do grupo de pesquisadores foi entender quando eles surgiram durante a evolução do córtex – em humanos e outras espécies –, bem como identificar o papel dessas moléculas na complexa organização cerebral. A ideia é que isso ajude a caracterizar seu envolvimento em doenças do neurodesenvolvimento.
Isso porque, embora algumas características possam apontar para os lncRNAs como mero ruído transcricional, foi demonstrado que eles, de fato, têm funções reguladoras de genes e também capacidade de adquirir novas modalidades funcionais. Assim, entender melhor o seu papel pode apontar possíveis alvos terapêuticos.
Os lncRNAs mais antigos estão presentes em humanos e também em galinhas, tendo surgido há mais de 300 milhões de anos; os presentes em humanos e camundongos surgiram há mais de 90 milhões de anos. Os mais recentes surgiram há mais de 25 milhões de anos e são encontrados em humanos e em macacos rhesus. Os pesquisadores identificaram também lncRNAs que não estavam presentes nas outras três espécies estudadas, sendo especificamente humanos.
Os autores avaliaram sistematicamente a contribuição dos lncRNAs, anotando um catálogo abrangente. “Mostramos que eles exibem assinaturas que sugerem que desempenharam papel de especialização funcional ao longo da evolução”, dizem. “Usamos transcriptômica e genômica comparativa para caracterizar a evolução do repertório de lncRNA e nossas análises identificaram assinaturas de diferentes rotas evolutivas dos lncRNAs ao longo do tempo”, destacam.
Enquanto os lncRNAs mais antigos são expressos preferencialmente perto de genes reguladores do desenvolvimento, os mais recentes são expressos seletivamente em neurônios excitatórios – justamente aqueles que se apresentam desregulados em pacientes com distúrbios do desenvolvimento neural, como o transtorno do espectro autista (TEA). Esses resultados sugerem, portanto, que essas estruturas precisam ser estudadas com mais profundidade.
“As análises permitiram observar que os lncRNAs mais antigos mostraram expressão preferencial em zonas germinativas, em células da glia radial externa e em neurônios gabaérgicos inibitórios [que inibem a atividade de outros neurônios por meio da produção do neurotransmissor GABA] do córtex. Por outro lado, os mais jovens mostraram expressão preferencial em neurônios glutamatérgicos excitatórios do córtex [que estimulam outros neurônios ao produzir glutamato] – e aparecem desregulados em pacientes com autismo ou com autismo acompanhado de epilepsia”, explica Verjovski-Almeida.
Potencial pouco explorado
Entender a base molecular do funcionamento das estruturas do córtex cerebral é fundamental para desvendar a evolução da cognição humana e ter uma compreensão mais profunda de como ela é prejudicada em doenças. Por isso, ponderam os autores, um esforço considerável foi feito na última década para identificar essas mudanças, mas com foco na expressão de genes codificadores de proteínas. Agora, porém, mostra-se necessário expandir essas análises para o transcriptoma não codificador (o conjunto de RNAs que não dão origem a proteínas). “É crucial para melhorar nossa compreensão das modificações reguladoras de genes que levaram à evolução do córtex cerebral humano.”
Um dos desafios é encontrar os modelos experimentais e os processos celulares mais relevantes, buscar lncRNAs que sejam alvos-chave nos processos, mostrar a perda e o ganho de função, em um determinado tipo celular ou órgão, quando sua transcrição é reprimida ou ele é superexpresso.
O trabalho do grupo foi importante porque, nos últimos anos, com a intensa utilização do sequenciamento em larga escala para detecção da expressão gênica em diversos organismos, ficou evidente que milhares de lncRNAs representam uma classe específica e diversa de RNAs. Apesar disso, apenas poucas dezenas deles, em humanos, tiveram seus mecanismos moleculares de ação identificados e caracterizados com mais detalhes.