Um estudo da USP aponta que 59% das espécies nativas analisadas no Vale do Paraíba do Sul têm potencial de uso em setores como saúde, cosméticos e alimentação — mostrando que frutos, sementes e folhas podem gerar renda sem derrubar a floresta.
Um obstáculo considerável para a restauração florestal é o custo, o que tem suscitado discussões nos últimos anos sobre como viabilizar economicamente sua execução.
Como o manejo de madeira nativa, a obtenção de créditos de carbono e o pagamento por serviços ecossistêmicos são soluções de longo prazo – sendo as duas últimas com mercado ainda incipiente –, um grupo de pesquisadores propõe a exploração de produtos florestais não madeireiros com valor agregado como opção para obter renda das áreas de recomposição florestal.Play Video
Em artigo publicado na revista Ambio, o grupo liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) aponta que 59% das espécies de plantas amostradas na região do Vale do Paraíba do Sul têm algum potencial bioeconômico.
“A vantagem do manejo de produtos não madeireiros é que ele se baseia na coleta de folhas, galhos, sementes e frutos, constituindo um manejo não destrutivo, mantendo a floresta de pé e podendo trazer ganhos em médio prazo”, afirma Pedro Medrado Krainovic, primeiro autor do estudo realizado como parte de pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP com bolsa da FAPESP.
O trabalho também foi apoiado por meio de dois Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCDs), o BIOTA Síntese e o Estratégia Mata Atlântica (CCD-EMA), além do projeto NewFor, que integra o Programa BIOTA FAPESP.
Os pesquisadores analisaram parte do banco de dados do NewFor – 46 parcelas de 900 metros quadrados (m2) de floresta presentes no Vale do Paraíba do Sul, região entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Nessas áreas delimitadas, foram identificadas todas as árvores com diâmetro acima de 5 centímetros na altura do peito. A área total amostrada foi de 41.400 m2.
Entre as 329 espécies encontradas no levantamento, 283 eram nativas. Destas, 167 (59%) têm algum potencial bioeconômico, de acordo com uma busca que os pesquisadores realizaram de estudos sobre as plantas encontradas, como trabalhos de química analítica, estudos in vitro e in vivo, pré-clínicos e clínicos e de práticas de silvicultura. Das espécies com potencial, 58% têm potencial médico, 12% cosmético e 5% alimentício.
Em apenas 13% dos estudos chegou-se ao estágio de produto final. A araucária (Araucaria angustifolia) e a juçara (Euterpe edulis), conhecidas por fornecerem alimentos, foram algumas das espécies que apareceram em mais estudos.
Os pesquisadores realizaram ainda uma estimativa do interesse mercadológico por meio da busca por patentes depositadas no mundo inteiro a partir das plantas encontradas. Nesse quesito, 78 espécies (46,7%) têm patentes registradas em 61 países, apenas 8% delas no Brasil.
“O número de patentes é uma evidência do potencial econômico dessas espécies. Ele nos dá uma dimensão do que já pode suscitar interesse e potencial comercial, enquanto as que não possuem patente demonstram quanto ainda pode ser encontrado por meio de pesquisa e desenvolvimento, como novas moléculas medicinais, cosméticas e mesmo alimentos”, explica Krainovic.
Opção econômica
Segundo os autores, a exploração de produtos não madeireiros constitui uma forma de amortizar os custos da restauração, mesmo quando outro objetivo econômico está definido, como a extração de madeira nativa. Uma vez que as espécies madeireiras mais valiosas têm longos ciclos de vida, a exploração de produtos não madeireiros pode ser uma fonte intermediária de receita enquanto a madeira não está pronta para ser extraída.
Além disso, a exploração de madeira, segundo o Código Florestal, é proibida em áreas de preservação permanente (APPs), como margens de rios, encostas íngremes e topos de montanhas.
Em projetos de recuperação dessas áreas, em grande déficit no Brasil, o manejo sustentável de baixo impacto para a extração de produtos não madeireiros pode ser uma opção econômica para financiar o próprio reflorestamento, adicionando multifuncionalidade a florestas nativas que já cumprem importante função ecossistêmica, como provisão de água, proteção do solo, sequestro de carbono e polinização.
“É preciso considerar que o objetivo final da restauração de ecossistemas é o retorno da provisão de serviços ecossistêmicos, importantes inclusive para a atividade agropecuária. Buscar formas sustentáveis de viabilizar esses projetos, porém, é uma maneira de tornar a restauração mais atrativa para os produtores rurais”, pontua o pesquisador.
Qualificação do trabalho
Os projetos de reflorestamento com espécies nativas são conhecidos ainda por gerar um grande número de empregos que não demandam qualificação. Um estudo de 2022 publicado na revista People and Nature da British Ecological Society, que tem entre os autores alguns dos membros do trabalho atual, estimou que o Brasil pode gerar 2,5 milhões de empregos se atender à meta, estabelecida no Acordo de Paris, de restaurar 12 milhões de hectares até 2030.
No entanto, é preciso considerar que a exploração de ativos florestais precisa levar em conta planos de manejo e regulação do mercado que não levem à superexploração das espécies e que acabem incentivando o desmatamento em vez da recuperação.
Um exemplo do passado é o do pau-rosa (Aniba rosaeodora), árvore amazônica valorizada por seu óleo essencial, utilizado na indústria de perfumaria fina, que teve seu pico de exploração nas décadas de 1940 e 1950. Hoje a espécie está ameaçada de extinção.
Os pesquisadores citam ainda medidas como compras públicas, certificações e outras políticas que poderiam contribuir para a abertura de mercados sustentáveis para os produtos não madeireiros.
O cruzamento das bases de dados utilizadas no estudo (abundância das espécies amostradas, potencial de uso relatado na literatura científica e patentes registradas) pode ser usado em outros biomas brasileiros a fim de orientar futuros projetos de restauração florestal.
“Espécies raras, pouco abundantes, mas com bastante potencial econômico, poderiam ser adicionadas a projetos de restauração ativa, com plantio de mudas. Por sua vez, espécies abundantes e de fácil manejo, que nascem naturalmente, podem ser mais bem estudadas para que se encontrem usos econômicos, empilhando valores tangíveis e intangíveis das florestas e das espécies nativas e criando a multifuncionalidade ecológica-econômica”, aponta Krainovic.