O Ministério da Saúde anunciou, no final de maio, mais uma frente de combate ao sarampo por meio da recomendação da “dose zero”, uma iniciativa que busca imunizar crianças de 6 meses a menores de 1 ano contra a doença. A medida é restrita a alguns estados e regiões considerados de maior vulnerabilidade e ocorre em um momento crítico para o país e o continente americano, que presenciam o reaparecimento de casos da doença após anos de controle.
O sarampo, altamente contagioso, é uma infecção viral que pode causar complicações graves como pneumonia, encefalite e até a morte, especialmente em crianças pequenas. Mesmo sendo uma doença prevenível por vacina, o Brasil e vários países das Américas voltaram a registrar casos, acendendo o sinal de alerta entre as autoridades de saúde.
“A indicação da dose zero visa proteger os bebês durante o segundo semestre de vida, período em que o sistema imunológico está imaturo e a forma clínica do sarampo tende a ser mais grave”, explica o infectologista pediátrico Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Na nota técnica em que anuncia medida, publicada em 26 de maio, o Ministério da Saúde informa que até o dia 19 de abril foram confirmados 2.325 casos de sarampo nas Américas, incluindo quatro óbitos. Esse número representa um aumento de 11 vezes em comparação com o mesmo período de 2024, quando foram registrados 205 casos.
Já o Brasil, até o dia 24 de maio, notificou 690 casos suspeitos da doença, confirmou cinco infecções e 94 permanecem em investigação. No ano passado, foram notificadas 2.260 suspeitas e houve cinco confirmações. Não há registro de mortes, segundo dados da pasta.
Dose não substitui as outras vacinas
A medida tem o objetivo de aplicar uma dose extra da vacina dupla viral (sarampo e caxumba) para bebês de 6 meses a 8 meses e 29 dias e da tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) para crianças de 9 a 11 meses e 29 dias. A intenção é protegê-los antes da vacinação de rotina, que ocorre somente aos 12 meses, com o primeiro reforço aos 15 meses.
Importante destacar que essa dose é uma imunização adicional e não substitui o esquema vacinal regular. “A dose zero é uma resposta emergencial em contextos de alto risco. Os pais devem vacinar seus filhos com essa dose e seguir o calendário de vacinação normalmente, aos 12 e aos 15 meses”, ressalta o infectologista pediátrico Alfredo Gilio, coordenador da Clínica de Imunizações do Hospital Israelita Albert Einstein. Em caso de dúvidas, a orientação para quem tem filhos nessa idade é procurar o pediatra.
Em nota enviada à Agência Einstein, o Ministério informa: “A dose zero é uma estratégia de prevenção padrão, que o Ministério da Saúde preconiza sempre que há risco elevado de reintrodução do vírus do sarampo no país, como ocorre no momento com o aumento de casos da doença nas Américas. Seu propósito é oferecer uma proteção precoce, sendo aplicada tanto para intensificar a vacinação em locais vulneráveis quanto para bloquear a transmissão a partir de contatos com casos suspeitos.”
Regiões contempladas
Atualmente, a dose zero está sendo recomendada para os estados de Roraima e Amapá, além das regiões metropolitanas de Belém, São Paulo e Campinas (SP). Também vale para municípios de fronteira e com alta circulação de pessoas na região Sul.
A seleção dessas áreas leva em conta tanto a proximidade com países afetados quanto o potencial de entrada e disseminação do vírus. Isso porque as viagens internacionais continuam sendo uma das principais vias para a reintrodução de doenças que estavam erradicadas ou sob controle em determinados países.
No Pará, por exemplo, a dose está recomendada para municípios com previsão de grande fluxo de pessoas devido à realização da COP30, evento internacional cujo objetivo é discutir questões relacionadas ao aquecimento global e às mudanças climáticas e que acontecerá em novembro em Belém.
Em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, a medida será direcionada para todos os municípios que fazem fronteira com a Argentina, além de cidades turísticas e litorâneas que costumam receber alto fluxo de turistas. São Paulo também é alvo por ser uma região com aeroportos e grande circulação de pessoas.
Não é a primeira vez que o Brasil usa esse tipo de estratégia. “A campanha de intensificação da vacinação contra o sarampo é parte de um esforço mais amplo para preservar os avanços da saúde pública brasileira. A estratégia do governo está correta em priorizar regiões que funcionam como portas de entrada do vírus. Não podemos nos dar ao luxo de ver o sarampo voltar a circular de forma endêmica”, alerta Gilio.
“Mais difícil do que eliminar o sarampo é manter o país livre do vírus”, afirma Kfouri. Isso porque, mesmo sem registrar casos autóctones, o Brasil está cercado por países com surtos significativos da doença. “México, Canadá e Estados Unidos já notificaram milhares de casos só neste ano, e a Argentina, nossa vizinha, também apresenta registros preocupantes”, afirma o especialista da Sbim.
Prevenção
A única forma de manter o país livre do sarampo é garantir altas coberturas vacinais em todas as faixas etárias. O Brasil ainda enfrenta o desafio da hesitação vacinal e da desinformação, fatores que têm prejudicado a adesão à imunização.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2023, a cobertura vacinal foi de 90,02% na primeira dose e 67,42% na segunda. Em 2024, os números subiram para 95,33% na primeira dose e 79,86% na segunda. A meta é atingir cobertura acima de 95% para garantir a chamada “imunidade de rebanho”.