A comemoração dos 202 anos de independência do Brasil de Portugal neste sábado (7) será ofuscada por críticas, ataques e pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O uso do 7 de Setembro para expressar descontentamento com a atuação do magistrado não é novo. Em 2021, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) chamou o ministro de canalha e afirmou que descumpriria suas determinações.
A suspensão do X pelo ministro e a abertura de um inquérito para investigar o vazamento de mensagens de assessores e antigos auxiliares de seu gabinete são as mais recentes ordens de Moraes que resultaram na convocação de apoiadores de Bolsonaro para o ato na Avenida Paulista.
Inúmeras decisões do ministro ao longo dos últimos cinco anos, no entanto, ajudam a explicar por que Alexandre de Moraes tornou-se alvo de críticas, não apenas de bolsonaristas, mas de integrantes dos mais variados espectros políticos, operadores do direito e até mesmo colegas e autoridades que costumavam sair em sua defesa.
Inquérito sem fim
Moraes entrou no STF em 2017 indicado pelo então presidente Michel Temer (MDB). Dois anos depois, em março de 2019, foi escolhido por Dias Toffoli para relatar um inquérito que investigaria notícias fraudulentas, denunciações caluniosas e ameaças contra o tribunal, seus ministros e familiares.
O inquérito das fake news, como é conhecido, foi aberto por Toffoli sem que houvesse um pedido formal da Procuradoria-Geral da República (PGR). O ministro escolheu Moraes a dedo para comandar a investigação.
A PGR comparou, à época, o STF a um tribunal de exceção e considerou o inquérito ilegal.
Em resposta aos ataques que vinham sofrendo, os ministros declararam a decisão de Toffoli constitucional e afirmaram tratar-se de uma reação institucional do tribunal.
Passados cinco anos, o processo continua em sigilo, não resultou em denúncias e abriu caminho para que Moraes assumisse a relatoria de novas investigações alegando relação com o inquérito das fake news.
Censura a reportagens sobre STF
Uma de suas primeiras decisões à frente do processo foi a censura de reportagens publicadas pelo site “O Antagonista“ e pela revista “Crusoé“ que ligavam Toffoli à Odebrecht.
Cinco dias depois, Moraes restabeleceu a circulação das matérias, refutou a tese de censura e manteve a tramitação do inquérito.
Nomeação de Ramagem barrada
Contudo, a ordem de Moraes que o fez entrar na mira de Bolsonaro e seus ministros foi a suspensão, em abril de 2020, da nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. A decisão foi tomada horas antes da cerimônia de posse.
O ministro derrubou a escolha de Bolsonaro alegando que a nomeação representava desvio de finalidade ao não observar os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.
Prisão de Daniel Silveira
A avaliação de Bolsonaro a respeito da atuação de Moraes piorou quando, em fevereiro de 2021, o ministro determinou a prisão de Daniel Silveira no âmbito do inquérito das fake news.
A decisão do ministro foi mantida por todos os colegas. A PGR denunciou Silveira e o tribunal condenou o parlamentar a oito anos e nove meses de prisão em abril de 2022.
Em resposta, Bolsonaro editou decreto perdoando Silveira pelos crimes que cometeu.
O STF anulou o decreto de Bolsonaro. A maioria dos ministros concluiu que houve desvio de finalidade porque o ex-deputado era aliado político de Bolsonaro.
Apenas os ministros Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro, votaram a favor da medida.
PGR ignorada
Em julho de 2021, Moraes driblou a PGR ao atender a um pedido para por fim ao inquérito dos atos antidemocráticos, mas abrir uma nova investigação para apurar a atuação de milícias digitais.
Roberto Jefferson
Outro aliado de Bolsonaro preso por Moraes em 2021 foi Roberto Jefferson — responsável por popularizar o apelido Xandão dado ao ministro. A PGR foi contra a prisão.
Bolsonaro reagiu com extrema irritação à prisão de Jefferson. O então presidente deixou claro para seus auxiliares que, para ele, o STF acabou passando de todos os limites.
A ordem de Moraes foi vista na ocasião como mais um episódio da sequência de “abusos e excessos” por parte da Corte.
Um ano depois, às vésperas do segundo turno das eleições, Jefferson recebeu agentes da Polícia Federal em sua casa com tiros e granadas. A PF tentava cumprir ordem de prisão determinada por Moraes.
Operação contra empresários
Moraes também despertou a ira de Bolsonaro ao autorizar uma operação que mirava empresários que teriam defendido golpe de Estado em caso de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022.
O então presidente falou em “canetada” de “vagabundo” ao atacar a decisão de Moraes.
“Não é porque tem um vagabundo ouvindo atrás da árvore a nossa conversa que vai querer roubar nossa liberdade. Agora, mais vagabundo do que esse que está ouvindo a conversa é quem dá a canetada após ouvir o que ouviu esse vagabundo”, afirmou Bolsonaro.
A investigação foi arquivada pelo ministro meses depois porque “carece de elementos indiciários mínimos, restando patente a ausência de justa causa para a sua continuidade”.
Superpoderes ao TSE
Uma proposta do ministro, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para ampliar os poderes do tribunal dias antes da eleição de 2022 incomodou o então procurador-geral da República.
A sugestão de Moraes foi aprovada por todos os ministros do TSE.
A resolução permite, entre outras ações, que o presidente do TSE possa, sem ser provocado pelo Ministério Público ou por advogados, excluir conteúdos falsos idênticos aos que já foram derrubados pelo plenário do tribunal.
Augusto Aras acionou o STF pedindo que o tribunal declarasse a norma inconstitucional. Aras classificou a resolução como censura prévia, disse que a mudança deveria ser proposta pelo Congresso e criticou a falta de participação do MP Eleitoral.
A maioria dos ministros do STF discordou de Aras, rechaçou o argumento de censura, defendeu a iniciativa e manteve a decisão do TSE.
Os dois ministros indicados por Bolsonaro concordaram com Aras e votaram para derrubar a resolução.
Eleições de 2022
No comando do TSE durante as eleições passadas, Alexandre de Moraes foi acusado por Bolsonaro e seus aliados de desequilibrar a disputa e favorecer a campanha de Lula.
O ministro, em contrapartida, foi elogiado por diversos atores políticos e autoridades por, na avaliação dessas pessoas, garantir a realização da eleição em meio à polarização e seus desdobramentos.
Foi o ministro quem decidiu restringir operações da Polícia Rodoviária Federal direcionadas ao transporte público de eleitores.
No ano seguinte, Moraes mandou prender o diretor-geral da PRF na gestão Bolsonaro Silvinei Vasques por interferência nas eleições.
Após o segundo turno e a confirmação da vitória de Lula, Moraes ordenou a imediata desobstrução de rodovias federais bloqueadas por caminhoneiros que não aceitavam a derrota de Bolsonaro.
A recusa em aceitar o resultado pelo próprio mandatário garantiu uma multa de R$ 22,9 milhões para a coligação de Bolsonaro. A punição foi imposta por Moraes e, depois, confirmada pelos demais ministros.
De acordo com o ministro, o partido não apresentou quaisquer indícios e circunstâncias que justificassem a instauração de uma verificação extraordinária em urnas eletrônicas usadas no segundo turno.
8 de janeiro
Poucas horas após os atos criminosos e golpistas do 8 de janeiro, o ministro ordenou o afastamento de Ibaneis Rocha do governo do Distrito Federal sem ouvir a PGR.
Também determinou o fim dos acampamentos localizados em frente a quartéis generais, a desocupação de vias e prédios públicos em todo o território nacional, e a apreensão de ônibus que trouxeram os criminosos para Brasília.
Moraes ordenou a prisão do ex-ministro de Bolsonaro e então secretário de Segurança Publica do Distrito Federal Anderson Torres, investigado por omissão.
O próprio ex-presidente passou a ser investigado como incitador dos atos golpistas por determinação de Moraes, que atendeu a um pedido da PGR.
Cerco ao Telegram
Em maio de 2023, Moraes ameaçou suspender o Telegram no Brasil caso a plataforma não removesse uma mensagem enviada um dia antes sobre o PL das Fake News e indicasse seu representante legal no país.
Articulação para escolher aliados
No comando do TSE, Moraes emplacou dois juristas de quem é próximo como ministros antes de liberar para julgamento a primeira ação que tornou Bolsonaro inelegível.
André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques Neto, de quem é amigo há décadas, foram nomeados por Lula após articulação de Moraes.
O ministro, inclusive, anunciou a decisão de Lula antes mesmo da Presidência da República.
Os ministros votaram para afastar Bolsonaro da disputa de cargos públicos por oito anos em duas oportunidades. Também acompanharam votos e entendimento de Moraes em diversos outros julgamentos.
Os mandatos dos ministros vão até maio de 2025. Eles podem, no entanto, ser reconduzidos pelo presidente Lula por mais dois anos, até 2027.
Forças Armadas x TSE
Partiu do ministro a proposta de exclusão das Forças Armadas da lista de instituições que acompanham as fases de auditoria das urnas e dos sistemas eleitorais.
A decisão pos fim a meses de desgaste entre as instituições e uma troca de ofícios que escalou a tensão entre a caserna e o tribunal.
Concentração de inquéritos
Ao longo dos anos, sob a justificativa de haver relação com inquéritos dos quais era relator, Moraes assumiu investigações contra Bolsonaro e seus aliados.
Estão sob a relatoria do ministro, entre outras, as investigações sobre as joias sauditas, a fraude no cartão de vacinação do ex-presidente, suposta trama golpista, existência de uma Abin paralela e sobre o vazamento de dados de um inquérito sigiloso da PF.
Foi na apuração sobre a existência de um esquema para fraudar cartões de vacinação da família e assessores do ex-presidente que Moraes determinou a prisão do tenente-coronel Mauro Cid em maio de 2023.
Meses depois, Cid fechou um acordo de delação com a PF.
Musk investigado e X na mira
Em abril deste ano, diante da ameaça de Elon Musk de descumprir novas ordens do STF, Moraes determinou a inclusão do empresário no inquérito das milícias digitais.
A decisão representou uma escalada na queda de braço entre Moraes e Musk e foi criticada por envolver um bilionário sul-africano que reside nos Estados Unidos em um inquérito que tramita no Brasil.
A insistência da plataforma em descumprir as ordens do ministro e a ausência de um representante legal no país fizeram com que Moraes determinasse a suspensão da rede social.
Inquérito aberto sem PGR
Também motivou críticas — não apenas de aliados do ex-presidente e políticos de direita, mas também de ministros — a abertura de uma investigação por Moraes para apurar o vazamento de mensagens de seu gabinete.
A decisão foi tomada de ofício, sem que houvesse provocação da PGR e o ministro é quem conduz o inquérito, que diz respeito a atividades que aconteceram em seu próprio gabinete.