O MPF (Ministério Público Federal) solicitou à Justiça Federal do Distrito Federal a suspensão imediata da segunda edição do CNU (Concurso Público Nacional Unificado), conhecimento popularmente como “Enem dos Concursos”. O pedido foi protocolado dois dias após a publicação do novo edital, que, segundo o órgão, ignora problemas já identificados na edição do ano passado sobre o cumprimento das cotas raciais previstas em lei.
Segundo o MPF, ao longo do último ano, foram recebidas diversas denúncias de candidatos que participaram da primeira edição do CNU. As reclamações, por sua vez, envolviam principalmente falhas no processo de heteroidentificação (que identifica a identidade étnico-racial), falta de transparência e dificuldades para apresentar recursos.
Os problemas, segundo o MPF, não foram sanados. Assim, o certame da edição deste ano foi lançado no dia 30 de junho pelo MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) “sem a correção das falhas estruturais apontadas em ação civil pública ajuizada e sem adoção de medidas capazes de garantir o cumprimento efetivo das cotas raciais no certame.”
O MPF ainda destaca que, no dia 25 de junho, apresentou ao TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) uma ação civil pública que aponta problemas estruturais do edital do processo seletivo.
Na ocasião, solicitou a comprovação da adoção de medidas que corrijam as falhas. “A suspensão imediata do concurso pode evitar prejuízos à efetividade da política de ações afirmativas e aos candidatos cotistas”, disse o órgão em nota.
Confira os apontamentos do MPF:
1. Comissões de heteroidentificação
Em concursos públicos, a comissão de heteroidentificação é responsável por verificar a autodeclaração de candidatos que concorrem a vagas reservadas a pessoas negras (pretos e pardos). Em janeiro deste ano, o MPF chegou a recomendar a suspensão da divulgação dos resultados finais do primeiro concurso unificado de 2024, até que as falhas no cumprimento de regras relativas às cotas raciais fossem sanadas.
Na época, o Ministério Público Federal relatou que recebeu reclamações de candidatos sobre a aplicação dos critérios de avaliação dessas comissões. Os relatos tratam de falhas no processo de heteroidentificação de candidatos cotistas, falta de transparência, dificuldades para apresentação de recursos e violação ao direito ao contraditório, entre outras situações.
Mesmo assim, o cronograma de divulgação dos resultados do CNU 2024 foi mantido.
2. Sorteio para cotas
O MPF aponta que o sorteio de vagas do CNU 2025 para aplicação proporcional das cotas raciais, nos casos de cargos com número de vagas inferior ao mínimo legal, adotou critérios sem transparência e que carecem de mecanismos de controle externo. De acordo com o MPF, isso compromete a ação afirmativa e a segurança jurídica dos candidatos de cotas étnico-raciais.
O MGI realizou o sorteio em 26 de junho, com transmissão ao vivo pelo canal da pasta no YouTube.
3. Reserva proporcional por cota
Para o MPF, o edital também não cita, de forma expressa, o cadastro de reserva proporcional por modalidade de cota, o que impediria o monitoramento da convocação de candidatos até o fim do prazo de validade do concurso e fragilizaria o cumprimento da reserva legal.
A lei federal nº 15.142/2025 – nova legislação que trata das cotas étnico-raciais – e o decreto nº 9.508/2018, que trata de cotas para pessoas com deficiência, estabelecem que a reserva de vagas somente se aplica automaticamente quando o edital oferece:
- Aplicação da reserva legal de 30% para pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas;
- Aplicação da reserva legal de 5% para PCDs.
4. Listas classificatórias
Por fim, o MPF declara falta de clareza sobre a publicidade das listas classificatórias específicas e sobre o ranqueamento contínuo.
Afinal, o CNU pode ser suspenso?
Desde a abertura das inscrições, no dia 2 de julho, a segunda edição do CNU 2025 já conta com mais de 100 mil inscritos.
Na sexta-feira (4), a AGU (Advocacia-Geral da União) disse à Agência Brasil que “a União não foi intimada de decisão judicial, nem instada a se manifestar nos autos do processo”. Já o Ministério da Gestão declarou que “ainda não foi notificado pela justiça federal sobre qualquer decisão nesse processo”.