A poda de árvores na cidade de São Paulo é uma responsabilidade compartilhada. Embora ela seja, em tese, atribuição da prefeitura, a Enel tem, segundo o contrato, responsabilidade de fazer o manejo da vegetação que interfira diretamente no sistema.
Mas há divergências entre a visão de responsabilidades e ações efetivas entre a prefeitura paulistana, a concessionária Enel e o Ministério de Minas e Energia, do governo federal.
A queda de árvores foi uma das principais causas do apagão do último dia 11. Segundo a prefeitura, os 15 minutos de rajadas de ventos que ultrapassaram 107 km/h causaram impacto em 386 árvores.
Muitas delas caíram sobre fios elétricos e impactaram o fornecimento de energia, que chegou a superar 2 milhões de imóveis na região metropolitana de São Paulo.
Para o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, as distribuidoras hoje não têm autorização legal de interferir na poda de árvores.
Em entrevista coletiva em São Paulo nessa segunda-feira (14), ele defendeu que “mais de 50% dos eventos” relacionados à falta de luz “foram causados por árvore caindo em cima do sistema de média e baixa tensão em São Paulo”.
“O que hoje, infelizmente, nem as distribuidorasm por questão de força legal — e inclusive por licença ambiental — têm a prerrogativa de cuidarem. Então, nós estamos levando esse ponto para uma discussão no governo federal pra poder ver se há uma solução legislativa, inclusive para municípios que não cumprem com a sua responsabilidade de cuidar da questão urbanística em sinergia com o setor de distribuição, tem que dar pelo menos a liberdade para o setor de distribuição de cuidar”, afirmou.
A CNN apurou que há um convênio firmado entre a Prefeitura de São Paulo e a Enel para o manejo arbóreo na cidade.
Ele prevê que a empresa realize a poda em árvores “que estão em contato com a rede elétrica energizada ou próximas à zona controlada e de risco de instalações elétricas, enquanto a prefeitura deveria cuidar de todo o resto da cidade que não se enquadra nessa definição.
Em 2015, ainda na gestão do então prefeito Fernando Haddad (PT), foi feito um manual de manejo arbóreo na cidade. O documento passou por várias atualizações, sendo a última no início desse ano.
O manual dá diretrizes sobre as espécies adequadas e inadequadas para o plantio nas ruas de São Paulo. Foi com base nele que a prefeitura treinou funcionários da Enel para realizarem a poda de árvores nos anos de 2019 e 2020.
A CNN questionou a Enel sobre quantas pessoas foram treinadas, quantas delas permanecem na empresa e qual a produtividade das equipes de poda.
O convênio do município com a concessionária foi firmado em junho de 2022 e, com prorrogação, tem vigência prevista até junho de 2026.
Prevê, ainda, que a Enel apresente, em outubro de cada ano, todos os anos, um planejamento anual com o cronograma de serviços de manejo para o ano seguinte. A prefeitura tem que analisar a autorização até 31 de dezembro.
A Procuradoria-Geral do Município sustenta que isso não aconteceu nem em 2022 e nem em 2023. Foi justamente por isso que moveu uma ação civil pública contra a Enel em novembro do ano passado, depois do apagão, transformando o debate em uma batalha jurídica.
Basicamente, a prefeitura culpa a Enel por ter descumprido o convênio.
A prefeitura ainda diz que a Enel não tem um plano de contingência adequado para lidar com interrupções de energia causadas por eventos climáticos, o que prejudicaria a população e os serviços públicos, como a falta de luz em unidades básicas de saúde e escolas por longos períodos.
A CNN também questionou a Enel sobre o descumprimento do convênio e aguarda retorno.
O processo judicial foi suspenso na tentativa da que as duas partes chegassem a um acordo, por orientação do juiz da Vara da Fazenda Pública.
A CNN apurou, no entanto, que prefeitura e Enel divergiram em quatro pontos, basicamente.
Além da exigência por parte da prefeitura do plano de contingência para apagões e do plano de poda de árvores, a gestão municipal ainda pediu acesso ao GPS dos carros de serviço da Enel, o que teria sido recusado pela concessionária.
Os dois lados também não chegaram a um acordo sobre o prazo que a Enel teria para fazer as podas necessárias e o tipo de poda. Há uma divergência na modalidade.
Enquanto a empresa defende a poda de manejo, que seria mais superficial e não dependeria do desligamento da rede, a prefeitura sustenta que é preciso fazer a poda de manutenção, que exige o desligamento da rede e, consequentemente, poderia gerar prejuízo à companhia.
Pra além da Enel, a prefeitura tem feito o trabalho de poda. Entre janeiro e outubro desse ano, foram 132.809 árvores podadas.
Entre janeiro e outubro do ano anterior, um número semelhante, de acordo com o Sistema de Gerenciamento de Zeladoria consultado pela CNN, com 139.450 árvores.
Segundo a administração municipal há ainda 6.087 árvores que depende de intervenções da Enel para que sejam podadas. Questionada pela CNN, a prefeitura não informou sobre a produtividade mensal em 2024, apenas o acumulado do ano.
Contratos de pode de árvore
Em setembro de 2021, a prefeitura firmou uma ata de registro de preços para podar as árvores da cidade. A ata previa a divisão do serviço em 5 lotes: zonas Sul, Leste, Oeste, Centro e Norte.
A ata ficou vigente, com renovação, por dois anos, e perdeu efeito em setembro de 2023. Havia contrato com quatro empresas: Demax (dois lotes), Plena, Corpotec e Molise Serviços.
Houve uma tentativa por parte da prefeitura de renovar a ata, mas, por conta de problemas apontados pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), ela foi revogada pela própria gestão municipal.
Depois disso, esse processo nunca mais foi retomado. Até que em fevereiro deste ano o conselheiro João Antonio emitiu um alerta ao município, aprovado por unanimidade no TCMSP, defendendo a necessidade da contratação do serviço — o que não foi feito.
Sem a ata unificada, subprefeituras — que são regiões administrativas da cidade — passaram a fazer contratações por conta própria. Isso aconteceu, por exemplo, nos bairros de Itaquera e Cidade Ademar, de acordo com a apuração da CNN.
O tribunal sustenta que as contratações pulverizadas são mais caras, mais difíceis de fiscalizar e criam uma espécie de “colcha de retalhos” nos contratos, com prazos, preços e regras diferentes, o que prejudica e encarece a execução do serviço.
A CNN apurou ainda que a gestão municipal não pretende promover a concorrência para contratar o serviço neste ano — e que deve esperar o segundo turno das eleições municipais, no fim do mês, para avançar com o processo.
Sistemas de monitoramento de espécies
Ao longo das últimas décadas, alguns projetos foram criados com o objetivo de fazer o monitoramento das espécies de árvores que existem em São Paulo.
Em 2010, a prefeitura chegou a contratar a Prodam — empresa municipal de tecnologia — para fazer uma espécie de “censo das árvores”. A ideia levou o nome de Sisgau, Sistema de Gerenciamento das Árvores Urbanas.
A intenção era que o sistema pudesse ajudar no controle e gerenciamento das mais de 650 mil árvores urbanas visando, entre outras coisas, a redução de acidentes e de remoções e podas.
O processo andou, parou, voltou a ser ativado em 2015… e parou de novo. Foram feitos pilotos pela Prodam, mas a tecnologia acabou ultrapassada com o tempo.
A prefeitura trabalha hoje com o SGZ, o Sistema de Gestão de Zeladoria para manutenções e reparos nas ruas. Ele inclui, por exemplo, corte de grama, limpeza de córregos, limpeza de galerias, tapa-buracos, medições de aterro e manutenção de piscinões.
Alguns pilotos foram feitos para que o sistema tivesse uma aba específica para cadastro e monitoramento de árvores.
Cada uma das 135 equipes de poda das 32 subprefeituras tem um engenheiro agrônomo. A ideia é que, no futuro, esses profissionais possam fotografar e mapear todas as 650 mil árvores urbanas da cidade no momento em que a poda seja feita, com um custo adicional.
Isso, no entanto, só aconteceria com a renovação da ata de registro de preços, que ainda não foi feita. Com o ritmo anual de poda, o cadastro de todas as árvores da cidade poderia levar até cinco anos.