“Faz muito tempo”, disse Liam Gallagher, cumprimentando os 90 mil fãs dentro do Wembley Stadium, em Londres, na noite de quarta-feira (30). “Obrigado por continuarem conosco, vamos trabalhar duro! Tentem fazer parte da banda!”.
O vocalista do Oasis tem sido um homem de poucas palavras ultimamente, a menos que sejam letras escritas pelo irmão mais velho, Noel. Eles não deram entrevistas juntos e deixaram as músicas falarem por si. É uma fórmula que parece estar funcionando para a banda, que começou a sua turnê de reunião em julho, e que terá 41 shows com ingressos esgotados pela frente.
O comentário de Liam na quarta-feira foi o mais perto que chegamos de um reconhecimento dos conflitos passados dos Gallaghers; a ruptura que levou a banda a se separar, aparentemente para sempre, em 2009. Chegando ao palco de braços dados e se despedindo duas horas depois com um breve abraço, os irmãos se apresentaram unidos para uma plateia que tratou a ocasião como nada menos que um retorno. De muitas maneiras, sim. Depois de 16 anos, o Oasis finalmente, e gloriosamente, está de volta.
Lembrar da infância é algo peculiar, principalmente quando a memória se apega à história: a minha primeira Copa do Mundo, primeiras Olimpíadas de Verão, e o meu primeiro álbum. Para mim, esse álbum foi “(What’s the Story?) Morning Glory”, o segundo trabalho do Oasis, de 1995. “Definitely Maybe”, sua estreia em 1994, era confusa; os singles desse disco, “Supersonic”, “Live Forever” e outros, foram anteriores à minha época. Mas “Morning Glory” chegou com um choque que iluminou a massa cinzenta. “Champagne Supernova”, “Some Might Say”, “Wonderwall”. Isso era cultura – e história – em sua forma mais vivida.
A fita cassete do meu pai mal tocava no som do carro, e a letra do single “Roll with It” era rotineiramente distorcida por esse garoto de Liverpool – alguém que tinha que admitir que aqueles mancunianos do outro lado do mundo eram realmente muito bons. Muitos outros concordaram. “(What’s the Story?) Morning Glory” vendeu quase 350 mil cópias na primeira semana, mais de 22 milhões em todo o mundo até o momento e, agora, é considerado um dos maiores álbuns de rock já produzidos.
Para inúmeras pessoas do Reino Unido e fora dele, o álbum marcou suas semanas, meses e até anos (querendo ou não). Três décadas depois, as memórias de algo único permanecem, com as letras na ponta da língua. Bastou os dois irmãos mal-humorados subirem ao palco para que as palavras saíssem novamente.
A faixa de abertura, “Hello”, com o refrão “It’s good to be back”, deu o tom. Grande, impetuosa, tocada em um ritmo levemente acelerado. Era o Oasis cumprimentando os fãs, velhos e novos, e demonstrando uma humildade incomum também. Eles seguiram com “Acquiesce”, que também falava de sua reconciliação: “Porque precisamos uns dos outros e acreditamos uns nos outros”, cantou Noel, relembrando a faixa rara em que os irmãos dividem os vocais principais.
Não houve trégua enquanto a banda voltava no tempo, arrasando com sucesso após sucesso. A comemoração em Poznań – adotada pelo clube de futebol Manchester City, dos Gallaghers, e pelos fãs da banda, por sua vez – foi marcante durante “Cigarettes and Alcohol”. Mas tão estridente quanto foi a recepção das baladas “Half the World Away” e “Little by Little” – verdadeiramente antológicas. “É aquela música de novo”, provocou Liam, apresentando “Wonderwall”. Ele não precisava ter cantado uma nota sequer, tamanha era a cacofonia no estádio.
Uma multidão eufórica olhou para trás não com raiva, mas com nostalgia. Essas são as delíciasde assistir ao Oasis em 2025. Uma banda, mas também um portal para o nosso passado recente e até mesmo não tão recente.
Olhando para trás
Quando o Oasis terminou a turnê “(What’s the Story?) Morning Glory”, em setembro de 1996, o governo conservador do Reino Unido estava esgotado, abrindo caminho para Tony Blair e uma vitória esmagadora do Novo Trabalhismo, em 1997. A nação estava repleta de otimismo, liderada por um governo que promovia a “Cool Britannia” e convidava Noel e outros artistas para drinques em Downing Street (“Eu estava convencido de que receberia o título de cavaleiro”, disse ele a um repórter). A Grã-Bretanha estava crescendo no cenário global mais uma vez, liderada por um novo panteão de deuses da cultura pop. E o mundo até iria consertar as mudanças climáticas!
O tempo e a geopolítica corroeram lentamente o otimismo britânico. Inevitavelmente, musicalmente e politicamente, era uma história de retornos decrescentes à medida que os anos 2000 passavam. Nos bastidores, qualquer disputa interna dos Gallaghers empalidecia em comparação com o que estava acontecendo em Downing Street.
No verão de 2009, o Oasis se separou abruptamente e, na primavera seguinte, o Partido Trabalhista perdeu o poder para uma coalizão entre Conservadores e Liberais Democratas. O Partido Trabalhista levaria 14 anos para retornar ao governo (por meio de outra vitória esmagadora) em julho de 2024. Então, um mês depois, o Oasis anunciou sua reunificação. Foi o tipo de coincidência que levou um comentarista a perguntar se o retorno da banda era uma operação psicológica do governo.
Brincadeiras à parte, há um simbolismo ligado aos shows no Reino Unido que se provou difícil de ignorar. Milhões de fãs estavam competindo por ingressos para shows ou algo mais?
“A década de 1990 agora é reverenciada como provavelmente a última grande década em que fomos livres, porque a internet não havia escravizado a todos e levado a neurose ao ponto da paralisia”, disse Noel à GQ em 2021.
Não aconteceu muita coisa desde então para desmenti-lo.
Gostem ou não, o Oasis se tornou uma espécie de metonímia para um tempo passado; uma impressão apenas polida por sua ausência. Desde a última vez que estiveram por aqui, o Reino Unido passou por um colapso financeiro global, anos de austeridade, Brexit e uma pandemia – muitas coisas que gostaríamos de esquecer por uma noite. Satisfazendo nossa nostalgia, neste verão o Oasis tem tocado um setlist inalterado, selecionado quase exclusivamente de seus álbuns dos anos 90, nos transportando de volta à era dos pagers e VHS. Onde “sentar aqui perto do telefone” era uma letra que evocava uma imagem específica, e nós ignorávamos alegremente que a água batendo nas margens em “Champagne Supernova” estava cheia de microplásticos.
Em Wembley, o tempo se fechava sobre si mesmo. Um mar de chapéus bucket, aquele acessório marcante dos anos 90, estendia-se para fora do palco. Adidas Gazelles encharcados de cerveja disputavam espaço na área de pé. No bar, dois homens vestindo camisetas dos lendários shows do Oasis em Knebworth – uma vintage e a outra branca e impecável demais para ser do verão de 1996. Tudo isso, e ouvir Liam cantarolando “Live Forever”, foi quase o suficiente para fazer os anos que se passaram se dissipassem… Quase.
Isso é mais do que se pode pedir para qualquer banda. Mas, pelo menos por um breve momento, o espírito dos anos 90 estava de volta. E a cena, bem, era quase bíblica!