“Isso é realidade; não é ficção científica”, alerta o professor Riyaz Patel, ao anunciar os resultados preliminares de um ensaio clínico que testou o medicamento VERVE-102, que promete reduzir os níveis de colesterol LDL de uma pessoa – o chamado colesterol “ruim” – com somente uma injeção.
Cardiologista da University College London, Patel foi um dos participantes do ensaio clínico Heart-2 Fase 1b, cujos resultados foram divulgados preliminarmente por meio de comunicado de imprensa, via GlobeNewswire, mas ainda não foram revistos por pares.
Embora não tenha sido avaliado por outros especialistas da área antes da publicação formal, o estudo representa um marco potencial no tratamento de doenças cardiovasculares, oferecendo a possibilidade de substituir décadas de medicação diária por uma única dose.
O chamado colesterol LDL (lipoproteína de baixa densidade) é uma substância que transporta colesterol pelo sangue, levando-o do fígado para os tecidos do corpo. Mas, quando há excesso dessas transportadoras de gordura na circulação, elas podem se acumular nas paredes das artérias e formar placas.
Diferentemente das estatinas, o tratamento mais tradicional e moderno contra o LDL elevado, que bloqueiam temporariamente a enzima que faz a síntese do colesterol no fígado (HMG-CoA redutase), o VERVE-102 “desliga” para sempre o gene que degrada os receptores de LDL nas células hepáticas.
Como funciona o novo medicamento VERVE-102?
Ao contrário do que muita gente pensa, a maior parte do colesterol do nosso corpo não vem da alimentação. Cerca de 75% são sintetizados pelo próprio organismo, principalmente no fígado, através de uma via metabólica onde o gene PCSK9 é um regulador-chave.
Sem ele, um receptor de LDL pode fazer várias “viagens” entre a superfície e o interior da célula, removendo múltiplas partículas de LDL do sangue. Mas com o PCSK9, cada receptor faz só uma viagem e é destruído pelas organelas, o que reduz a capacidade da célula de remover o LDL do sangue.
Por isso, o VERVE-102 “mira” o PCSK9 para inativá-lo permanentemente, impedindo a produção da proteína de mesmo nome. Com isso, o fígado mantém mais receptores ativos, removendo continuamente mais LDL da circulação sanguínea. De “descartáveis”, os receptores voltam a ser “reutilizáveis”.
A composição do VERVE-102 inclui dois componentes principais trabalhando em conjunto: um editor de adenina altamente específico e um RNA guia direcionado exclusivamente ao gene PCSK9. A abordagem única elimina a necessidade de medicamentos diários ou injeções frequentes.
Além de eficiente, o tratamento se mostrou seguro e bem tolerado, sem eventos adversos graves relacionados ao medicamento. Essa terapia promete transformar o tratamento cardiovascular, oferecendo controle duradouro do colesterol com uma dose só, administrada via intravenosa durante duas a quatro horas.
Resultados do ensaio clínico e preparo de novos testes do VERVE-102
O ensaio clínico com o medicamento experimental VERVE-102 incluiu 14 pessoas com hipercolesterolemia familiar, uma condição hereditária que eleva drasticamente o colesterol LDL e o risco de doenças cardiovasculares. Todos toleraram bem a injeção única, sem efeitos adversos graves relatados.
Cada grupo recebeu um número diferente de doses, o que se refletiu nas respostas. No grupo de menor dose, o colesterol LDL caiu em média 21%. Já o grupo intermediário teve queda de 41%. Os quatro pacientes que receberam a dose mais alta apresentaram uma redução média de 53% no colesterol.
Entre os voluntários que receberam a dose mais elevada, um indivíduo teve queda ainda mais expressiva: seus níveis de colesterol LDL foram reduzidos em 69%. Esse resultado isolado chamou a atenção por sugerir um potencial significativo de eficácia com uma única aplicação do VERVE-102.
Considerado uma lenda da cardiologia moderna, Eugene Braunwald, professor da Escola Médica de Harvard, comentou os dados iniciais no comunicado de imprensa da Verve, embora não tenha participado do estudo. Para ele, os resultados são “promissores” e sugerem o início de uma nova era no tratamento de doenças cardiovasculares hereditárias.
A Verve Therapeutics, empresa que desenvolve o medicamento, iniciou uma nova fase de testes. Estão sendo recrutados voluntários no Reino Unido, Canadá, Israel, Austrália e Nova Zelândia, que receberão doses mais altas. A expectativa é que os resultados sejam divulgados no segundo semestre de 2025.