Parte das defesas de réus na trama golpista veem erro do advogado Eduardo Kuntz, que relatou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ser interlocutor do tenente-coronel Mauro Cid, e a preservação do acordo de colaboração do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL).
Sob reservada, advogados que atuam no processo da tentativa de golpe Estado avaliam que Mauro Cid têm até mesmo chance de manter os benefícios do seu acordo de delação premiada. Citam ainda que o vazamento da colaboração já foi justificado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, que manteve o acordo e os benefícios do militar.
Representante do coronel da reserva Marcelo Câmara no processo, Kuntz informou ao STF na segunda (16) ter sido o interlocutor do ex-ajudante de ordens em uma suposta troca de mensagens em um perfil em uma rede social.
A revelação foi feita dias após a revista “Veja” publicar capturas de tela das mensagens trocadas pelo perfil @gabrielar702 no Instagram com um interlocutor não identificado. O caso está sob investigação.
Embora a estratégia da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro e do general Walter Braga Netto seja a de questionar a delação de Mauro Cid, advogados de outros réus da trama apontam inconsistências na versão de Eduardo Kuntz.
Defensores avaliam que Kuntz pode ser acusado de tentar manipular o delator, além de ter criado provas para futuramente anular a colaboração. Um dos exemplos é quando uma foto de Cid é enviada em visualização única na conversa na rede social e é registrada com outro celular para assegurar que falava com o ex-ajudante de ordens.
O advogado do coronel Marcelo Câmara anexou à ação penal de seu cliente um documento autointitulado “defesa prévia” e uma ata notarial com 51 páginas. A ata mostra prints das conversas mantidas entre Cid e Kuntz entre 29 de janeiro e 13 de março de 2024.
À CNN, Kuntz alega que ele que foi procurado por Cid e diz ter “dado corda” ao tenente-coronel porque não sabia “se o objetivo era porque ele queria trocar de advogado” ou se buscava informação dos seus clientes investigados no inquérito de golpe de Estado.
O documento, porém, mostra que é Kuntz quem sugere a Cid trocar o advogado Cezar Bitencourt: “Por que não troca esse cara?”, questiona o advogado. “Me conta? Quer ajuda? Podemos colocar uma pessoa decente para você”, completa.
Cid, por sua vez, responde: “Ele é muito respeitado… E senta com o AM [ministro Alexandre de Moraes]. Por isso eu não voltei pra cadeia”.
Em outro ponto, Kuntz diz a Cid que talvez ele pudesse mudar o rumo do processo: “E se você contar que está tudo deturpado??? Quebrar essa narrativa??? Mostrar a pressão??? Demonstar a inexistência da provas e evidente perseguição. Talvez mudasse tudo”, diz. Depois acrescenta: “Só você talvez possa salvar o Brasil. Nem o Jair [Bolsonaro] terá essa força. Mas tem que ser algo de credibilidade e sem o Biden [referindo-se ao advogado Cezar Bittencourt].”
À CNN, Kuntz disse que só revelou ser o interlocutor de Cid agora por uma “estratégia de defesa”.
“A estratégia de defesa é minha. O documento é legítimo, respaldado na legislação, e faz parte de uma estratégia de defesa. Então, até o momento oportuno de juntar isso, quem define sou eu, quem governa de liberalidade. Uma má interpretação disso é questionar a minha estratégia de defesa”, acrescentou.
Como mostrou a CNN, o clima no STF é de cautela em relação às mensagens atribuídas ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Isso porque o conteúdo das conversas já era de conhecimento do Supremo – tanto que Moraes abordou o assunto com Cid durante o seu interrogatório, questionando se o militar havia sido ou não pressionado pela Polícia Federal (PF) a fechar a delação.