Carlo Ancelotti mostrou algumas de suas facetas na primeira semana de trabalho na Seleção. Teve o orientador, que dá conselhos técnicos e táticos; o brincalhão, que solta piadinhas em meio aos treinos; o gerenciador, que gosta de acompanhar tudo de perto; e principalmente o gestor de pessoas, que busca entender cada jogador e se conectar a eles.
A imprensa pôde acompanhar poucos minutos dos treinos, apenas o período de aquecimento, 15 minutos por dia. Neste tempo, observou Ancelotti de boné para trás na roda de altinha, arrancando risadas de jogadores e tendo conversas ao pé do ouvido. Já os relatos do que se passou com portões fechados dão conta de um técnico exigente, estrategista e de comunicação fácil.
E sempre sem perder a leveza. Em uma das atividades, bastante intensa, Matheus Cunha levou uma entrada mais dura de Andrey Santos e ficou caído no gramado. Ancelotti se aproximou do lance, esperou ele se levantar e gesticulou com as duas mãos, indicando a “cavada”. Todos riram.
Durante os exercícios as brincadeiras cessam. Mas basta uma pausa para o italiano se aproximar dos jogadores e soltar algum gracejo.
No Equador, quebrou o gelo com Estêvão tendo Danilo como tradutor. Em São Paulo, contou com a ajuda de Juan para orientar Wesley num movimento defensivo. Teve também um papo com Gerson, que pode trocar o Flamengo pelo Zenit, da Rússia.
Tanto em campo quanto na concentração, Ancelotti teve conversas reservadas com diversos jogadores. Poliglota (fala italiano, espanhol, inglês e francês), ele já iniciou aulas de português e consegue entender bem o idioma. Nas entrevistas e no dia a dia, usa o espanhol.
A adaptação cultural até o momento é tranquila. O principal estranhamento do italiano foi em relação ao acesso ao CT, tanto da imprensa, quanto de convidados. No sábado, patrocinadores da CBF e familiares de atletas puderam assistir ao treino.
Conceitos
Como boa parte dos técnicos da atualidade, Ancelotti gosta de comandar treinos em campo reduzido a fim de estimular o raciocínio rápido e dar mais agilidade para a execução dos movimentos. Porém, ele também não abre mão dos trabalhos táticos em campo aberto, nos quais ensaia a saída de bola, as ultrapassagens e outros aspectos táticos do jogo.
Nestas atividades em campo aberto os titulares e reservas se enfrentam em duelos de 11 x 11. Ancelotti aproveita para observar mudanças de peças e até de sistemas táticos. Neste pouco tempo, já testou o 4-3-3, 4-2-4 e também uma linha de três zagueiros.
Também houve trabalhos específicos de conclusão de jogadas, com passes, cruzamentos e finalizações.
O italiano é quem comanda os treinos. Os auxiliares ajudam a planejar os exercícios, montam os equipamentos em campo e orientam os jogadores, mas após o aquecimento Ancelotti toma as rédeas. Com um apito nas mãos, ele dá comandos, passa instruções, faz elogios e correções.
O auxiliar Paul Clement também tem autonomia para orientar os atletas. O inglês trabalha com Ancelotti desde 2009, no Chelsea, mas neste período tentou carreira como treinador em quatro clubes: Derby County, Swansea, Reading e Cercle Brugge. É o braço direito do técnico.
O ensaio das bolas paradas fica a cargo do auxiliar Francesco Mauri, que ajusta minuciosamente a posição de cada atleta nos escanteios e nas faltas laterais tanto ofensivas quanto defensivas.
Para não desgastar os jogadores, os treinos mais intensos foram realizados nas antevésperas dos jogos: terça e domingo.
A questão física, aliás, é bastante considerada na preparação dos trabalhos. Ancelotti sabe que a maioria dos convocados joga no exterior e está em final de temporada. Por isso, os trabalhos de campo não estão sendo muito longos, tendo no máximo duas horas.
“Treinos” na concentração
A atuação de Ancelotti não acaba ao final dos treinos, pelo contrário. Para ele, o trabalho extracampo é tão importante quanto.
Isso envolve reuniões com a comissão técnica, conversas na concentração com jogadores e exibição de vídeos sobre a própria seleção e os adversários.
O estilo de Ancelotti pode ser uma novidade para o público brasileiro, mas já era bem famoso entre os convocados. Alguns tinham trabalhado com ele, como Casemiro, Vini Jr e Richarlison. Muitos outros já tinham ouvido histórias de bastidores sobre o trabalho dele.
Os relatos após a primeira semana de trabalho são quase unânimes:
– O que me chama a atenção é a simplicidade dele ao falar, seja no dia a dia, seja na preparação do jogo, nos treinamentos… Me chama a atenção a simplicidade como ele expõe as ideias, objetivo, claro no estilo do time que ele quer. Isso facilita a compreensão – contou o goleiro Alisson.
– Ele está sendo uma pessoa humilde, apesar do currículo que tem no futebol. Esse lado humano, essa facilidade de lidar com os jogadores é um dos pontos fortes – endossou Casemiro.
Para quem ainda não conhecia, Ancelotti contou um pouco de sua trajetória de décadas no futebol na noite do último sábado. Foi durante o trote da Seleção, após o jantar, quando o italiano subiu numa cadeira e não só falou como também cantou ao grupo. A música escolhida não foi por acaso: “Os melhores anos de nossas vidas”.
O último treino de Ancelotti nesta data Fifa será nesta segunda-feira, na Neo Química Arena, local da partida contra o Paraguai. O duelo acontece às 21h45 (de Brasília) desta terça-feira. Depois, Ancelotti terá de esperar mais três meses para comandar o próximo treino.