O segmento de insumos agropecuários vive uma crise no país que vai muito além do emblemático caso da distribuidora Agrogalaxy. Cerca de 45 companhias que revendem ou fabricam adubos, defensivos agrícolas e sementes terminaram 2024 em recuperação judicial, conforme levantamentos da consultoria RGF&Associados e do Valor Data. O número, que inclui a própria Agrogalaxy e sete controladas, é 80% superior ao do último trimestre de 2023. E esse volume pode crescer, segundo analistas.
As dívidas envolvidas nos processos de 40 entre as 45 empresas somam cerca de R$ 9 bilhões, conforme dados compilados pelo Valor Data. A Agrogalaxy e suas sete controladas são responsáveis por quase metade desse valor, com R$ 4,6 bilhões envolvidos na recuperação judicial. Não foi possível obter os dados do endividamento de cinco entre as 45 empresas.
Custos maiores, dívidas altas após investimentos, queda no preço dos grãos, problemas climáticos, elevação na taxa de juros. Essa combinação fez com que muitos produtores perdessem o controle das contas e elevou a inadimplência no campo.
“O aumento dos processos de recuperação judicial na parte de insumos agrícolas vem, principalmente, do crescimento da inadimplência de produtores rurais, em especial os considerados pequenos e médios”, afirma Rafael Pinto, sócio da RGF.
Segundo ele, o número de recuperações judiciais no segmento tende a continuar crescendo nos próximos trimestres, acompanhando a trajetória observada em outros ramos da economia.
Em boa parte, dizem analistas, a crise dos insumos reflete a combinação de queda dos preços dos grãos, problemas climáticos e alta de custos, que afetaram a demanda e a capacidade de pagamento dos produtores rurais. Mas o crescimento acelerado nos tempos de bonança também contribuiu para a crise, como foi o caso da Agrogalaxy, que pediu recuperação judicial em setembro do ano passado.
Na avaliação de Bruno Fonseca, analista sênior do Rabobank, algumas revendas de insumos fizeram aquisições agressivas enquanto o custo do dinheiro estava caro. “Isso contribuiu para o caso da grande empresa que vimos”, diz o especialista, sem citar nominalmente a Agrogalaxy.
Vale ressaltar que a crise reflete as condições de uma parcela do agronegócio brasileiro, uma vez que existiram grupos empresariais e produtores que conseguiram contornar as adversidades ocorridas nos últimos anos.
A origem da crise
À Globo Rural, Eron Martins, CEO da Agrogalaxy, elenca as razões que considera terem levado a empresa à recuperação judicial. Segundo ele, até 2022, os produtores vinham em uma crescente de rentabilidade, com preços da soja atingindo R$ 200 por saca e margens acima de 60%.
Em 10 de março de 2022, o indicador da soja Cepea/Esalq, com base em Paranaguá (PR), bateu a máxima de R$ 207,14 por saca de 60 quilos da oleaginosa.
“De 2023 pra cá, uma série de fatores fez com que esse produtor passasse a ter margens em níveis abaixo de 10%”, diz.
No meio desse caminho, em fevereiro de 2022, começou a guerra entre a Rússia e Ucrânia, dois dos principais fornecedores de fertilizantes do mundo. O preço do insumo disparou, com reflexo negativo no Brasil que importa cerca de 90% de sua necessidade de adubos.
Ao mesmo tempo, os preços dos agrotóxicos também estavam em níveis elevados, em meio a dificuldades na cadeia de suprimento de produtos importados da China e à alta dos custos com fretes marítimos.
Isso significa que as compras de insumos feitas em 2022 para o plantio da safra 2022/23 corroeu boa parte das margens de lucro dos produtores rurais.
Preços dos grãos x clima
Na outra ponta, as cotações da soja entraram em uma trajetória de queda até o ano passado devido ao avanço da oferta global. Em janeiro de 2024, a saca de soja estava cotada a R$ 115 em Paranaguá (PR), 44% abaixo do patamar de 2022, e um valor que não era visto desde julho de 2020, de acordo com o indicador Cepea/Esalq.
Quando a renda caiu, muitos produtores estavam endividados porque tinham investido em máquinas e expansão, acrescenta.
Soma-se a isso a ocorrência de quebras de safra por seca ou excesso de chuvas, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, e o avanço gradativo nas taxas de juros como estratégia macroeconômica para frear a inflação do país.
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“Quando você baixa a rentabilidade do produtor, tem dinheiro caro, e, principalmente, anos de desafios climáticos, isso gera um desafio para o produtor pagar as contas, e daí vem a inadimplência”, argumenta o CEO da Agrogalaxy.
Outro fator que prejudicou o segmento de insumos, afirma ele, foi a formação de estoques, que derrubou preços.
Recuperações judiciais
Em setembro de 2024 a Agrogalaxy pediu recuperação judicial, chamando a atenção do mercado para o cenário. Naquele trimestre, porém, 32 revendas e fabricantes de insumos já estavam em recuperação judicial, segundo os dados do Monitor RGF.
Desde que a recuperação judicial da Agrogalaxy foi deferida em outubro do ano passado, a direção da empresa acelerou estratégias de ajuste que vinham sendo adotadas. O plano incluiu o fechamento de lojas (passando de 149 para 73), simplificação da gestão, redução da exposição em fertilizantes (que exigiam mais capital de giro) e parcerias com os fornecedores que darão suporte à empresa durante esse período adverso.
“Vamos passar por essa dificuldade, o agro é bastante resiliente e tem possibilidade de grande melhoria no futuro”, estima o CEO em tom otimista.
Outro grupo em recuperação judicial desde o fim 2024, o B&F Agro, focado na produção de grãos e revenda de insumos em Mato Grosso do Sul, busca reestruturar dívidas de R$ 360,8 milhões.
De acordo com o advogado Jean Cioffi, do escritório JRCLaw, que representa o B&F Agro, a recuperação judicial dá fôlego para a empresa se reestruturar, e uma das medidas tomadas até agora foi justamente diminuir o peso da área de insumos no negócio da companhia.
“Houve novo posicionamento do Grupo B&F para focar bastante na produção agrícola própria de soja e milho como fonte de receita estável e de longo prazo. Na revenda de insumos, reduziram-se drasticamente os custos e despesas fixas, com o objetivo, ainda, de reduzir o portfólio de produtos atendidos para focar em linhas mais rentáveis”, afirma.
A empresa cultiva grãos em 3,47 mil hectares em Mato Grosso do Sul e as perspectivas para a safra 2024/25 são boas, segundo ele.