Principal política agrícola do país, o Plano Safra destinou cerca de 15% do crédito subsidiado entre 2020 e 2022 — o equivalente a R$ 14 bilhões ao ano — a propriedades que realizaram desmatamento legal e ilegal, segundo levantamento realizado por pesquisadores da Climate Policy Initiative (CPI), parceira da PUC-Rio.
O estudo cruzou informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) com dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) e informações das operações de crédito rural do Banco Central do Brasil (BCB), sem distinguir entre desmatamento legal e ilegal.
“Quando olhamos para o crédito rural subsidiado, estamos pensando em quais práticas do setor queremos incentivar. E nosso ponto é: se queremos incentivar algo com recurso público, temos que pensar em incentivar propriedades que não desmatam”, observa João Mourão, analista do CPI/PUC-Rio e um dos autores do estudo.
O Cerrado foi o bioma que mais apresentou desmatamento associado ao crédito rural subsidiado. Dos R$ 14 bilhões ao ano concedidos com subvenção a produtores que desmataram, 50% foram para propriedades no Cerrado. Na sequência vem a Amazônia, destino de 17% dos recursos subsidiados que financiaram desmatadores.
Ao todo, 64,7 mil propriedades rurais com desmatamento acessaram crédito rural subsidiado no período analisado. O número representa 31% de todas as propriedades que registraram desmatamento no período, mas apenas 7% do total de fazendas que acessaram o Plano Safra.
Segundo os pesquisadores, essa diferença mostra que é uma pequena fração das propriedades que recebe crédito rural subsidiado a responsável por grande parte do desmatamento observado. Quando analisado o grupo das 5% maiores propriedades tomadoras de crédito que fizeram algum desmatamento, elas responderam por 74% da perda de vegetação no período.
“São poucas propriedades, mas grandes, com área média dez vezes superior à das que não desmatam”, afirma Mariana Stussi, uma das autoras do estudo, também analista do CPI/PUC-Rio. Ela defende que os subsídios que o governo federal oferece via crédito rural não se destinem a produtores que tenham registro de desmatamento, seja legal ou ilegal.
“Quando estamos falando de crédito rural subsidiado, o incentivo econômico não deve ser no sentido da abertura de novas áreas, mas sim da preservação ambiental”, afirma Stussi.
Atualmente, as normas de concessão de crédito rural do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central (BC) impedem que os recursos sejam destinados apenas a propriedades embargadas por irregularidades ambientais, o que inclui somente casos de desmatamento ilegal. A norma entrou em vigor em janeiro deste ano e, portanto, não era aplicada no período analisado pelo estudo.
Na opinião dos pesquisadores, a medida foi positiva, mas ainda insuficiente, já que a maior parte do desmatamento identificado não é embargado. Dentro da amostra do estudo, de 64,7 mil propriedades, apenas 939 imóveis com desmatamento apresentavam algum embargo, ou 1,45% do total. “A questão é justamente que essa é uma medida limitada, que precisa ser estendida e aprimorada para alinharmos corretamente os incentivos com os objetivos de sustentabilidade”, afirma a pesquisadora.
Procurada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse, em nota, que suas associadas não compactuam com más práticas e que seguem integralmente os requisitos do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central para concessão de crédito rural subsidiado, além de normas próprias de autorregulação.
Nesse sentido, a instituição critica a falta de validação dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR) no país. “Como uma ferramenta essencial para o acompanhamento ambiental e prevenção e controle do desmatamento, a implementação do CAR, com qualidade, é estratégica para o país e de grande interesse para o setor bancário”, disse a Febraban.
Procurado, o ministério da Fazenda disse que não comentaria. Os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente não responderam até a publicação desta matéria.
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