As comunidades indígenas das Terras Indígenas (TIs) Jaguapiru e Bororó, na Reserva Indígena de Dourados (RID), em Mato Grosso do Sul, aprovaram a realização do “Diagnóstico Participativo Etno Sócio-Ambiental-Produtivo”, projeto da Embrapa em convênio com o governo do estado de Mato Grosso do Sul, por meio da Secretaria de Estado de Cidadania (SEC). A apresentação oficial ocorreu no dia 13 de junho, na Escola Estadual Indígena Guateka – Marçal de Souza, localizada na TI Jaguapiru.
A iniciativa tem como base o direito das comunidades indígenas ao Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI), garantido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um tratado internacional que o Brasil é signatário e que trata dos direitos dos povos indígenas e tribais. O objetivo do projeto é mapear desafios, potencialidades das comunidades, iniciativas existentes e demandas relacionadas ao tema da segurança alimentar e nutricional, partindo da escuta ativa do diálogo de conhecimentos tradicionais e científico.
Durante o evento, a diretora-executiva de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologia (DINT) da Embrapa, Ana Euler, destacou a importância do protagonismo indígena. “Viemos apresentar a proposta, esclarecer dúvidas e ouvir o que vocês desejam da Embrapa e dos parceiros. Só avançaremos com o consentimento da comunidade, formalizado em documento que integrará o Acordo de Cooperação Técnica que temos com a Funai. E é importante que todos tenham conhecimento e acesso as informações e aos resultados”, afirmou.
Projeto construído a muitas mãos
O chefe-geral da Embrapa Agropecuária Oeste, Harley Nonato de Oliveira, relembrou a origem da proposta, articulada com o governador Eduardo Riedel, e formalizada em convênio em dezembro de 2024 com a Secretária Viviane Luiza da Silva. “Já são três meses de trabalho, desde fevereiro deste ano, e diversas instituições somando esforços em um mesmo propósito, com a participação decisiva das comunidades”, afirmou.
O pesquisador Milton Padovan, líder do projeto, explicou que o diagnóstico busca identificar causas de problemas e apontar soluções possíveis, tanto aquelas que podem ser executadas internamente pelas comunidades indígenas quanto as que dependem de órgãos públicos municipais, estaduais e federais. Ele também ressaltou a importância de reconhecer experiências bem sucedidas já existentes.
A Reserva Indígena de Dourados reúne cerca de 20 mil pessoas, das etnias Terena, Guarani e Kaiowá, distribuídas em 3,4 mil hectares. “É um território heterogêneo e a construção coletiva é essencial. Já realizamos 23 reuniões, uma oficina e, agora, o lançamento oficial para os representantes e membros das comunidades”, disse Padovan.
Comunidade aprova e reforça parceria
Após a apresentação, as lideranças locais manifestaram apoio. Ramão Fernandes, da TI Jaguapiru, declarou: “Temos que dizer ‘sim’ aos parceiros. A Embrapa está junto com a gente, é uma grande parceria.” Reinaldo Arevalo, da TI Bororó, completou: “Nossa cultura é diferente, mas o trabalho é o mesmo. Agradecemos pelo incentivo à agricultura familiar.” Em seguida, assinaram o documento as duas lideranças indígenas, a diretora Ana Euler, o chefe-geral Harley Nonato de Oliveira e Fernando Souza, subsecretário de Políticas Públicas dos Povos Originários da Secretaria de Estado de Cidadania, do governo do estado de Mato Grosso do Sul.
Parcerias do Diagnóstico
As instituições externas que já iniciaram reuniões para elaboração do Diagnóstico, juntamente com a Embrapa e a SEC, são: Agraer, Coordenadoria Especial de Assuntos Indígenas da prefeitura municipal de Dourados, Secretaria Municipal de Agricultura Familiar e Economia Solidária de Dourados (Semaf), Ministério Público Federal, Assessoria e Consultoria para Agricultura Familiar (Secaf), Instituto de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Imad), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (Uems), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Funai, Organização Caianás, Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
Já os parceiros das comunidades indígenas da Reserva Indígena de Dourados (RID) que já começaram as conversas com a Embrapa e SEC são: Caciques das Terras Indígenas Bororó e Jaguapiru, Comissão de Mulheres das Terras Indígenas Jaguapiru e Bororó, Núcleo de Atividades Múltiplas (NAM) das Tis Jaguapiru e Bororó, Associação de Agricultoras Indígenas da TI Jaguapiru e Associação Nossa Nação, Escola Estadual Indígena Guateka – Marçal de Souza, Escola Municipal Indígena Tengatuí Marangatu, Organização Terena da Grande Dourados (OTGD), Juventude Terena da Terra Indígena Jaguapiru, Fórum Estadual de Educação Escolar Indígena (FOREEIMS), Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Rurais (Conafer), Associação Cunhaguê, Associação Indígena Nossa Tribo e Associação Sênokunhãkuera, Conselhos de Caciques das Tis e Assessoria Jurídica das Lideranças das Tis.
Mesa de autoridades
Fizeram parte da mesa Ana Euler, diretora-executiva de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologia (DINT) da Embrapa; Harley Nonato de Oliveira, chefe-geral da Embrapa Agropecuária Oeste; o pesquisador e líder do projeto Milton Padovan, da Embrapa Agropecuária Oeste; Fernando Souza, subsecretário de Políticas Públicas dos Povos Originários da Secretaria de Estado de Cidadania, do governo do estado de Mato Grosso do Sul; Dionedison Demécio Cândido, coordenador de Povos Originários e Comunidades Tradicionais, que é ligado à Secretaria Executiva de Agricultura Familiar, de Povos Originários e Comunidades Tradicionais (Seaf) do governo do estado de Mato Grosso do Sul; Jefferson Fernandes do Nascimento, coordenador-geral de promoção ao etnosdesenvolvimento da Funai, representando a presidência da Funai e o Ministério dos Povos Indígenas; Antônio Henrique Rolman, gerente do Banco do Brasil em Mato Grosso do Sul; Marina Nunes, superintendente do Ministério Desenvolvimento Agrário e Agricultura familiar em Mato Grosso do Sul; e José Orcírio Miranda dos Santos (Zeca do PT), deputado estadual de Mato Grosso do Sul.
Pronaf indígena feminino
Para encerrar o evento, foi assinado o primeiro contrato do Pronaf indígena feminino de Mato Grosso do Sul, destinado à agricultora Roseli Silva. A assinatura contou com a presença do gerente do Banco do Brasil, Antônio Henrique Rolman, e da superintendente do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Marina Nunes.
Visita a famílias indígenas mostra práticas sustentáveis e desafios
No dia seguinte ao evento, 14 de junho, sábado, a diretora da DINT da Embrapa, Ana Euler, a assessora Roselis Simonetti e a pesquisadora Terezinha Dias, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, visitaram famílias indígenas da RID, em Dourados (MS), para conhecer de perto a realidade local. Acompanhadas por uma equipe da Embrapa Agropecuária Oeste, composta pelo chefe-geral Harley Nonato de Oliveira; o chefe adjunto de Transferência de Tecnologia, Auro Akio Otsubo; os pesquisadores Milton Padovan (também líder do projeto), Laurindo Rodrigues e Luís Inoue; e o analista Leandro Lima de Oliveira, a comitiva foi conduzida por Sandra Medina (etnia Guarani-Kaiowá), coordenadora especial de Assuntos Indígenas da Prefeitura de Dourados, pela professora Cristiane Terena (etnia Terena) e pelo coordenador do Seaf/MS, Dionedison Cândido (etnia Terena).
A primeira parada foi na casa do casal Edinho e Ana, da TI Bororó, que cultiva e comercializa quiabo. Apesar da produção de até 20 caixas por safra, ainda enfrentam barreiras para ingressar no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Em seguida, conheceram o trabalho artesanal de Neocineide Morales, da etnia Terena, que utiliza sementes e penas na confecção de peças. Ela destacou a dificuldade em obter matéria-prima e o apoio de redes solidárias para vender seus produtos fora da RID.
Outra família visitada foi a da artesã Rosimeire Souza Silva e do agricultor Jaime da Silva, da etnia Guarani-Kaiowá, que fazem parte do projeto de implantação do “Sisteminha Comunidades”, tecnologia que integra piscicultura e hortas com reaproveitamento de resíduos dos peixes. A proposta atende a diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, como erradicação da pobreza, segurança alimentar e redução das desigualdades.
O pesquisador Laurindo Rodrigues, responsável pela implantação, afirmou que mais sete unidades devem ser instaladas até o fim de 2025 na RID. Para o agricultor Jaime, “o Sisteminha é muito bom para a comunidade para quem tem terreno pequeno. Os vizinhos percebem e querem implantar. A dificuldade hoje é falta de maquinário para poder preparar a terra e plantar”, disse.
O pesquisador explicou à diretora Ana Euler que os terrenos das comunidades indígenas estão sendo limpos com o uso de patrulha mecânica, adquirida por meio de emenda parlamentar. Em resposta, Euler destacou ao agricultor local a existência, dentro do Programa Mais Alimentos, de uma linha de crédito do Pronaf, lançada em 2024, que facilita o acesso a máquinas e equipamentos voltados à agricultura familiar, com o objetivo de ampliar a produção de alimentos e reduzir o esforço físico no campo. Segundo ela, a Embrapa está realizando um mapeamento nacional dos maquinários e implementos agrícolas disponíveis para financiamento pelos bancos.
“Com esse levantamento, associações e produtores familiares terão acesso a um catálogo de equipamentos aptos a serem financiados e, com apoio dos técnicos extensionistas, poderão solicitar o crédito de forma mais segura e eficaz”, explicou.
A última visita foi ao casal Getúlio Oliveira, rezador, e Alda da Silva, da TI Jaguapiru. Eles relataram dificuldades com segurança e saúde e pediram atenção do poder público. “Precisamos de trabalho mais próximo da comunidade indígena”, disse Getúlio, que perdeu a neta assassinada há três anos.
Oficina fortalece base técnica do diagnóstico e do PGTA
Como parte da programação comemorativa ao Jubileu da Embrapa Agropecuária Oeste – 50 anos semeando ciência e colhendo inovação para Mato Grosso do Sul, foi realizada uma oficina para o fortalecimento do Diagnóstico Participativo e dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs). Nos dias 10 e 11 de junho, o evento reuniu representantes indígenas e técnicos de diversas instituições para alinhar ações.
Ministraram palestras especialistas como Lina Apurinã (coordenadora de Etnodesenvolvimento do Ministério dos Povos Indígenas), Leosmar Terena (assessor na Organização Caianás), Terezinha Dias (pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia) e José Vitor Dalla Nora (técnico indigenista da Funai/Dourados) e Milton Padovan (pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste e líder do projeto de Diagnóstico Participativo). A oficina também abordou metodologias para elaboração do primeiro PGTA indígena de Mato Grosso do Sul.
Segundo o analista Leandro Lima de Oliveira, entre os dias 30 de junho e 4 de julho será realizada nova oficina, que será conduzida pelo Ministério dos Povos Indígenas, Organização Caianás e Funai, para definir o planejamento das ações do PGTA para Mato Grosso do Sul. Serão três comissões: Kaiowá, Terena e Guarani, cada uma delas composta por 12 indígenas, sendo seis da TI Jaguapiru e seis da TI Bororó.
“A Embrapa entra como instituição de apoio e assessoramento, porque quem decide o planejamento são os indígenas. Após esta oficina, os atores das comissões do PGTA e do projeto de Diagnóstico vão se reunir para dar andamento às ações de forma conjunta”, explicou o analista da Embrapa.