Vivemos uma verdadeira pandemia, mas não de vírus — e sim de sofrimento psíquico. Mais de 300 milhões de pessoas no mundo foram diagnosticadas com depressão.
No Brasil, somos líderes em índices de ansiedade, segundo a OMS. E só hoje, 38 brasileiros devem cometer suicídio, conforme dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.
Além disso, uma em cada seis pessoas faz uso de medicamentos psiquiátricos. O cenário é grave, com perspectivas sombrias se medidas urgentes não forem tomadas.
Limites dos tratamentos tradicionais
Embora os medicamentos convencionais sejam importantes em muitos casos, há controvérsias sobre sua eficácia e os efeitos colaterais. Antidepressivos, por exemplo, podem reduzir a libido e afetar a vitalidade.
Em vez de restaurar a força de viver, podem enfraquecê-la ainda mais. Isso levanta uma importante reflexão: será que não existem outras abordagens possíveis para enfrentar a crise de saúde mental global?
O renascimento dos enteógenos
Nesse contexto, surge uma alternativa promissora: os enteógenos. O termo, cunhado em 1978 por cientistas como Gordon Wasson, substitui o termo “alucinógenos”, por considerarem inadequado o conceito de alucinação.
Enteógeno significa “manifestação do divino interior”, evocando uma experiência de reconexão com o sagrado. Substâncias como LSD, ayahuasca, psilocibina (presente nos cogumelos), peiote, iboga e cetamina têm sido estudadas em centros de pesquisa do mundo inteiro por seus potenciais efeitos terapêuticos.
Essas substâncias, amplamente utilizadas por povos originários há milênios em rituais cerimoniais, foram proibidas nos anos 1970, quando a política de guerra às drogas liderada por Richard Nixon as colocou na mesma categoria de drogas pesadas, como heroína e cocaína. Isso freou por décadas a ciência, que começava a demonstrar seus benefícios para o tratamento de transtornos mentais.
Como os enteógenos agem no cérebro
A ciência moderna agora retoma esses estudos. Os enteógenos atuam em dois mecanismos principais: neurogênese (criação de novos neurônios) e neuroplasticidade (reconexão de neurônios antigos). Isso permite ao cérebro se regenerar, criar novas conexões e reinterpretar traumas sob nova perspectiva emocional. Durante a experiência psicodélica, diferentes áreas do cérebro se comunicam intensamente, proporcionando insights profundos, epifanias e até mudanças de crenças limitantes.
Um dos efeitos mais documentados é a suspensão temporária da “rede neural padrão”, estrutura relacionada à construção da identidade, ao planejamento e ao superego. Com essa suspensão, há um “afrouxamento” do ego, permitindo experiências de dissolução do eu semelhantes às vividas por meditadores experientes. Isso pode promover uma reconciliação com memórias dolorosas, redirecionar pensamentos suicidas e abrir espaço para uma nova compreensão de si.
Resultados promissores e experiências transformadoras
Pesquisas conduzidas pelo Imperial College London com psilocibina em pessoas saudáveis mostram que um terço dos participantes relatou ter vivido a experiência mais impactante de suas vidas. Os outros dois terços apontaram como uma das cinco experiências mais marcantes. Isso ilustra o potencial transformador dessas substâncias, especialmente quando administradas com orientação terapêutica e em contextos seguros.
A grande questão é: o que cura de fato? Seria apenas a modulação química da serotonina, ou o reencontro com um sentido mais profundo da existência? Pela primeira vez, ciência e espiritualidade começam a dialogar de forma legítima. E os enteógenos podem ser a ponte entre esses dois universos.