“Eu já chorei tudo que tinha para chorar. Agora, eu e meu marido só pensamos em conseguir comprador para as vacas e mudar de atividade.” O lamento é da produtora familiar Neila Avila, do município de Rolante, na Região Metropolitana de Porto Alegre, produtora de leite há 12 anos que viu o volume captado em seu sítio cair de 700 litros por dia para 360 litros esta semana.
As pastagens da pequena propriedade que fica no pé de um morro foram destruídas pela maior enchente da história do município, assim como quase todo o estoque de silagem, a família ficou isolada alguns dias e teve que jogar fora pelo menos 1.000 litros de leite porque as estradas foram bloqueadas, faltou luz e, mesmo como gerador, o produto estragou.
Ela conta que perdeu mais da metade da lavoura de milho e sorgo e que as 29 vacas em lactação estão estressadas por terem saído da rotina. Os animais emagreceram porque está sendo necessário economizar o alimento que sobrou, muitos adoeceram, os casos de mastite aumentaram e a produção despencou.
A esperança dela é que o laticínio que compra seu leito prometeu doar um pouco de ração para suas vacas e os vereadores da cidade estão tentando obter silagem para os pequenos produtores com municípios que não foram atingidos. “Mas isso leva tempo até chegar e não tem como falar para os animais que a comida acabou. E a gente nem pode ‘esperar a poeira baixar’ porque aqui agora só tem pedra, entulho, árvores caídas e barro.”
O relato de Neila ecoa a situação de muitos produtores de leite cujas propriedades foram atingidas pelas chuvas intensas da semana passada, que deixaram muita destruição, prejuízo, choro e desânimo na maioria dos municípios do Rio Grande do Sul. Todos dizem que nunca haviam passado por nada parecido.
Marcos Tang, presidente da Associação dos Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando), diz que de 40% a 50% dos produtores de leite do Estado foram atingidos.
“Teve uma produtora que perdeu 95 das 100 vacas que tinha. Quem não perdeu animais e construções, ficou sem comida para as vacas, principalmente silagem e feno, sem contar que faltou energia e a maioria das estradas ficaram bloqueadas, impedindo o escoamento da produção. Um cálculo preliminar dos grandes laticínios estima que a indústria deixou de receber de 3 a 4 milhões de litros de leite por dia.”
Segundo o presidente da Gadolando, a enchente pode ser “a pá de cal” que faltava para tirar muitos produtores da atividade. “O gaúcho está parando a galope de produzir leite. São três anos seguidos de dificuldade com o clima. O produtor já estava sem lucro, desanimado, depressivo. Com essa tragédia, vamos ter que reconstruir a parte financeira e também a parte psicológica dos produtores.”
Tang afirma que o número de propriedades que fazem a venda regular com nota fiscal para os grandes laticínios no Estado é de 32 mil atualmente. Em 2014, eram 80 mil.
Na fazenda de Tang, em Farroupilha, os 1.500 litros diários caíram para 600 litros e as 3 ordenhas foram trocadas por apenas uma. Também houve falta de comida para as vacas porque a fábrica de ração alegou não ter grãos para a produção. “Pediram para que a gente deixasse a ração exclusivamente para aves e suínos, que só têm esse tipo de alimentação.”
Nos últimos dias, com a situação já mitigada e parte das estradas abertas, mesmo precariamente, a Gadolando está empenhada em reunir doações de feno e outros volumosos que vêm de várias partes do Estado e de Santa Catarina e fazer o produto chegar aos produtores que mais precisam.
Além da produção do leite cru, a enchente impactou também a circulação de insumos da cadeia leiteira pelo Estado, a distribuição dos lácteos e muitos laticínios tiveram que interromper as atividades.
Na última terça-feira (7 de maio), o Sindicato da Indústria de Laticínios do RS (Sindilat) informou que, com a redução do nível das águas no Vale do Taquari e em diversas regiões do Rio Grande do Sul, a captação de leite vem sendo retomada em algumas áreas do Estado.
Falta de ração
A falta de comida para as vacas também é uma preocupação na propriedade de Igor Maus da Silva, em Alecrim, no noroeste gaúcho. Segundo ele, o milho para silagem “deitou” com a chuva e o vento, causando uma quebra de pelo menos 50%. “O produtor de leite já está esgoelado com os três anos de seca e a queda do preço do litro agravada pela importação. Não dá para comprar ração. A gente tem que se virar como pode para continuar produzindo.”
Igor conta que o volume de 550 litros diários de suas 25 vacas já caiu para 350 litros, mas pelo menos a prefeitura conseguiu reabrir alguns acessos para escoamento da produção.
“Foi muito assustador ver a água vindo de todo lado, lavando tudo e provocando muita erosão. Eu e minha mulher já estávamos desestimulados, pensando em desistir da atividade porque, mesmo com o aumento dos últimos meses do preço do leite, não está pagando as contas. É como se a gente trabalhasse numa firma e o patrão deixasse de pagar o salário no fim do mês.”
Falta de energia
O produtor Fernando Marin, de Cotiporã, também teve que lidar com deslizamentos de terra e ainda enfrenta dificuldade para escoar o leite de suas 70 vacas em lactação. Sem energia elétrica, ele depende de gerador para resfriar o leite e tem que transportar o produto por 4 km de trator para chegar ao ponto improvisado de coleta na sua região.
Na semana passada, ele jogou fora 3 mil litros de sua produção diária de 5.000 porque, com os deslizamentos, não havia como passar na estrada nem de trator. “Choveu 800 mm em quatro dias, quando o normal para o mês seria 100 mm. Em meus 20 anos de produtor de leite, nunca tinha enfrentado uma tormenta assim. Penso que vou tocar mais um ano e parar com o leite.”
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