“Eu esperava colher, mas não tem como entrar na lavoura”, lamenta Hamilton Jardim, produtor de trigo no Rio Grande do Sul e coordenador da Comissão do Trigo e Culturas de Inverno da Farsul. As colheitas no Estado, o maior produtor de trigo do país, começaram com qualidade acima do esperado e, no entanto, esse cenário positivo durou cerca de uma semana, atingindo 27% da área colhida, segundo a Emater. As chuvas, que já se prolongam por quase duas semanas, têm dificultado o avanço da colheita em diversas regiões e podem comprometer a qualidade dos grãos.
Luiz Carlos Pacheco, analista sênior da TF Consultoria Agroeconômica, diz que a produção de trigo no Rio Grande do Sul apresentava boas condições até duas semanas atrás. Mas, com as chuvas, a produção perdeu qualidade. “Está dando muito DON [micotoxina Desoxinivalenol, produzida pelo fungo Fusarium], que condena o trigo para consumo humano. O trigo é vendido a R$ 1,2 mil por tonelada. Com o DON, é vendido a R$ 900, porque só serve para ração animal”, afirma Pacheco. Ele acrescenta que as chuvas devem prosseguir no Rio Grande do Sul até o dia 6 de novembro, elevando ainda a presença do fungo.
Segundo Jardim, o clima tem se mostrado atípico no Estado. Embora se esperasse um ano de La Niña, onde há um menor volume de chuvas no Sul do país, “tem chovido praticamente todos os dias e inclusive temperatura baixa que quando chove impede o trabalho de entrada nas lavouras porque o solo fica muito úmido”. Se as condições climáticas não piorarem, a Farsul estima uma produção entre 3,6 e 3,7 milhões de toneladas de trigo no Estado. Mesmo assim, ele avalia que o excesso de umidade ainda não preocupa, já que muitas lavouras estão em fase de maturação.
Jardim explica que, neste ano, o Rio Grande do Sul teve duas janelas de plantio interrompidas por chuvas intensas, o que resultou em áreas plantadas mais cedo, que estão sendo colhidas agora, e outras mais tardias, cuja colheita deve se estender até o final de dezembro. Ele próprio, que produz em Palmeira das Missões, afirma que ainda nem iniciou a colheita, esperando uma oportunidade de tempo firme.
Excesso de umidade impacta qualidade do grão
O produtor Mauro Costa Beber, que cultiva 700 hectares de trigo na região, afirma que as chuvas ainda não afetaram sua lavoura, já que o grão ainda não está no ponto de colheita. A expectativa, porém, era iniciar os trabalhos nesta quinta-feira (6/11) e avançar o mais rápido possível, diante da previsão de novos volumes de chuva para sexta-feira, que podem variar entre 50 e 100 milímetros.
No início da safra, o cenário era extremamente promissor: os trigos apresentavam excelente qualidade com coloração, força, estabilidade e PH em condições surpreendentes. Segundo José Antoniazzi, presidente do Sindicato das Indústrias de Trigo do Estado do Rio Grande do Sul e diretor do Moinho Santa Maria, o excesso de umidade, no entanto, traz dificuldades para a manutenção da qualidade do grão.
O trigo já maduro, quando é exposto à chuva, começa a perder o chamado falling number, índice que mede a integridade do amido. “Ele cai bastante dia a dia, então certamente a gente vai ter um problema de qualidade, mas que talvez seja localizado mais no noroeste do Estado [que já está colhendo]”, sem impacto generalizado na safra.
Caso a qualidade do produto local caia, a tendência é de aumento das importações, especialmente de trigo argentino. Segundo o presidente do sindicato, a previsão para este ano é de que entre 15% e 20% do trigo utilizado no Estado venha de fora.
Para Jardim, no entanto, os exportadores argentinos estão “derretendo os preços com uma concorrência forte” em função da ampla oferta no país, que espera colher entre 20 milhões e 22 milhões de toneladas, o que pressiona os preços também em seu vizinho gaúcho. Os preços atuais giram em torno de R$ 58 a R$ 60 por saca, o que coloca grande parte dos produtores em situação de prejuízo ou, no máximo, de equilíbrio.
“A maioria não chega nem ao zero a zero”, lamenta Jardim. Essa baixa rentabilidade é especialmente sentida neste período, quando muitos esperavam contar com o trigo para gerar renda na véspera do plantio da soja. Assim, é possível que ocorra uma nova redução da área plantada de trigo para o próximo ano.





