O Cerrado brasileiro desponta como grande fronteira agrícola para a expansão da triticultura no país, impulsionado por condições climáticas favoráveis e avanços tecnológicos da pesquisa agropecuária. De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ainda que o Sul concentre 90% das lavouras do cereal, entre 2018 e 2024, o trigo tropical, cultivado em áreas como o Cerrado, apresentou aumento de 119% na área plantada e de 95% na produção.
No entanto, a brusone, doença fúngica que ataca a espiga do trigo, ainda é o principal obstáculo para o crescimento sustentável dessa cultura na região, na avaliação de Jorge Lemainski, pesquisador e chefe da Embrapa Trigo.
“Há uma gigantesca fronteira no Cerrado para este trigo avançar. O potencial é imenso. Vencidos os desafios da brusone e da giberela, o trigo brasileiro fará parte da segurança alimentar dos povos”, destacou durante o Congresso Internacional da Indústria do Trigo, realizado no Rio de Janeiro.
A Embrapa tem investido em manejo integrado, uso de fungicidas e melhoramento genético para aumentar a resistência das cultivares à brusone, mais incidente no Cerrado, e à giberela, predominante no Sul.
Desde 2012, a instituição realiza a piramidação de genes de resistência e avalia novos genótipos promissores. Em parceria com o Ministério da Agricultura, 103 linhagens foram testadas recentemente, das quais 24 apresentaram alto potencial de tolerância à brusone.
Mudanças climáticas e de área
Nos últimos dez anos, o Brasil teve déficit de US$ 11,3 bilhões na balança comercial do trigo, com importações de US$ 14,7 bilhões e exportações de apenas US$ 3,4 bilhões, segundo o pesquisador. Para reduzir essa dependência externa, a Embrapa aposta na adaptação do cereal a diferentes regiões e condições climáticas.
De acordo com dados apresentados pelo pesquisador, as mudanças no regime de chuvas têm aumentado os riscos para o cultivo no Sul, ao mesmo tempo em que abrem oportunidades para o plantio no Cerrado. Em Passo Fundo (RS), por exemplo, a média anual de chuvas passou de 1.803 mm entre 1961 e 1990 para 1.930 mm de 1991 a 2020, elevando a incidência de doenças como giberela, associada à umidade excessiva na floração e colheita.
Já no Cerrado, a tendência é oposta: a redução das precipitações e o aumento dos períodos secos favorecem o cultivo de trigo de sequeiro e de alta qualidade, colhido em condições de baixa umidade. Em Formosa (GO), entre março e maio, a média de chuvas de 326 mm é suficiente para o manejo adequado da cultura, segundo Lemainski.
Cereal como alternativa na segunda safra
Com o avanço do milho de segunda safra, que hoje ocupa cerca de 18 milhões de hectares, o trigo pode se tornar uma opção mais segura para o Brasil Central, por demandar menos água e apresentar menor risco climático, disse o pesquisador. Ele destacou que o cereal pode ser incorporado aos sistemas produtivos junto com soja, algodão e milho, ampliando a rotação de culturas e o aproveitamento das áreas de outono e inverno.
Atualmente, o país cultiva cerca de 2,5 milhões de hectares de trigo, o que representa apenas 37% da área potencial disponível para as safras de inverno no Sul. Segundo Lemainski, no Brasil ainda há 10 milhões de hectares que poderiam ser melhor aproveitados para a triticultura.
Manejo para a brusone
A brusone é uma das principais doenças que afetam o trigo no Brasil, podendo comprometer folhas e espigas da planta. Os sintomas nas folhas aparecem como manchas elípticas ou arredondadas, com margens marrom-escuras e centro acinzentado. Nas espigas, a infecção provoca o branqueamento e a morte dos tecidos acima do ponto afetado, além do escurecimento do ráquis.
O desenvolvimento da brusone está diretamente relacionado às condições climáticas. Segundo a Embrapa, períodos de molhamento foliar inferiores a dez horas não favorecem o avanço da doença, enquanto a temperatura de cerca de 25°C é considerada ideal para sua propagação.
Para reduzir os riscos de ocorrência, o manejo preventivo é fundamental. Em regiões com histórico da doença, recomenda-se realizar a semeadura em datas mais tardias e optar por cultivares tolerantes. Atualmente, não há variedades de trigo com níveis de resistência considerados totalmente adequados.
O controle químico é indicado quando há condições favoráveis de temperatura e umidade, especialmente até o período de emborrachamento da planta. A orientação é fazer uma aplicação preventiva de fungicida na parte aérea. Uma segunda aplicação pode ser realizada no florescimento e, caso o clima continue propício à doença (com calor e alta umidade), uma terceira aplicação é recomendada cerca de 12 dias após a segunda.
Estudos da Embrapa apontam que fungicidas à base da combinação de triazol e estrobilurina têm se mostrado mais eficientes no controle da brusone do que o uso isolado de triazóis.







