A chegada de um bebê costuma vir acompanhada de expectativas afetivas e idealizações sobre a maternidade. No entanto, para muitas mulheres, a realidade acontece em forma de noites mal dormidas. A privação de sono nos primeiros meses de vida do bebê, frequentemente encarada como “parte do pacote”, tem efeitos profundos e duradouros na saúde das mães.
Estudos indicam que um grande número de mães vivem esgotamento mental e se sentem sobrecarregadas, com impactos que vão desde ansiedade e depressão até problemas físicos. A falta de apoio adequado e a sobrecarga de tarefas contribuem para o agravamento do problema.
Para a consultora materno-infantil Eliana Dias, especialista em sono do bebê, esse é um assunto de extrema importância, que afeta a vida e gera um desequilíbrio. “Sem dormir, nenhuma atividade será fácil, principalmente a maternidade, e o primeiro passo para mudar essa situação é identificar quando o dia já não rende, o bebê só chora e não dorme de noite… Essa história de que isso é normal e vai passar é irreal. Não precisa ser assim e ninguém consegue viver em uma rotina assim, porque é algo que interfere nos nossos hábitos, no descanso, na concentração, na vida profissional e pessoal… Isso vai corroendo a mãe e vai formando uma criança que, sem limites no sono, não tem limites em nada”, afirma.
Os impactos do sono fragmentado vão além da fadiga, já que a mãe que não consegue dormir por longos períodos está em constante estado de alerta. A dificuldade para descansar interfere na capacidade de concentração, nas relações afetivas e até na autoestima da mulher, que muitas vezes se vê sobrecarregada pela responsabilidade de atender às demandas do bebê sem conseguir encontrar espaço para si. Com o acúmulo de tarefas, o tempo para o autocuidado desaparece e o cansaço pode se prolongar a ponto de parecer permanente, exigindo atenção e acolhimento adequados.
Segundo Fernanda Paiva, especialista em comportamento humano e fundadora do Instituto Diálogos, o cansaço materno é uma questão estrutural que afeta diretamente a saúde mental das mulheres e sua capacidade de estar presente em todas as esferas da vida. “Quando falamos sobre privação crônica de sono, estamos diante de um fator de risco para depressão pós-parto e transtorno de ansiedade. O corpo feminino entra em um estado de sobrevivência que compromete funções cognitivas essenciais, como tomada de decisão e regulação emocional, criando um ciclo de exaustão que muitas mulheres normalizam por não terem redes de apoio adequadas e políticas de trabalho que abracem suas particularidades”, pontua.
Segundo Eliana, esse esgotamento também afeta como a mãe se relaciona com outras pessoas: “É preciso entender que quando um bebê não dorme bem, a mãe também não dorme e isso compromete toda a dinâmica familiar. Cuidar do sono infantil é também uma forma de proteger a saúde mental da mulher”, ressalta.
Fernanda reforça que é necessário desmistificar a ideia de que ser uma ‘boa mãe’ significa sacrificar completamente seu bem-estar. No Instituto Diálogos, ela observa que mulheres que conseguem estabelecer limites saudáveis e compartilhar responsabilidades desenvolvem uma maternidade mais consciente e prazerosa. “Quando ajudamos as mães a priorizar seu descanso sem culpa, estamos promovendo não apenas sua saúde individual, mas também relações familiares mais equilibradas e um ambiente mais afetuoso e respeitoso para os filhos. A maternidade não precisa ser sinônimo de esgotamento contínuo”, defende a especialista.
Nos últimos anos, a discussão sobre o cansaço materno ganhou mais visibilidade nas redes sociais, mas ainda encontra resistência no senso comum, que romantiza a entrega total da mãe ao filho. Para Eliana, é urgente desnaturalizar esse sofrimento. “A exaustão não é um preço inevitável da maternidade. Há formas de ajudar o bebê a dormir melhor, com técnicas respeitosas e adequadas à idade. O cansaço de uma mãe é real e não precisa ser assim”, analisa.