Apesar de a economia brasileira ter crescido quase 3% em 2023, e de o governo esperar uma alta também consistente de 2,5% neste ano, o cenário macro do país ainda é marcado por outros elementos que geram incertezas.
De um lado, um sistema tributário visto como confuso – com impostos cobrados em cascata no ponto de origem da compra – e tensões entre o Executivo e o órgão responsável pela regulação do sistema financeiro – o Banco Central (BC) – trazem insegurança sobre o ambiente do país.
Por outro, a situação das contas públicas e da elevada dívida dos estados coloca luz sobre problemas fiscais que impactam negativamente a saúde econômica do Brasil.
Hoje, alguns dos principais projetos de caráter econômico em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado visam mudar esse cenário.
Economistas ouvidos pela CNN apontam que alguns deles devem melhorar a imagem do país, otimizando o ambiente de negócios e até atraindo investimentos.
“Um das maiores dificuldades que o investidor estrangeiro de longo prazo tem no Brasil é o ambiente de negócios”, pontua Paulo Henrique Duarte, economista da Valor Investimentos.
Sobre os principais projetos que podem melhorar esse ambiente, Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master e professor na Fundação Getulio Vargas (FGV), pontua a regulamentação da reforma tributária – ao simplificar o sistema tributário brasileiro – e a autonomia do BC, que dá mais clareza para o mercado sobre o futuro.
Duarte indaga que esse é um processo feito “tijolinho por tijolinho”, e que não são apenas alguns projetos que vão mudar por completo a imagem internacional do país.
“Esse conjunto de pequenas reformas que tornam o ambiente de negócios e jurídico mais previsível devem ser feitas regularmente”, aponta o economista.
Ainda sim, Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo, reforça que podemos, sim, esperar por um ambiente de crescimento melhor e que vai atrair capital externo. Movimento esse, que segundo ele, já pode ser observado.
Como efeito prático, ele ressalta a retomada da alta dos investimentos diretos no país.
“Isso é bom para a economia como um todo, traz mais crescimento, mais produtividade e provavelmente, nos torna um país que acaba escapando dessa armadilha da renda média baixa, que é onde o Brasil está agora.”
Reforma tributária
“Principalmente a reforma tributária, acredito que é o avanço mais relevante para o Brasil. O principal ponto positivo é a simplificação do sistema tributário brasileiro, que hoje é muito oneroso para as empresas”, destaca Paulo Duarte.
Em julho, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto principal da regulamentação da reforma tributária, que define as regras de aplicação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – substituindo o tributo estadual ICMS e o municipal ISS – e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que entra no lugar do federal PIS/Cofins.
Também foram definidos os casos em que será aplicado o Imposto Seletivo (IS), o chamado “Imposto do Pecado” – que substitui o IPI.
Na votação, a Câmara aprovou um sistema que trava a alíquota geral do IVA em 26,5%, com objetivo de mitigar o impacto das exceções e regimes especiais.
Do ponto de vista econômico, o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, avalia o projeto como “uma revolução” ao padronizar a alíquota cobrada pelas unidades da federação e estabelecer a cobrança na ponta final, acabando com a chamada guerra fiscal.
Hoje, com a cobrança do imposto sendo realizada no ponto de origem da compra – ou seja, no lugar onde o vendedor está instalado – muitos estados buscam oferecer subsídios para atrair empresas a produzirem em seus territórios.
“Invés da bagunça de hoje, será uniforme no nacional, com a mesma alíquota sendo aplicada em todos os lugares. A reforma tributária põe um fim ao caos que caracteriza o sistema tributário no Brasil. Essa bagunça é negativa para a economia. Aumenta o custo para as empresas, reduz a competitividade das exportações e gera incerteza jurídica”, explica o ex-ministro.
Nóbrega indica que as mudanças têm o potencial de alavancar a produtividade do país, contribuindo com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
O economista e sócio da Nomos, Beto Saadia, concorda com o pensamento e aponta para um ganho inclusive na questão logística do país.
“Muitas fábricas no Brasil são instaladas em estados que há uma negociação com o governador. E na maioria dos casos, o mercado consumidor dela é muito longe da fábrica, então você tem uma malha de logística com custo muito além do que poderia”, aponta Saadia.
“Você reduz os custos de logística, diminui o custo do Brasil e você aumenta a produtividade a partir do momento que não faz mais referência, tributariamente falando, onde você vai instalar a sua fábrica. A empresa vai procurar o lugar que vai ser geograficamente mais eficiente, e não tributariamente mais eficiente”, conclui.
Ao aplicar o IVA, o Brasil se moderniza e se aproxima dos sistemas tributários de outras economias, o que é positivo para quem olha o país de fora, segundo Antonio Corrêa de Lacerda, professor de economia da PUC-SP e ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon).
“Hoje, o nosso sistema tributário traz muitas desvantagens competitivas. Primeiro por ser muito complexo, segundo por ter diferentes legislações nos 27 estados e o Distrito Federal, o que gera grande desconforto de administração e anomalias, de forma que haja guerra fical, planejamento tributario”, pontua Lacerda.
“O IVA harmoniza essas questões em linha com a média internacional. Esse é um grande avanço, que cria um ambiente mais favorável aos investimentos”, diz o professor da PUC-SP.
O outro projeto de regulamentação da reforma tributária se trata da definição do Comitê Gestor. Aprovado na terça-feira (13) pela Câmara, o texto-base define as regras do colegiado que administrará o IBS.
“O Comitê Gestor é uma das grandes inovações desse projeto. Em uma federação tão complexa como a brasileira, você admitir a estrutura atual, em que cada ente tem a sua propria distribuição, isso não daria certo”, afirma Maílson da Nóbrega.
“O comitê faz o papel que os bancos fazem hoje. Nós pagamos o imposto no banco e ele transfere para o ente. O comitê não tem poder de interferência e não pode privilegiar um ente em detrimento de outro. Ele tem poder de interpretação de norma, o que é bom para o funcionamento do sistema”, conclui o ex-ministro.
Contudo, os economistas consultados pela CNN entram em consenso sobre um ponto negativo do projeto: a alta quantidade de exceções e regimes especiais, que devem pesar no aumento da alíquota para alguns setores, afim de compensar a arrecadação.
Autonomia do BC
Outra matéria acompanhada de perto é a proposta de emenda constitucional (PEC) da autonomia do BC. Além de constitucionalizar a autonomia operacional da autarquia – sancionada em lei de 2021 -, o projeto define a autonomia orçamentária da instituição.
Desse modo, convertido em empresa pública, o BC poderá definir seu próprio orçamento a partir de suas receitas, sem depender de definições por parte da União.
Sobre esse projeto, Paulo Gala, do Master, é assertivo: “O mercado que ver independência do BC para combater a inflação e subir juros se necessário”.
Assim como a reforma tributária, a autonomia do BC moderniza o nosso sistema e nos aproxima do padrão adotado internacionalmente, segundo Luciano Costa.
“[A PEC da autonomia do BC traz] o Brasil para uma legislação mais moderna. Isso vai ser bom para o mercado, que verá isso com bons olhos. Principalmente o investidor estrangeiro, porque ele vai perceber o Brasil dando mais um passo para a institucionalização baseada numa lógica moderna e que outros países”, afirma o economista-chefe da Monte Bravo.
A questão da autonomia do BC, como um todo, visa trazer previsibilidade para a autarquia, limitando intervenções políticas e permitindo que ela seja mais transparente com o mercado. Mas ao poder definir seu orçamento, o BC também otimizaria a gerência e garantia de realizar seu trabalho.
“Grande parte dos gastos primários da União estão pré-definidos [despesas obrigatórias], e é cada vez mais difícil colocar espaço para investimentos. Com essa rigidez orçamentária, há cada vez mais dificuldade para definir [o orçamento do BC]”, explica Maílson da Nóbrega.
“[Com autonomia orçamentária] se tem a segurança de que um órgão como o BC vai seguir cumprindo seu papel de supervisionar o sistema financeiro e estabilizar a moeda. O BC tem que estar equiparado com as últimas tecnologias, e não pode ficar sujeito às restrições da rigidez orçamentária que há no Brasil. Ele perde sua função se faltar orçamento”, conclui o ex-ministro da Fazenda.
Compensação à desoneração da folha
Apesar de não estarem diretamente ligadas com o funcionamento do ambiente de negócios brasileiros, as pautas de caráter fiscal impactam na saúde da economia do país.
E uma das principais questões que o governo bate na tecla hoje é a da compensação à desoneração da folha de pagamentos.
O Congresso aprovou a prorrogação das renúncias concedidas a 17 setores da economia no final do ano passado, vigorando até 2027. O governo tentou barrar a medida, mas teve seu veto derrubado.
Desde então há um vai e volta de projetos entre o Executivo e o Legislativo buscando compensar as renúncias. Em maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, havia determinado que, em dois meses, o governo e o Congresso chegassem a um acordo.
O prazo se encerrava em 19 de julho, mas foi estendido até 11 de setembro pelo ministro do STF Edson Fachin.
Em julho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o impacto da desoneração da folha de pagamento deve ser de R$ 17 bilhões a R$ 18 bilhões em 2024, com previsão de redução no ano que vem.
A pasta afirma que as medidas de compensação apresentadas pelo Senado podem não ser suficientes para bancar o rombo.
Na terça-feira (13), Haddad apontou que foi firmado um acordo para votar as propostas do Senado, de modo a não travar o andamento da agenda. Contudo, o ministro indicou que as medidas seriam revistas caso a previsão da Fazenda se concretizar.
“Caso contrário, a gente volta pra mesa até o final do ano pra resolver o problema da compensação”, afirmou.
Entre as medidas debatidas hoje estão:
- Aumento da alíquota dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) de 15% para 20%;
- “Desenrola” das multas cobradas pelas agências reguladoras;
- Repatriação de ativos no exterior;
- Permitir que pessoas físicas possam atualizar os valores de imóveis já informados à Receita Federal para o valor de mercado, de modo a tributar a diferença com uma alíquota de 4% do IR;
- Simplificar a transferência de depósitos judiciais para o Tesouro;
- Resgate de depósitos judiciais esquecidos;
- Delegação da cobrança do Imposto Territorial Rural (ITR) aos municípios;
- Combate à fraudes, de modo a fortalecer o chamado pente-fino de benefícios.
A princípio, Luciano Costa aponta como positivo o andamento da compensação, uma vez que está se buscando endereçar um problema de saúde fiscal do país.
“Com relação à desoneração, a gente também vê a discussão no sentido correto. Obviamente a gente pode discutir se as medidas realmente têm o potencial de arrecadação que o governo está esperando. Mas têm que são importantes”, diz o economista-chefe da Monte Bravo.
“Então, ela também está no sentido correto, acho que dentro dessa agenda [de melhorar o ambiente econômico] é uma medida também favorável”.
Contudo, ele aponta que a questão fiscal é hoje um “copo meio cheio, meio vazio” por conta do projeto de renegociação da dívida dos estados.
Renegociação da dívida dos estados
Aprovado pelo Senado na quarta-feira (14), o projeto de renegociação institui o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), que visa revisar os mais de R$ 740 bilhões em dívidas das unidades federativas.
Antonio Lacerda, da PUC-SP, e Paulo Duarte, da Valor Investimentos, veem o projeto como positivo. Para Duarte, a renegociação da dívida é necessária para desafogar e a capacidade de investimento de alguns entes federativos.
“A motriz estadual é muito importante para o crescimento. Favorece o ambiente econômico de forma geral, tanto por ter uma questão definitiva para o orçamento estadual e federal, dando maior previsibilidade, quanto liberar o orçamento dos estados e da união para fazer investimento nessas regiões”, aponta Duarte.
O problema do projeto, e um dos principais pontos que foi discutido nele, é o dos juros. Hoje, as taxas são de 4% mais o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – a inflação oficial do país – ou a Selic, atualmente em 10,5% ao ano.
O texto aprovado muda o cálculo para que o pagamento seja feito corrigido pelo IPCA mais uma taxa que varia entre 2% a 4%, a depender do contrato. Porém, os juros poderão ser compensados por meio das seguintes alternativas:
- Transferência de valores em moeda corrente;
- Transferência de participações societárias em empresas estaduais;
- Transferência de bens móveis ou imóveis;
- Cessão de créditos líquidos e certos com o setor privado;
- Outros ativos acordados entre as partes.
Para Maílson da Nóbrega, o problema já começa no momento em que o Senado entrou no meio da negociação da dívida entre o credor e o devedor, mas que a situação se agrava no que ele chama de “caso típico de risco moral”.
“O projeto é cheio de defeitos. Ele impõem um custo à União e estimula os estados a gastarem para ter uma redução na taxa. Isso vai consagrar a percepção de que estado não precisa pagar, de que alguém vai resolver meu problema. O devedor vai ganhar [com esse projeto]”, conclui o ex-ministro da Fazenda.
Beto Saadia reforça que, da maneira como foi aprovado, o projeto de renegociação “é uma vitória dos estados”, que vão ter um custo de dívida menor.
“Isso [a compensação de juros] serve como mais folga financeira para os estados continuarem gastando. É mais impulso fiscal que acaba pressionando ainda mais a nossa economia, gerando mais inflação”, aponta o economista e sócio da Nomos.
O resultado final disso: um aumento de custo para a própria União, que vai acabar aumentando a dívida pública, diz Luciano Costa.
Para ele, essas compensações acabam sendo como um “perdão de dívidas”, ao diminui o custo líquido que já está implícito na dívida pública, ou seja, na emissão que foi feita para fazer a renegociação da dívida dos estados.
“Para a economia como um todo, era melhor o projeto original, os pagamentos acontecerem no custo que foi acordado lá atrás, por uma questão de recorrer a ter que fazer mais emissão de dívida para financiar esse recebimento menor lá na frente”, conclui o economista-chefe da Monte Bravo.