Sucesso no início dos anos 2000 com hits como “Cachorrinho”, “Sou a Barbie Girl” e “Baba”, Kelly Key deixou a carreira musical de lado e hoje busca novos sucessos em um ramo que pode parecer inusitado para o público da cantora: o futebol.
Depois de anos em alta na indústria da música, Kelly Key hoje é dirigente de clube de futebol de Angola. Em um projeto de mais de R$ 500 mil investidos, que tem ajudado a desenvolver jovens atletas que buscam iniciar a carreira na África, ela sonha com novos passos na gestão da equipe.
O clube em questão se chama Kiala FC, atende por volta de 70 adolescentes e foi fundado em outubro de 2023 por Kelly Key em parceria com seu marido, o empresário angolano Mico Freitas. O projeto nasceu com um viés social, porém tem recebido cada vez mais investimento financeiro do casal e caminha para se profissionalizar em breve.
Em entrevista ao ge, Kelly Key detalhou o projeto, explicou seu trabalho como vice-presidente do Kiala FC, disse ter acordos assinados com Flamengo e pelo menos “outro gigante do futebol brasileiro” para intercâmbio nas categorias de base e abriu seus planos futuros. E os sonhos são grandes: ver o clube como o “o maior exportador de jogadores angolanos”.
– Gosto de deixar muito claro que fundei o clube com o meu marido, investi, sonhei, trabalhei, estudei. Tudo o que conquistei foi com muito esforço. Nunca tive meus sonhos patrocinados por ninguém, ser vice-presidente de um clube não é um cargo decorativo. Eu vivo a pressão, a responsabilidade e o compromisso com mais de 70 vidas que estão ali comigo. Tenho muita clareza do meu papel e faço questão de ocupá-lo com muita competência e responsabilidade.
Por que Angola?
A decisão de fundar um clube em Angola tem relação direta com a atual vida da cantora brasileira em Luanda. Afinal, Miro Freitas, o marido de Kelly Key e presidente do Kiala FC é nascido no país africano e filho de Jorge Freitas, um dos donos da Grupo Cosal, que atua como representante e distribuidora de marcas como Mercedes, Hyundai, Mitsubishi, Susuki e Yamaha em Angola.
Segundo reportagem de dezembro de 2024 da revista Forbes, o negócio da família Freitas possui um faturamento anual próximo de 500 milhões de euros.
Em 2022, Kelly Key deixou o Brasil para morar em Angola com o marido e com seu filho mais novo. Por lá, o casal buscava um projeto que fosse além da administração empresarial.
– Quando viemos para Angola, sempre quisemos fazer algo próprio, não só tocar os negócios da empresa. Não sabíamos exatamente o caminho, mas é nesse momento que aconteceu, que despertou uma coisa nova. Tínhamos um sonho latente e pensamos em criar algo novo – explicou a artista.
Trabalho social e exportação de talentos
Vice-presidente do Kiala FC, em Angola, Kelly Key explica origem do nome: “Luz”
Um ano e meio depois da mudança, o casal decidiu fundar o Kiala FC. O projeto oferece, além da formação esportiva no futebol, três refeições por dia aos garotos selecionados nas peneiras, cursos profissionalizantes e acompanhamento psicológico.
– O Kiala vem com o propósito real de oferecer treinos. Oferecemos formação escolar, cursos técnicos. Nos aproveitamos da expertise das empresas para oferecer cursos de pintura, mecânica, informática, língua portuguesa. Temos acompanhamento emocional porque sabemos que o talento, sem suporte, não resiste. Esses meninos precisam de suporte desde a base, desde a higienização dental. Trabalhamos nisso, temos muitas carências que tentamos suprir com o Kiala.
No entanto, o clube não se limita apenas ao projeto social e tem planos audaciosos para o futuro, sobretudo depois de vencer as competições provinciais – equivalente aos estaduais no Brasil – nas categorias sub-17 e sub-19 na Série B1.
Na entrevista ao ge, Kelly Key deixou claro que há o interesse comercial em entrar no futebol profissional de Angola e, futuramente, revelar talentos para os mais diversos mercados da bola.
– Eu, como mulher na vice-presidência do clube, sei que todos (em Angola) estão olhando para nós atrás dos nossos meninos. Não tem como não nos tornarmos uma SAD, que no Brasil se chama SAF. Já fomos convidados para integrarmos o futebol profissional de Angola, isso está no nosso radar para um futuro próximo. Queremos nos consagrar como o clube que mais exporta jogadores no país.
Investimento
Para fazer a ideia sair do papel, buscar o terreno, construir os campos, encontrar os garotos, montar uma equipe técnica e contratar os funcionários que compõem o Kiala, Kelly Key e Mico Freitas não gastaram menos do que R$ 500 mil.
A cantora alega que, em cada campo, foi gasto aproximadamente 30 milhões de kwanzas. Na cotação atual, o valor equivale a aproximadamente R$ 182 mil. Além disso, o casal gastou com pelo menos 20 contêineres (por volta de R$ 6 mil, cada), que são usados como vestiário, refeitório e armazém de materiais e alimentos.
– Temos gastos recorrentes com alimentação. A nossa camisa antigamente era toda com marcas próprias, nós mesmos patrocinamos o clube, mas agora temos alguns parceiros. Essa parte de SAD será desenvolvida e os investimentos não param. Não é sobre o valor investido, é sobre o valor agregado. Para ser muito honesta, no início não foi algo que olhamos com atenção. Temos olhado mais para isso de um ano para cá – detalhou a vice-presidente do clube angolano.
Flamengo no radar
Em junho de 2024, Kelly Key e Mico Freitas estiveram no Flamengo para uma visita às instalações das categorias de base do clube. Dali, nasceu uma relação entre os dois clubes e, segundo a cantora, o Rubro-Negro um termo de compromisso para estabelecer uma parceria de intercâmbio aos destaques do Kiala.
O Flamengo não é o único clube brasileiro com quem a vice-presidente estabeleceu alguma relação. De acordo com Kelly Key, há dois garotos angolanos viajando em breve para a Europa e um terceiro que está tirando a documentação necessária para vir ao Brasil e se apresentar a um “clube gigantesco”. A identidade desse clube, no entanto, não foi revelada. Porém, o ge apurou que se trata do Atlético-MG.
– Nosso sonho é ser o clube que mais exporta jogadores em Angola. Esse sonho já não é mais só um sonho, já é uma realidade a caminho. Em um ano de vida, estamos levando três jogadores para fora de Angola. Um deles vai para o Brasil, para esse clube grande que não é o Flamengo, mas é um clube top.
– Ainda não posso falar, o garoto está tirando o visto agora e ele sai ainda esse mês. Isso será compartilhado em breve – afirmou a dirigente.
Mulheres no poder
“Não é um cargo decorativo”, diz Kelly Key sobre experiência como cartola na Angola
No Brasil, a história de que Kelly Key havia se tornado dirigente de um clube de futebol viralizou por conta de um vídeo publicado pela própria cantora nas redes sociais relatando os desafios da função e o combate diário contra o machismo para uma mulher em posição de liderança.
A condição apontada por Kelly Key é, de fato, rara. Na Girabola, a primeira divisão do campeonato angolano, apenas o campeão nacional Petro Atlético possui uma mulher no cargo de vice-presidente.
Por aqui, Leila Pereira (Palmeiras), Marianna Libano (Coritiba) e Mírian Monte (CSA) são as únicas três mulheres à frente de clubes dos 60 clubes das Séries A, B e C do Campeonato Brasileiro.
– Uma mulher que consegue destaque, seja onde for, todas elas tiveram que ser fortes, são potentes. Muitas vezes, o machismo vem de forma indireta, vem de uma certa sutileza, no silêncio. Vou dar um exemplo: a pessoa trata um assunto com você, mas não te dirige a palavra, dirige ao homem que está ao seu lado. É na maneira que te olham, como se você estivesse lá ajudando e não liderando. Quando surgiu a notícia no Brasil de que a Kelly Key era presidente de um clube veio uma risadinha. É um machismo sutil, mas que está ali.
O contexto do futebol angolano
A seleção masculina de Angola tem apenas uma participação em Copas do Mundo. Em 2006, os africanos garantiram a classificação e estiveram no Grupo D, ao lado de Portugal, México e Irã, sendo eliminados na primeira fase com dois empates e uma derrota.
Atualmente, nas Eliminatórias Africanas para a Copa do Mundo de 2026, Angola vive situação complicada com sete pontos em 18 disputados dentro de sua chave.
Pelo regulamento, apenas o líder de cada um dos nove grupos tem vaga direta ao Mundial, enquanto os quatro melhores segundos colocados disputarão uma repescagem para decidir a décima vaga. No momento, Angola está em quarto no Grupo D, cinco pontos atrás de Camarões – o segundo colocado. Restam quatro rodadas a serem disputadas.
Em competições de clubes, o protagonismo é praticamente inexistente. O futebol angolano jamais teve um campeão continental e as melhores campanhas na Liga dos Campeões da África foram em 2018 e em 2022, quando o 1º de Agosto e o Petro Atlético – ambos da capital Luanda – chegaram às semifinais.
Por outro lado, há jogadores angolanos em grandes clubes, como o zagueiro David Carmo, atualmente emprestado pelo Nottingham Forest ao Olympiakos, da Grécia, e com valor de mercado estimado em 10 milhões de euros (R$ 65 milhões). O atacante M’Bala Nzola, atualmente no Lens, da França, é outro nome de destaque com valor de mercado de 6 milhões de euros (R$ 39 milhões). No Brasil, o Botafogo conta com o zagueiro Bastos, e o Vasco tem o atacante Loide Augusto.