A trégua temporária na guerra tarifária entre Estados Unidos e China ainda não foi capaz de garantir estabilidade e previsibilidade nas relações comerciais do Brasil com o resto do mundo. O cenário é visto como conturbado pela diplomacia brasileira, que tenta negociar com os parceiros para evitar impactos mais agudos ao país. A incerteza econômica, agravada pela “gangorra tarifária” norte-americana, nubla as previsões de analistas de mercado sobre os efeitos de toda turbulência sobre o agronegócio.
“A questão da previsibilidade é mais urgente. [A trégua] melhorou, em patamar um pouco menos incrível que o anterior, de 145% de tarifa. Mas 30% [de taxa aplicada à China] é enorme também. Apesar de toda pirotecnia, de tarifas que sobem muito e descem muito, é um patamar difícil e complicado. Temos um momento ainda muito conturbado”, afirmou o embaixador Fernando Pimentel, diretor do Departamento de Política Comercial do Itamaraty, durante o 3º Congresso da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), em Brasília, na última quarta (14).
Os diplomatas brasileiros conseguiram avanços nas conversas com os Estados Unidos para reverter uma ideia verbalizada até por Donald Trump na largada no tarifaço. “O Brasil sempre aparecia no campo dos países-problema, sempre estava na cabeça das autoridades norte-americanas como país problemático”, explicou.
Após um processo de conversa e convencimento, com troca de informações para tentar “virar essa agulha”, o Brasil ficou com a tarifa menos, de 10%. “Não é nada para se comemorar, é um aumento histórico das tarifas, mas é melhor do que 22% ou trinta e poucos”, disse. Na negociação, o Itamaraty reiterou que os Estados Unidos têm superávit comercial com o Brasil.
Ana Lúcia de Paiva Viana, adida agrícola do Brasil em Washington, disse que a “gangorra” das tarifas, com elevações e cortes sucessivos, causa instabilidade na política externa comercial americana, que tem sido “muito agressiva e muito volátil”, disse em participação virtual no evento.
“Os norte-americanos estão muito focados no ‘America first’ (América em primeiro lugar) em todas as discussões, negociações e conversas que temos tido com os membros do governo americano”, apontou. “Em mais de 100 dias de governo, não existe certeza, está tudo muito incerto em relação ao comportamento com os grandes parceiros comerciais, e as tarifas ainda vão impactar no comércio de alimentos”, acrescentou.
Ela disse que as idas e voltas na negociação dos Estados Unidos com a China abrem oportunidades para o Brasil, mas que a guerra tarifária mostra a importância da diversificação de mercados. “É importante para diminuir a dependência dos Estados Unidos e da própria China”, avaliou.
Glauco Bertoldo, adido agrícola brasileiro junto à União Europeia em Bruxelas, disse que as medidas de Trump fizeram os europeus olharem com mais carinho para o acordo com o Mercosul e que ainda depende de revisão e ratificação. “No decorrer dos dias, a situação traz muita instabilidade. O desenrolar dessa intenção europeia de se aproximar do Mercosul depende muito ainda de como vai avançar a negociação com os Estados Unidos”, afirmou.
O embaixador Fernando Pimentel disse que a “incerteza é a nota principal do comércio internacional” e a “proliferação” de medidas unilaterais, como aumentos desregrados de tarifas, são resultado da fragilização de organismos multilaterais e das regras globais de comercialização. Na visão dele, é preciso se preparar para um mundo “mais rude” e apostar no maior engajamento bilateral com grandes parceiros.
Analistas de mercado ressaltam a incerteza do ambiente macroeconômico de acordo com as mexidas no tabuleiro de xadrez norte-americano. Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, disse no evento que a principal reclamação contra as tarifas partiu de dentro dos Estados Unidos.
“A ideia de atacar a China fechando as barreiras comerciais saiu pela culatra. Percebeu-se que empresas americanas precisam mais dos produtos chineses do que o inverso”, disse no evento. “Não só os Estados Unidos se mostraram o maior perdedor da guerra como o Brasil passou a ser um dos vencedores percebidos dessa guerra comercial”, opinou.
A consequência de todo o processo tarifário e de incertezas globais, disse Megale, é a desconfiança do mercado nos Estados Unidos e o risco de recessão no país nos próximos trimestres. “Recessão nos Estados Unidos é problema para o resto do mundo”, afirmou.
Para ele, o nível de incerteza na economia é relativamente elevado, mas o Brasil, na comparação com o resto do mundo, está bem. “O Brasil pode se beneficiar por conta da demanda da China, porque vende produtos essenciais ao mundo e essa demanda tende a crescer, porque é relativamente fechado para manufaturas e não sofre tanto com a guerra comercial”, apontou Megale. “No tabuleiro de mercado, o Brasil é visto hoje como um país que tem relativamente a outros emergentes mais segurança e mais previsibilidade”, observou.
No mesmo evento, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, disse que apesar de não ser alvo principal dos Estados Unidos, o Brasil precisa manter o diálogo com os norte-americanos. “O caminho é diálogo e negociação para poder avançar ainda mais”.