A proibição de anúncios de moda que apresentavam modelos com aparência “excessivamente magra” no Reino Unido levou especialistas do setor a alertar sobre o retorno de uma tendência que valoriza a magreza excessiva.
A estética caracterizada por modelos com rostos secos e ossos protuberantes foi dominante na década de 1990 e no início dos anos 2000 — mas, nos últimos anos, foi deixada de lado para dar espaço ao movimento de positividade do corpo, que adotou e celebrou as curvas.
No entanto, marcas de roupas como Zara, Next e Marks & Spencer (M&S) tiveram seus anúncios proibidos nos últimos meses por causa de modelos que “pareciam magras demais em termos de saúde“.
O órgão que faz o controle de publicidade no Reino Unido disse à BBC que tem observado um “aumento significativo” nas reclamações a respeito desse tipo de anúncio.
A Autoridade dos Padrões de Publicidade (ASA, na sigla em inglês), órgão independente responsável por regular o conteúdo de anúncios, disse recebeu este ano uma média de cinco ou seis reclamações do tipo por semana.
No entanto, nas duas semanas após a proibição do anúncio da M&S (que aconteceu em julho), o número de queixas subiu para mais de 20.
Em 2024, o órgão recebeu um total de 61 reclamações sobre o peso das modelos, mas só encontrou motivos para investigar oito notificações.
Os números são relativamente pequenos, mas é algo que o órgão de fiscalização observa de perto, juntamente com a repressão a anúncios ilegais de medicamentos para perda de peso, que só deveriam ser comprados com receita médica.
As diretrizes da ASA afirmam que os anunciantes devem garantir que não apresentem uma imagem corporal não saudável como uma aspiração.

O retorno do ‘heroin chic’
A modelo e ativista Charli Howard escreveu uma carta aberta que viralizou depois que ela foi dispensada por uma agência de modelos por estar fora do padrão esperado.
Uma década depois da polêmica, ela acredita que o mundo “está prestes a ver o retorno da heroin chic”.
A expressão heroin chic foi usada no início dos anos 1990, quando algumas modelos eram extremamente magras, pálidas e tinham olheiras escuras, algo que remetia ao uso recorrente de drogas como a heroína.
Howard diz que os anúncios nas ruas são tão preocupantes quanto as imagens que são compartilhadas nas mídias sociais como “inspiração para a magreza”.
Em junho, o TikTok bloqueou os resultados de pesquisa para skinnytok (termo inglês que remete a pessoas muito magras) — uma hashtag que, segundo os críticos, direciona as pessoas para conteúdos que “idolatram a magreza extrema”.
“Algumas mulheres são naturalmente magras, e isso é absolutamente bom. Mas contratar deliberadamente modelos que parecem não estar bem é profundamente perturbador”, opina Howard.
A ASA, em todas as suas decisões recentes, não considerou nenhuma modelo como não saudável.
No caso da marca Next, ela reconheceu que, em outras fotos da mesma modelo, ela parecia saudável.
Em vez disso, o órgão entendeu que a pose, o estilo e os ângulos de câmera fizeram com que cada uma das modelos nos anúncios dos varejistas parecesse mais magra.
A M&S declarou que a pose da modelo foi escolhida para retratar confiança e desenvoltura, e não para transmitir magreza.
A empresa acrescentou que a modelo, embora magra, tinha um “físico saudável e tonificado”.

A Zara, que teve dois anúncios vetados na semana passada, pontuou que as duas modelos tinham um atestado médico comprovando que elas estavam em boas condições de saúde.
A ASA avaliou que sombras, poses e um penteado com coque para trás foram usados para fazer com que as modelos parecessem mais magras.
“A iluminação definitivamente desempenha um papel importante — ela pode realçar as maçãs do rosto, as clavículas e as caixas torácicas”, analisa Howard.
“Depois do movimento de positividade corporal da década de 2010, infelizmente era inevitável que a moda voltasse atrás e sabemos o quanto isso pode ser prejudicial”, lamenta ela.

‘Isso não é progresso, é repetição’
Para a modelo e professora de ioga Charlotte Holmes, a demanda por corpos mais magros não é novidade.
Durante 20 anos de carreira, ela notou “um breve momento de maior inclusão”, mas ainda era rejeitada em empregos por “não ser magra o suficiente”.
“O movimento de positividade corporal aumentou a conscientização, mas não mudou totalmente o sistema. Agora, parece que voltamos ao ponto de partida”, observa ela.
Holmes, que tem 36 anos e foi coroada Miss Inglaterra em 2012, acredita que o corpo “ultrafino” sempre foi o “padrão silencioso” para modelos.
“Termos como heroin chic e tendências como skinnytok mostram a rapidez com que ideais prejudiciais podem ressurgir”, diz ela.
“Isso não é progresso, é repetição”, reforça a modelo.

O papel das injeções emagrecedoras
A jornalista e consultora de moda Victoria Moss não acredita que estamos diante de um novo momento do heroin chic.
Na visão dela, em vez disso, a atual tendência é influenciada pela popularização das injeções para perda de peso.
“O que acontece no momento é que a magreza passou a ser considerada um imperativo moral de saúde, impulsionada pelo fervor dos medicamentos para perda de peso”, entende Moss.
A especialista reconhece que muitas celebridades, como Kim Kardashian e Oprah Winfrey, enxugaram as medidas visivelmente nos últimos tempos.
Mas ela ainda acha que é incomum ver modelos muito magras em campanhas de moda das grandes marcas do varejo — e esse fenômeno ainda está mais restrito às passarelas e às semanas de moda.
“Acho que em todos esses casos as modelos eram muito jovens, e deve ser incrivelmente perturbador para elas se tornarem o foco desses anúncios que foram vetados”, avalia Moss.
“Muitas mulheres são naturalmente muito magras, e é errado fazer críticas sobre o corpo delas”, entende ela.
‘A diversidade de corpos é fundamental’
Simone Konu-Rae, estilista e professora sênior de comunicação de moda na Universidade das Artes, em Londres, no Reino Unido, avalia que, embora seja importante “reconhecer que o corpo humano tem várias formas e tamanhos”, ser extremamente magro “não está necessariamente de volta à moda”.
“As marcas de rua usam modelos de passarela para valorizar suas coleções”, explica a especialista.
“As grandes lojas de vestuário estão dizendo: ‘Veja, temos os mesmos modelos das suas marcas de luxo favoritas, e nossos produtos têm a mesma qualidade por uma fração do preço'”, acrescenta ela.
Konu-Rae diz que o problema não é o fato de as modelos não serem saudáveis, mas que essa “não é a norma para muitas pessoas, e tentar alcançar esse tipo de corpo pode ser prejudicial”.
“Mostrar mais diversidade corporal é fundamental para deixar claro às pessoas que elas podem estar na moda e ter estilo sem precisar mudar quem são”, complementa ela.
O retorno das silhuetas dos anos 1990?
A consultora de estilo Keren Beaumont diz que o retorno de itens da moda dos anos 1990 — como as calças jeans de cintura ultrabaixa e os blusinhas de seda com tiras — contribuem para essa mudança de paradigma.
“Com o ressurgimento dessas tendências, vemos os ossos do quadril e o peito expostos e, de acordo com as apresentações originais dessas silhuetas, elas estão sendo mostradas em modelos muito, muito magras”, observa ela.
“Minha esperança é que as imagens recentes da Next, M&S e Zara sejam um lembrete para as marcas manterem a diversidade que vimos nos modelos nos últimos anos e não voltarem a padrões ultrapassados”, espera Beaumont
Matt Wilson, da ASA, diz que o debate destacou as responsabilidades das marcas e “a atenção que elas precisam ter”.
“Socialmente, sabemos que há um problema com distúrbios alimentares e devemos continuar a proibir anúncios que possam causar danos”, conclui ele.
