As canetas emagrecedoras se tornaram uma febre no Brasil e parecem estar sendo usadas até por gente que não precisa perder peso. Isso, no entanto, nem sempre é um problema. Muitos dos remédios desta categoria têm indicações de saúde que vão além da redução de medidas, tratando da diabetes tipo 2 até a apneia.
O assunto voltou à tona após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar, nessa segunda-feira (15/12), a versão de 2,4 mg do Wegovy para o tratamento de gordura no fígado. A indicação vale para adultos com esteatohepatite associada à disfunção metabólica (MASH) e que já tenham fibrose moderada a avançada, mas sem cirrose hepática.
A decisão consolida mudança no entendimento sobre esses fármacos. Antes vistos apenas como aliados do emagrecimento, agora passam a integrar estratégias terapêuticas para doenças crônicas complexas. Outras canetas também receberam aval regulatório para condições que vão além da obesidade.
Os diferentes usos das canetas emagrecedoras
O Ozempic, que também tem a semaglutida como princípio ativo, na realidade tem sua primeira indicação para tratamento da diabetes tipo 2; o uso para perda de peso é “off-label” (fora da recomendação da bula). Estudos já indicaram, porém, que a caneta pode ajudar em outros aspectos, incluindo a redução da dependência de álcool.
A redução variou de 50% a 56% nos casos analisados. O alcoolismo conta com poucas opções farmacológicas disponíveis. Os resultados sugerem que os análogos de GLP-1 podem representar alternativa futura no tratamento desse transtorno. A hipótese amplia o campo de atuação desses medicamentos no sistema nervoso central.
Mounjaro até para o cérebro
A mesma ampliação de escopo ocorre com a caneta injetável Mounjaro, com a tirzepatida como princípio ativo. Além de ser um aliado para o tratamento da obesidade ou do sobrepeso com comorbidades, a caneta emagrecedora passou a ser indicada para tratamento da apneia obstrutiva do sono neste ano.
A recomendação, porém, se restringe a pessoas com obesidade ou sobrepeso. A apneia envolve pausas repetidas da respiração durante o sono, causadas por bloqueio parcial ou total das vias aéreas superiores, o que eleva o risco cardiovascular. Como a caneta diminui o peso, ela reduz ou até elimina o problema do ronco.
Também está em investigação, em estudo pela UERJ, os benefícios da tirzepatida no tratamento da neuroinflamação. Esse processo está presente em doenças neurodegenerativas, como Alzheimer. A pesquisa ainda segue em andamento, mas reforça o interesse científico sobre efeitos neurológicos desses fármacos que podem, reduzindo a gordura corporal, amenizar processos inflamatórios cerebrais.
A liraglutida, da mesma classe da semaglutida, já apresentou resultados concretos nessa área. Estudo conduzido pelo Imperial College de Londres mostrou redução de quase 50% no ritmo de encolhimento de áreas cerebrais ligadas à memória, aprendizado, linguagem e tomada de decisões em pacientes com Alzheimer em estágios iniciais. A pesquisa também identificou redução de 18% no declínio cognitivo após um ano de tratamento, em comparação com placebo. Os dados reforçam potencial neuroprotetor observado em análogos de GLP-1.
Expectativa dos pacientes e limites do tratamento
Tudo isso não significa, porém, que as canetas sejam um medicamento milagroso, que possa ser usado por todo mundo, alerta a endocrinologista Jacy Maria Alves, da Mev Brasil. A especialista alerta que muitos desses ganhos, inclusive a perda de peso, não se sustentam no longo prazo sem mudanças de hábitos como melhora da alimentação e uma rotina mais ativa.
“Delegar o cuidado da sua saúde integralmente a um fármaco é como dirigir uma Ferrari em primeira marcha: a potência existe, mas falta técnica para aproveitar plenamente a experiência. Não há injeção ou comprimido que cozinhe por você, que o faça se exercitar diariamente, que desligue o celular às 22h ou que organize sua rotina. O remédio abre o caminho para tomada de decisões mais saudáveis, mas depende do paciente consolidar essa rotina e nós, como profissionais de saúde, precisamos ajudar para que a mudança de comportamento realmente vire hábito”, aponta a médica.





