Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF), um CEPID da FAPESP alocado no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), e colaboradores da University of Toronto e Princess Margaret Cancer Center, do Canadá, reportaram pela primeira vez o uso eficaz de um tipo específico de fototerapia para erradicar o melanoma ocular em camundongos. Baseada em laser pulsado, a técnica envolve a aplicação de uma grande quantidade de luz por um curto período de tempo para a ativação de um fármaco.
O estudo, publicado recentemente no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, abre caminho para um possível tratamento futuro menos drástico para a doença. As estratégias atuais apresentam baixa efetividade e envolvem, em muitos casos, radiação ionizante e remoção do olho afetado do paciente.
Técnica já utilizada no tratamento do carcinoma basocelular (tipo mais comum de câncer de pele), a terapia fotodinâmica envolve o uso da luz para a ativação de fármacos, em condições adequadas de radiação e na presença de oxigênio (todas as células – de câncer ou normais – precisam do oxigênio para realizar suas funções metabólicas). O melanoma, um dos tipos de câncer mais agressivos, no entanto, tem se mostrado um desafio, por conta da melanina, um pigmento escuro que compete com o medicamento fotossensibilizador pela absorção da luz.
Outra dificuldade é que biomoléculas como a melanina fazem com que os fótons (partículas que compõem a luz) mudem sua direção de propagação e se espalhem. Dessa forma, poucos vão verdadeiramente ser transmitidos e atingir tecidos mais profundos.
Para otimizar a resposta da terapia fotodinâmica nos melanomas cutâneos, esse mesmo grupo de pesquisa já havia testado com sucesso a associação com agentes clareadores ópticos, que modificam as propriedades ópticas do tumor previamente, permitindo maior penetração da luz. Neste estudo, financiado pela FAPESP, foi a vez de testar uma estratégia eficaz para os melanomas oculares, que impõem ainda mais dificuldade de tratamento por sua localização.
Os cientistas investigaram um regime de irradiação de lasers pulsados chamado femtossegundo. Esse tipo de laser é capaz de fornecer uma grande quantidade de energia em um tempo extremamente curto – num pulso de 10-15 segundos e localizado, diminuindo o risco de dano em tecido sadio adjacente.
Os testes foram realizados com camundongos doentes, que, após serem submetidos à terapia para a ativação do fármaco Visudyne, utilizado para o tratamento da degeneração macular, passaram a não apresentar nenhum tumor residual visível.
“Observamos que o método nos permite entregar dois fótons, com metade da energia necessária cada, e, como isso ocorre em um período de tempo extremamente curto, a molécula biológica basicamente não percebe, permitindo sua chegada”, explica Cristina Kurachi, professora do IFSC-USP e coordenadora do estudo pela equipe brasileira – a equipe canadense foi liderada por Brian Wilson, professor do Departamento de Biofísica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Toronto. “Foi a primeira vez que isso foi reportado em publicações científicas.”
“Ainda mais interessante: a técnica foi mais eficaz nos tumores pigmentados, mostrando que a melanina atua como um mediador do tratamento”, completa Layla Pires, pesquisadora do Princess Margaret Cancer Center (Canadá) e do Instituto de Física de São Carlos da USP. “Esses resultados trazem uma nova perspectiva na área de biofotônica e quebram o paradigma de que lesões pigmentadas não podem ser erradicadas com terapias à base de luz.”
Também foi demonstrado que o método é seguro, uma vez que não causou danos nas estruturas adjacentes. “O tratamento se mostrou altamente seletivo e efetivo”, relata Kurachi.
A pesquisadora cita ainda outra possível vantagem em potencial da terapia fotodinâmica: diversos estudos ao redor do mundo vêm indicando sua capacidade de induzir a resposta imunológica, melhorando a ativação do sistema imune do próprio organismo para também atuar nessa eliminação de tumores.
Perspectivas
A descoberta abre caminho para, no futuro, possibilitar um tratamento para o melanoma ocular mais efetivo, que ofereça o mínimo de efeito colateral – atualmente, os tratamentos disponíveis apresentam baixa efetividade e risco de 50% de o paciente desenvolver metástase (e, quando metastático, a sobrevida é de apenas quatro a 13 meses).
No entanto, embora acene com ótimas perspectivas, ainda são necessárias diversas etapas – e muitos anos de estudos – para que esse tipo de terapia possa ser utilizado na prática. “Realizamos apenas a primeira fase da pesquisa, que é justamente mostrar que o método é efetivo e seguro; os próximos passos incluem testes em camundongos humanizados com melanoma de origem humana e primeiros estudos em humanos”, lembra Kurachi.
Além disso, os instrumentos específicos para essa abordagem ainda estão em fase de desenvolvimento. Durante o estudo, os pesquisadores utilizaram microscópio, mas a ideia é que o tratamento propriamente dito seja feito com oftalmoscópios (aparelhos para a visualização da retina) ajustados, tecnologia que já vem sendo criada por outros grupos de pesquisa.
“A expectativa é que esse estudo sirva de fundamento para expandir o uso da tecnologia para outros tumores oncológicos, como o retinoblastoma, que afeta crianças”, diz Pires.
O estudo incluiu especialistas de diversas áreas, como biofotônica, óptica e medicina translacional, e também contou com o financiamento das seguintes instituições: Cancer Prevention and Research Institute of Texas (EUA), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes, Brasil), Governor’s University Research Initiative (EUA), Henry Farrugia Research Fund (Canadá), Princess Margaret Cancer Center Foundation Invest-in-Research Fund (Canadá) e Vision Science Research Program Award (Canadá).
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