O Congresso vive uma guerra fria, e há consenso de que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), saiu fragilizado na medição de forças com o Senado. A liderança do parlamentar passou a ser questionada por parte dos deputados, que, pelos corredores, alardeiam, mesmo de maneira reconhecidamente precoce, o risco de não apoiarem a reeleição do atual chefe.
Na PEC da Blindagem, que dificulta investigações e processos contra congressistas, a Câmara iniciou a discussão numa espécie de consórcio entre bolsonarismo e Centrão. O Senado, porém, enterrou o texto com alarde na última quarta (24/9), deixando deputados sozinhos com a pauta considerada tóxica. No mesmo dia, senadores aprovaram um projeto alternativo à isenção do Imposto de Renda, acusando os colegas de morosidade com propostas que de fato beneficiam a população.
Na guerra fria, há promessas de reação. Uma ala dos deputados ameaça fazer alarde com relação ao sigilo imposto pelo Senado sobre o registro de entrada e imagens de circulação de Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”. O advogado é um dos suspeitos de articular o esquema de desvios no Instituto Nacional do Seguro Social. Dizem que, se os senadores são tão moralistas assim, deveriam liberar as imagens.
Os líderes mais insatisfeitos cobram uma correção de rumos após o que consideram um naufrágio da Câmara perante a opinião pública diante da PEC da Blindagem, e alertam que este foi apenas um erro de Motta na sua relação com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). A reclamação é que o presidente da Casa recorreu ao vizinho no Congresso quando precisava ouvir os próprios deputados, e enclausurou-se quando deveria ter afinado sua ação com o senador.Play Video
Citam que Motta começou sua gestão muito alinhado com Alcolumbre, e isso o desconectou dos líderes da Câmara. Há reclamações de que ele procurou o presidente do Senado, ao invés dos próprios liderados, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o aumento do número de deputados e venceu a disputa sobre o Congresso com relação ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Nesse sentido, consideram que Motta bancou a PEC da Blindagem sozinho como recado de que não dependeria de Alcolumbre para tocar suas pautas, mas considera que o cálculo foi errado. O temor é que o mesmo ocorra com o PL da Dosimetria, outra pauta sem apelo popular que não tem garantias de prosperar caso chegue no Senado.
E os senadores ouvidos pelo Metrópoles estão confiantes que a Câmara não tem o mesmo poder de organização para qualquer revide. Sinal disso é que os deputados, que antes vinculavam a aprovação da isenção do IR à votação da dosimetria, já aceitam votar o alívio tributário sem o benefício aos condenados por tentativa de golpe.
Ainda de acordo com os líderes, a atual guerra fria difere da tensa relação entre Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na avaliação dos congressistas, os respectivos ex-presidentes da Câmara e do Senado viviam uma disputa por poder, como os embates sobre o rito das Medidas Provisórias e a partilha das emendas parlamentares, mas nunca deixaram o clima de guerra fria se instaurar de fato.
Deputados se dizem traídos e derrotados pela postura dos senadores diante da PEC da Blindagem. Entendem que Alcolumbre não deu o comando, mas deixou correr a campanha dos pares, que acusaram a Câmara de irresponsabilidade ao promover tamanho privilégio.
Planalto quer distância
O governo assiste o duelo de camarote, pois considera que suas pautas prioritárias estão protegidas. Mais que isso, avalia que as armas à disposição de Motta para dar uma resposta podem ser benéficas para o presidente Lula.
A principal é a isenção do Imposto de Renda. Motta anunciou na última terça-feira (23/9) que a proposta seria votada na próxima quarta-feira (1/10), e tem indicado que não há chances de adiamento.
A avaliação no Congresso é que foi uma resposta ao fato de o Senado ter marcado a votação de um projeto semelhante na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), e também uma forma de redimir a Casa diante da pressão popular.