Mara Lúcia Rafaeli, de 63 anos, sempre gostou de praticar esportes, fazer longas caminhadas e fazer escaladas. Com uma vida extremamente ativa desde a infância e sem fumar, nunca se enxergou como uma pessoa com risco para câncer de pulmão, mas, mesmo assim, o diagnóstico foi confirmado em 2018. Com ele, vieram os sintomas incapacitantes que a fizeram deixar seus hobbies em segundo plano.
“Eu sempre fiz atividade esportiva como lazer. Ia para cavernas, subia montanhas e lugares inóspitos”, relembra Mara em entrevista à CNN. “Inicialmente, achavam que era tuberculose, mas os exames mostraram que não. Continuei fazendo o rastreamento e eu fiquei muito estressada, porque esse processo para definir o diagnóstico é um processo muito cansativo”.
Foi somente após a retirada de nódulos no pulmão para biópsia e uma cirurgia de lobectomia pulmonar [retirada de uma porção do pulmão] que ela recebeu a confirmação do câncer de pulmão. Depois disso, sua rotina, marcada por hobbies esportivos, foi tomada pela quimioterapia e radioterapia.
“Eu tive diversas reações na rádio, como queimadura no esôfago, que é bastante comum por conta da localização [do tumor]”, conta. Durante a pandemia, dois anos após o fim do tratamento, Mara realizou um novo exame PET-scan e descobriu que os nódulos que não foram retirados no pulmão voltaram a crescer.
“A recidiva [retorno do câncer] foi mais difícil de ser encarada do que o diagnóstico”, revela. “Foi muito difícil ter que voltar a fazer o tratamento”, afirma.
Mara, então, foi incluída em uma pesquisa clínica para um novo tratamento, que consistia na combinação de Rybrevant (amivantamabe) com Lazcluze (lazertinibe). Tratava-se de um estudo que testava uma abordagem nova para o câncer de pulmão, com o objetivo de aumentar a expectativa de vida dos pacientes após o diagnóstico. Ambos medicamentos já foram aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Quando estamos vivendo momentos difíceis, parece que tudo está muito escuro, mas sempre vem uma luzinha e tudo se ilumina de novo. Nesse momento, veio essa luz e eu me senti confiante de novo de que eu teria mais uma chance. E eu me agarrei a ela”, declara.
Mais qualidade e tempo de vida
No estudo MARIPOSA (fase 3), em que Mara foi participante, a combinação dos medicamentos foi comparada com o tratamento padrão para pacientes com câncer de pulmão, o osimertinibe. De acordo com os resultados, 56% dos pacientes estavam vivos após 3,5 anos com a nova combinação, contra 44% com o tratamento padrão. Além disso, projeções indicaram uma sobrevida superior a um ano em relação ao padrão de tratamento atual.
De acordo com Vitor Marcondes, médico oncologista e pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (Inca), esse novo tratamento é indicado para pacientes com câncer de pulmão que possuem uma mutação no gene EGFR. “Esse gene, quando mutado, ele desenvolve um tumor que, de certa maneira, torna a doença agressiva”, explica.
Segundo o especialista, com o tratamento padrão feito com quimioterapia, os pacientes com câncer de pulmão com essa mutação genética vivem cerca de um ano após o diagnóstico. “Com a terapia-alvo, ou seja, tratamento com drogas direcionadas para essa mutação, os pacientes começaram a passar essa barreira de um ano”, completa.
Marcondes explica que, por se tratar de um tipo de tumor agressivo, mesmo com o tratamento bem-sucedido, pode haver chances de novas mutações que levam ao retorno do câncer. Por isso, combinar duas drogas (amivantamabe e lazertinibe) é importante para ampliar a eficácia e ampliar a sobrevida do paciente. Isso acontece porque elas atuam em dois receptores diferentes do gene mutado.
“Esse tratamento leva a uma melhor resposta e também a uma diminuição da incidência dessas mutações que vão levar à progressão da doença”, afirma.
Além de melhorar a expectativa de vida desses pacientes, terapias-alvo, como esta, podem oferecer maior qualidade de vida ao paciente em comparação às sessões de quimioterapia e radioterapia. Foi o que aconteceu com Mara.
“Quando eu comecei a fazer o tratamento com o novo medicamento, eu comecei a ter mais independência para fazer coisas básicas, como dirigir sozinha e fazer minhas próprias compras, por exemplo”, conta. “Isso foi muito diferente do meu primeiro tratamento”, afirma.
Hoje, Mara ainda tem algumas limitações, mas já conseguiu retomar hobbies antigos. Com a prática de atividade física diária, ela se prepara para realizar uma peregrinação de 320 km em setembro. “É um desafio, mas vou retomar algo que eu amo fazer, que é a caminhada de longo percurso”, finaliza.
Câncer de pulmão: fumar não é o único fator de risco
Atualmente, o câncer de pulmão é o segundo tipo mais comum e a principal causa de morte por câncer no mundo, com cerca de 2,4 milhões de casos e 1,8 milhão de óbitos por ano. Globalmente, esse tipo de câncer responde por quase 25% das mortes por câncer. No Brasil, são registrados anualmente 44.213 diagnósticos e 38.292 mortes pela doença.
O tabagismo é a principal causa do câncer de pulmão, mas não é a única. Outros fatores de risco podem aumentar as chances de desenvolver o tumor, como exposição à poluição do ar, infecções pulmonares de repetição, doença pulmonar obstrutiva crônica, fatores genéticos e histórico familiar, segundo o Inca.
Os sintomas costumam aparecer em casos já avançados, incluindo tosse persistente, escarro com sangue, dor no peito, rouquidão, falta de ar, bronquite e fadiga. O diagnóstico pode ser feito através de exames como radiografia e tomografia computadorizada do tórax, além de PET-Scan. A biópsia pulmonar confirma a doença.
O tratamento varia de acordo com cada caso, mas, atualmente, pode incluir quimioterapia, imunoterapia, radioterapia e cirurgia.