O diagnóstico precoce e o desenvolvimento de tratamentos mais personalizados para o câncer são passos cruciais para o combate à doença. Mas, para isso, é fundamental reconhecer que existem diferenças genéticas entre cada tipo de tumor e desenvolver terapias que funcionem de forma mais eficaz para paciente. É o que a estudante Lívia Luisa Pinaso, de São Paulo, busca fazer com sua pesquisa.
A jovem de 23 anos, estudante de Medicina na Universidade de São Paulo (USP), é uma das 25 jovens cientistas selecionadas para a quinta edição do programa 25 Mulheres na Ciência – América Latina, desenvolvido pela 3M, que teve foco exclusivo em estudantes universitárias. A iniciativa, criada em 2020, busca reconhecer e dar visibilidade a jovens cientistas da América Latina e Canadá que já estão promovendo transformações reais nas suas comunidades e nos campos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).
Lívia desenvolve uma pesquisa voltada ao diagnóstico precoce do câncer de mama através do estudo do genoma de mulheres brasileiras. Seu trabalho busca tornar a ciência mais personalizada, considerando o perfil real das pacientes no Brasil para aperfeiçoar a prevenção e o tratamento da doença.
A motivação para sua pesquisa vem da história de sua família: quando Lívia era adolescente, sua mãe foi diagnosticada com câncer de mama, assim como mulheres de gerações anteriores de seu núcleo familiar. Ao acompanhá-la nas sessões de radioterapia, a jovem desenvolveu o interesse pela medicina e oncologia.
Orientada por seu professor, que também é oncologista clínico, a jovem decidiu estudar a área da genômica. “Meu trabalho é analisar o DNA das mulheres com câncer de mama para ver qual é a diferença nos tratamentos, o que fez elas terem esse câncer e se há alguma relação com a genética”, conta.
Câncer de mama e mosaicismo
A pesquisa de Lívia é focada em um fenômeno genético chamado mosaicismo somático, que é a ocorrência de duas populações de células geneticamente distintas em uma pessoa.
“Quando nascemos, as nossas células são todas iguais. Com o passar do tempo, elas vão sofrendo pequenas mudanças e, quando se dividem, formam linhagens celulares diferentes”, explica Lívia. “Então, dentro de nós, não temos um único genoma. Nós temos vários. A minha pesquisa busca entender como essas diferenças ao longo da vida podem fazer com que uma pessoa tenha câncer”, completa.
No caso do câncer de mama, Lívia descobriu, através da sua pesquisa, que um gene específico responsável pela estabilidade do genoma tem sua funcionalidade afetada, o que pode estar relacionado ao desenvolvimento da doença.
“O mosaicismo faz com que você perca ou ganhe funções genéticas, e isso pode aumentar ou diminuir as suas chances de ter um câncer”, explica Lívia. “Então, na minha pesquisa, eu olho basicamente três coisas: quais são as chances, o tipo de mosaicismo e como isso afeta as mulheres que já têm câncer, ou seja, se a quimioterapia é o melhor tratamento, ou se a radioterapia é a melhor opção”, completa.
Além disso, a pesquisa de Lívia pode ser importante para o desenvolvimento de testes que ajudam a prever o risco de uma pessoa desenvolver câncer de mama, assim como aumentar as chances de diagnóstico precoce — um fator crucial para o sucesso do tratamento.
“Nós já vimos que o mosaicismo aparece cerca de 10 anos antes do tumor. Então, isso serve para um planejamento de longo prazo para sua vida”, afirma. “Meu sonho é que, em um futuro próximo, nós possamos tirar uma amostra de sangue de cinco mililitros de uma mulher em qualquer lugar do Brasil e ela saber, com 10 anos de antecedência, se ela tem uma chance ou não de ter câncer e, assim, fazer uma vigilância ou mudanças de hábitos de vida que a ajudem nesse contexto.”
Fatores de risco podem aumentar o mosaicismo
Outra descoberta importante da pesquisa de Lívia é que fatores de risco modificáveis para o câncer, como tabagismo, obesidade e sedentarismo, podem fazer com que o mosaicismo esteja mais presente nas mulheres.
“Em pessoas que fumam, as células acabam morrendo mais rapidamente e precisando de uma renovação maior. Essas renovações propiciam essas mudanças nas células e, assim, o mosaicismo aparece mais”, afirma Lívia. “O mosaicismo já vai acontecer ao longo da vida, mas quando você tem esses fatores que propiciam a inflamação ou mudanças repentinas no seu corpo, ele fica mais presente, e isso aumenta a sua chance de câncer”, completa.
A pesquisa de Lívia também descobriu que mulheres latino-americanas, principalmente as que possuem ascendência latina, africana e indígena, possuem mais mosaicismo e mais chance de câncer. Essa descoberta também é importante para reavaliar recomendações de rastreio para o câncer de mama no Brasil, principalmente no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), na avaliação da pesquisadora.
“A nossa hipótese é que a população brasileira tem mais mosaicismo por ter várias partes de genomas de várias partes do mundo, já que é uma população mais miscigenada”, explica. “Isso faz com que tenhamos um ‘pool’ rico para trabalhar de uma forma totalmente diferente e inovadora [para o diagnóstico de câncer de mama]. Nós vemos, na nossa população, o mosaicismo aparecendo a partir de 40 anos. Isso significa que, aos 50, a mulher já pode ter desenvolvido algo que nós poderíamos ter identificado lá atrás”, afirma.
Atualmente, a recomendação do Ministério da Saúde para o início do rastreio (realização de exames de rotina) para o câncer de mama é 50 anos.
Programa visa reconhecer e inspirar jovens cientistas como Lívia
O comportamento de cientistas como Lívia reflete um movimento global de mudança de mentalidade: ciência com propósito, impacto social direto e preocupação em representar vozes que historicamente ficaram à margem. Segundo o Índice do Estado da Ciência 2023 – estudo encomendado pela 3M, 86% das pessoas acreditam que as mulheres ainda são um recurso inexplorado na ciência e tecnologia.
O objetivo do programa de que Lívia faz parte é reconhecer jovens cientistas e criar referências para meninas ainda mais novas, que ainda estão na escola. “Nossa visão é reconhecer o trabalho de mulheres que estão desenvolvendo pesquisas científicas na América Latina e dar visibilidade a esses trabalhos”, afirma Marcia Ferrarezi, líder de P&D da 3M para a América do Sul, à CNN.
“Não existe progresso de nenhuma sociedade, país ou comunidade, sem entendermos e disseminarmos a importância da ciência aplicada em diversos setores, não só na saúde pública, mas para diferentes mercados”, completa. “Alguns setores das áreas de STEM já têm uma presença significativa de mulheres, mas existem outros setores, como o de engenharia, que ainda não têm meninas. Nós precisamos quebrar essa barreira”, afirma.
Além disso, para Ferrarezi, o reconhecimento de jovens cientistas se torna ainda mais importante diante de uma crescente constante do ceticismo em relação à ciência. “Nós temos diversas pesquisas que medem esse ceticismo da população em geral e precisamos falar sobre isso, precisamos disseminar a pesquisa real e séria. Existem diversos tipos de fake news que precisamos combater e colocar na cabeça da população em geral que a pesquisa séria é o único modo de desenvolvimento social”, afirma.