A produção em sistemas agroflorestais (SAF) no Cerrado é capaz de dar retorno financeiro, mas o produtor precisa de ao menos quatro anos para pagar o investimento inicial, além de contar com fontes de financiamento públicas e privadas, segundo estudo da The Nature Conservancy (TNC). A organização avaliou três casos de sistemas agroflorestais no bioma, de diferentes perfis. As taxas internas de retorno (TIR) desses projetos ficaram entre 26% e 79% ao ano, e os prazos de retorno, na faixa entre quatro e 11 anos.
São relativamente poucas e de pequena extensão as iniciativas de agroflorestas no Cerrado, bioma que, ao longo das últimas décadas, foi sendo ocupado por grandes fazendas monocultoras.
As propriedades do bioma que têm sistemas agroflorestais correspondem a 7,2% do total. Em área, no entanto, elas representam 2,2% da extensão total, já que a maioria das produções em agrofloresta ocorre em pequenas propriedades, de caráter familiar. Em 2017, das propriedades do Cerrado que contavam com sistemas agroflorestais, 75% tinham área de até 100 hectares.
Naquele ano, os sistemas agroflorestais do bioma ocupavam 2,8 milhões de hectares, mas, considerando a possibilidade de implementar agroflorestas para restaurar reservas legais para adequação à lei, havia potencial de adição de 4 milhões de hectares. Se os sistemas avançassem sobre áreas abertas legalmente e que hoje são pastos degradados, mas que têm potencial para agricultura, haveria potencial de as agroflorestas ocuparem outros 14,1 milhões de hectares apenas no Centro-Oeste.
O estudo da TNC indica que o investimento em sistemas agroflorestais permite a eles ocupar essas áreas com retorno financeiro positivo. A organização ressalta, porém, que todos os casos que integraram o estudo “apontam, em consonância, para a necessidade de mobilizar e alocar financiamento público e privado, por meio de doações, investimentos e empréstimos”.
Essas múltiplas fontes garantiriam recursos tanto para o custeio de curto prazo quanto para os investimentos de longo prazo que os sistemas agroflorestais exigem. A diversificação de fontes de financiamento permite ainda mitigar riscos e alavancar mais crédito.
Modelo
Um dos casos que a TNC analisou é a parceria entre a Belterra Agroflorestas e a Embrapa. A Belterra propõe um modelo de cultivos perenes de baru, pequi e macaúba, consorciados com uma cultura anual de mandioca, para dar renda para cobrir os custos de implantação e manejo do sistema agroflorestal até que as culturas perenes comecem a dar frutos.
Nesse modelo, o investimento necessário nos três primeiros anos é de R$ 71.667,82 por hectare. A taxa interna de retorno, por sua vez, é de 74% — já considerando uma taxa de desconto de 15%.
O segundo caso analisado é de sistemas “agrocerratenses” (SACI), uma adaptação dos sistemas agroflorestais às espécies do Cerrado de diferentes portes. Os sistemas foram aplicados em assentamentos de reforma agrária em 2022 e 2023, em projetos que têm apoio do World Resources Institute (WRI) e da WWF-Brasil.
Um dos modelos considera a geração de renda com o cultivo de hortaliças, baru, pequi, banana, aroeira-pimenteira, milho, mandioca, açafrão, ora-pro-nobis, gergelim e feijão guandu. O segundo prevê cultivo de capim nativo, o plantio de sorgo e crotalária como opção arbustiva e o cultivo de cará e abóbora como opções herbáceas, além de apicultura.
Os custos de implementação ficaram entre R$ 15 mil e R$ 16 mil por hectare. Segundo o estudo, o retorno financeiro dos projetos ocorrerá em seis anos, com TIR entre 14,5% e 15,2% (já ajustada a uma taxa de desconto de 10%).
O terceiro caso avaliado foi de uma fazenda em Cocalinho (MT), que tem um sistema agroflorestal e um silvopastoril rotacionado (SSP), implementados pela Rizoma Agro e pela Carbon 4412. Entram no consórcio cacau, baru e mogno, além de banana, taperebá e mombaça como “espécies de serviço” (que geram benefícios indiretos ao sistema). No SSP, a lavoura reunia mogno, guandu, baru e taperebá, além de braquiária para pastagem de 4 mil vacas.
O custo para implantação do sistema agroflorestal ficou em R$ 6 mil o hectare, e para o SSP, em R$ 6,8 mil o hectare. Se forem reunidos os dois sistemas, o retorno se dá em nove anos, enquanto a TIR ficaria em 24,14%. O estudo indica que são necessários mais cálculos para analisar a viabilidade de se comprar uma fazenda para essas atividades.
“O sucesso dos sistemas agroflorestais demanda arranjos e parcerias com entidades locais, regionais e federais para superar os desafios ligados ao fornecimento de sementes e mudas, o beneficiamento e escoamento dos produtos, o combate a incêndios e a assistência técnica”, diz Natália Leite, organizadora da publicação.