A disparada dos preços do café está afetando não apenas o bolso dos consumidores. Comerciantes do grão de regiões produtoras que negociaram café nos últimos meses acreditando que haveria freio na alta têm tido dificuldade de honrar compromissos. Os casos são pontuais, mas geram preocupação no mercado, pelo temor de que se ampliem.
Ao menos quatro empresas, todas de Minas Gerais, tiveram problemas recentes. São elas: Atlântica e Cafebras, do grupo Montesanto Tavares, um dos maiores exportadores de café do Brasil, a Central do Café e a Coocem Cooperativa Central de Muzambinho.
O problema acontece porque alguns comerciantes fecharam contratos futuros de venda sem ter o grão ‘em mãos’, esperando uma queda nos preços do café até a entrega. Mas os preços não pararam de subir nas bolsas internacionais e no Brasil. Como resultado, as empresas perderam fluxo de caixa e tiveram prejuízo, ou quebraram os contratos.
Há casos também de produtores que entregaram café nos armazéns de comerciantes em contratos prevendo pagamento a prazo, mas não receberam.
A Central do Café e a Coocem, de Muzambinho, que operam juntas, são o caso mais recente, de quebra de contrato. A empresa e a cooperativa suspenderam as operações há duas semanas, sem pagar cerca de 380 produtores de Muzambinho, Monte Belo, Nova Resende e Cabo Verde, que entregaram café em seus armazéns.
Em reunião na segunda-feira à noite com cafeicultores, Creucio Carlos de Oliveira, dono da Central do Café e presidente da Coocem, propôs a venda de imóveis para pagar os produtores, mas pediu desconto no valor da saca de café para conseguir quitar as dívidas.
Segundo produtores que participaram da reunião — e falaram sob condição de anonimato —, Oliveira disse que não pagou porque a empresa está em dificuldades financeiras, mas não houve desvio de recursos. Os produtores deixaram o café na cooperativa para venda pela Central do Café, sem fixar preço. Segundo eles, a Central do Café vendeu o grão, mas não informou o valor da venda, nem para onde foi o dinheiro.
Vídeo da reunião, ao qual o Valor teve acesso, mostra Oliveira dizendo que serão colocados à venda um armazém em Nova Resende (MG), terrenos em Cabo Verde (MG), Monte Belo (MG), Muzambão (MG), um sítio em Macaúbas (MG) e casas na cidade para pagar os produtores. “Queremos que estejam conscientes de que nós vamos pagar. Não vai ser o preço do mercado atual, mas também não vai ser um preço aviltante que vocês tenham prejuízo”, disse.
Uma assembleia com os produtores está prevista para março. Em Muzambinho, há pelo menos dois boletins de ocorrência registrados por produtores contra a empresa.
“Os produtores entregaram o café e quando chegaram para receber a Coocem estava fechada. Estão sem pagamento, não sabem se ainda tem café lá e nem o que vai acontecer”, afirmou Cleber de Oliveira Marcon, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Muzambinho. A reportagem não conseguiu contato com a Coocem.
Início do problema
Antes da Central do Café e da Coocem, a Atlântica e a Cafebras começaram a ter problemas em 2024. O grupo Montesanto Tavares, controlador das empresas, negocia com credores (bancos e corretoras) mais prazo para pagar dívidas da ordem de R$ 1,4 bilhão.
O grupo alega que entrou em crise após a quebra da safra 2021/22 de café no sul de Minas. Parte dos cafeicultores deixou de entregar a produção contratada pelo grupo, que foi obrigado a comprar café no mercado físico, a preços mais altos, para honrar os seus contratos de venda.
O grupo se endividou com bancos fazendo operações de adiantamento em contratos de câmbio (ACCS) para financiar a compra e rolar a dívida. Com a alta dos preços do café em 2024, a crise do grupo se agravou.
Em dezembro, o Montesanto Tavares conseguiu na Justiça 60 dias para renegociar com credores, que ameaçam cobrar as dívidas em juízo. O prazo foi estendido por mais 30 dias, mas venceu há duas semanas. Na última movimentação, o Banco Votorantim, um dos credores, obteve autorização para arrestar imóveis e veículos do grupo para garantir o pagamento da dívida.
Alerta de novos casos
Para Vicente Zotti, sócio da Pine Agronegócios, há riscos de novos casos. “Parece que ainda há mais risco à frente. Se os futuros continuarem a subir, o risco de short squeeze e chamada de margem seguem estrangulando tradings e cooperativas”, afirma.
O ‘short squeeze’ é a alta anormal na bolsa de um ativo, quando muitos investidores precisam comprar contratos para fechar suas posições, e para não ter mais prejuízo, acabam encerrando suas posições e geram um efeito em cadeia para outras empresas . A chamada de margem é um valor exigido pela bolsa para garantir uma posição de risco alavancado.
De acordo com Fernando Maximiliano, analista de café da StoneX, os principais desafios para as empresas são liquidez, taxas de juros elevadas e dificuldade de conseguir crédito.
Ricardo Schneider, presidente do Centro de Comércio de Café de Minas Gerais (CCCMG), considera a crise das empresas casos isolados. De forma geral, diz, a cadeia produtiva sabia da tendência de alta do café e vem se preparando desde o ano passado. Segundo ele, exportadoras, comerciantes e armazenadores estão mais cautelosos e menos dispostos a comprar café com entrega para julho pelo risco de perdas devido ao clima.
Embora não acredite em piora da situação, Schneider admite que o cenário é de “estresse financeiro jamais visto”, o que pode afetar os custos de operação e apertar as margens dos comerciantes.
Mas uma fonte da indústria, que falou sob reserva, está pessimista e prevê novos problemas para os comerciantes, já que não há perspectiva de queda de preços do café nos próximos meses.
Além dos comerciantes, a indústria torrefadora também pode enfrentar dificuldades com o custo crescente para processar e empacotar o grão, diz Luciano Inácio, presidente do Sindicato da Indústria de Café do Estado do Rio de Janeiro (Sincafé-RJ). “Vai acontecer de ter só compra à vista e vai apertando todo mundo”, afirma.