Relações complexas entre mães e filhas são um tema recorrente no cinema, desde clássicos como “Laços de Ternura” até produções mais recentes, como “Lady Bird” e “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. Mas como essa dinâmica se transforma quando a complexidade da relação está diretamente ligada à saúde mental da mãe?
Esse é o tema de “Malu“, filme que narra a jornada de uma Malu, uma mulher de meia-idade em meio a uma crise existencial, apesar de uma vida repleta de conquistas. O conflito com sua mãe conservadora e sua filha adulta torna esse período ainda mais desafiador.
O longa, dirigido e roteirizado por Pedro Freire, tem como principal inspiração um material valioso: sua própria mãe, a atriz Malu Rocha.
“Quando minha mãe faleceu em 2013, minha irmã e eu organizamos seu velório no Teatro Oficina, onde ela iniciou a carreira. Naquele momento, percebi que sua história merecia ser contada em um filme”, revelou à CNN. “Alguém precisava contar sua trajetória, e eu me senti a pessoa ideal para isso. Como seu filho, conhecia profundamente sua vida e compartilhei inúmeras experiências ao seu lado.”
No entanto, ao tentar transpor para o papel as experiências que viveu ao lado da mãe, o realizador logo percebeu que o processo seria desafiador.
“Foi um processo muito difícil, porque Malu era uma pessoa de intensidade extrema, tanto nos momentos bons quanto nos desafiadores”, explicou. “Havia um lado mais pesado, já que ela enfrentava a depressão, passava por crises de paranoia e momentos de profunda raiva. E, especialmente por causa da paranoia, às vezes se voltava contra mim e minha irmã.”
No filme, quem dá vida à atriz no longa é Yara de Novaes (“Depois a Louca Sou Eu”), dá vida a Malu Rocha e admitiu o peso do papel. “Em uma cena, por exemplo, eu precisava dominar o texto para acompanhar a intensidade que o personagem exigia. Tecnicamente, foi um desafio pelo qual batalhei muito”, revelou ela à CNN.
“Porque, querendo ou não, ao assumir um personagem, você se torna uma espécie de parceira, não é?”, disse. “Então, foi emocionalmente difícil, porque me senti diante de um vazio imenso criado pelo papel. Era como se eu realmente estivesse vendo a Malu em um grande abismo”.
Pedro e sua irmã, Isadora, ganham uma representação no filme “Malu” por meio de Joana, personagem interpretada por Carol Duarte. “Ela foi construída a partir das memórias deles, tanto de acontecimentos quanto de sensações”, afirmou.
“Seu comportamento mais reservado e ansioso, seus gestos e o hábito de roer as unhas refletem profundamente a experiência de crescer em um lar com uma mãe como Malu.”
Inspiração em “Aquarius
Além da dificuldade de revisitar memórias dolorosas sobre sua relação com a mãe, Pedro Freire enfrentou um dilema durante a produção de “Malu”.
“Eu estava em dúvida se faria o filme sobre a juventude dela ou sobre sua fase mais madura, já com quase 60 anos”, admitiu. Ele também reconheceu um certo preconceito em relação à idade da protagonista. “Acho que fui um pouco etarista. Tive esse receio, achando que talvez o público não se interessasse por um filme sobre uma mulher de 55, 60 anos.”
A indústria cinematográfica reforça constantemente a ideia de que a juventude é o que realmente importa. No entanto, ao assistir “Aquarius“, de Kleber Mendonça Filho, Pedro teve um momento de epifania: “Percebi que o cinema brasileiro tem, sim, uma vocação para contar histórias de mulheres dessa idade. Eu podia fazer esse filme se quisesse. De certa forma, ‘Aquarius’ me autorizou a seguir em frente.”
A estreia mundial de “Malu” aconteceu na seção competitiva do World Cinema Dramatic Competition no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, em janeiro de 2024. Após isso, o filme foi exibido em festivais de cinema em locais como Hong Kong, San Diego, México, Croácia, Índia, entre outros.
No Festival do Rio 2024, “Malu” conquistou os prêmios de Melhor Atriz para Yara de Novaes, Melhor Atriz Coadjuvante para Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha, além de Melhor Roteiro e Melhor Filme.
O filme também foi premiado no Festival de Cairo, com Yara de Novaes recebendo o prêmio de Melhor Atriz e Pedro Freire sendo reconhecido com o prêmio de Melhor Primeiro Filme. Em janeiro, Pedro também foi agraciado com um Prêmio Especial de Cinema da Associação Paulista de Críticos de Arte.
“Malu” segue em cartaz nos cinemas.