Produtores das regiões oeste e central do Rio Grande do Sul, onde as temperaturas têm superado os 40 graus nos últimos dias, já estimam perdas irreversíveis nas lavouras de soja diante de tanta secura e calor intenso. Sem chuvas significativas desde o começo de dezembro, os campos de soja precoce da safra 2024/25 são as que mais sofrem com o ressecamento dos grãos, e alguns podem ter perda total se a estiagem persistir.
A situação traz as piores lembranças a produtores locais, que sofreram com a seca há três ciclos, antes das chuvas torrenciais que afetaram a safra 2023/24. No Estado, já há 61 cidades em estado de emergência por causa do calor e da falta de chuvas.
O agricultor Leonardo Soprano, de São Sepé (RS), planta 900 hectares de soja, e calcula uma quebra de 50% a 70% na produção. “A última chuva boa foi dia 13 de dezembro. É só poeira, muita secura e calorão. A lavoura morre dia após dia”, lamenta. Segundo ele, a produtividade antes estimada em 50 sacas por hectare deve cair à metade.
Em Jari (RS), o produtor Augusto Campos conta que tentou colher soja ontem e obteve apenas quatro sacas por hectare. “Não sei nem se vamos colher”. Segundo ele, choveu 30 milímetros desde dezembro em seus 500 hectares cultivados com a oleaginosa.
Por outro lado, calor tem de sobra. Campos diz que o termômetro na sua propriedade registrou sensação térmica de 50ºC na terça-feira (4/2). “É o quarto ano seguido com problema. Foram dois anos de seca extrema, no outro, a chuva apodreceu tudo, e agora outra seca”, desabafa. Além das lavouras, o pasto também queimou. “Só tem campo seco. Com a água secando, o gado está lambendo pedra”, conta.
Em São Francisco de Assis, onde Jocemar Tamiosso planta 1,8 mil hectares de soja, já são 42 dias sem chuva. Ele estima que a soja precoce deve ter quebra de 80% na produtividade, enquanto as cultivares mais tardias, perda de 50% a 60%.
Segundo ele, a estimativa inicial era colher 60 sacas por hectare, mas o número deve cair à metade. Tamiosso afirma que os produtores da região estão no limite. “Vários estão pensando em parar de plantar para não arriscar seu patrimônio, principalmente na região oeste e na Campanha”.
Em Quaraí, recordes de calor afetam a produção
A produção agrícola também sofre os efeitos do clima no município de Quaraí, que fica na fronteira com o Uruguai, e virou símbolo da onda de calor que afeta o Rio Grande do Sul. A cidade de 23,5 mil habitantes foi duas vezes, desde o início de 2025, o município mais quente do Brasil, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia. Na terça-feira (4/1), teve a maior temperatura já registrada em 115 anos no Estado: 43,8ºC.
O pequeno produtor Rogério Martins estima uma perda de cerca de R$ 180 mil com a estiagem. O maior prejuízo foi em sua lavoura de melancias, que estava em início de colheita. “Tinha frutas com 20 quilos, mas o sol destruiu as plantas em uma semana. Não consegui vender 10% da produção”, lamenta.
Martins também perdeu dois hectares de milho que havia plantado para silagem de gado de corte. “Plantei pouco nesta safra já esperando uma estiagem que estava prevista para novembro por causa do fenômeno La Niña. Como ele não ocorreu naquela época, resolvi apostar. Mas a seca veio depois e o milho já nasceu cheio de falhar. Houve ataque de lagartas, e nem investi passando defensivo agrícola porque não valia mais o gasto”.
A seca também destruiu 30 hectares de pastagem plantada com os capins braquiária e sudão. Para alimentar as 100 cabeças de gado que possui, Martins está recorrendo a uma área de campo nativo que ainda não foi afetada.
Para dar água ao gado, Martins havia aberto três açudes em sua propriedade. Dois já estão completamente secos. “O que sobrou, a cada dia está diminuindo. Aqui sempre foi um lugar de abundância de água. Mas hoje, lugares que eram banhados estão completamente secos. E cada ano fica pior”, afirma.
“Muitos criadores de gado, especialmente os pequenos, estão sem água para dar de beber aos animais, que estão sofrendo com estresse térmico”, destaca Milena Ferreira Machado, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Quaraí. “Os bovinos sentem muito os efeitos do calor, especialmente no ganho de peso, e não encontram tanta variedade de alimento porque os produtores não conseguem cultivar pastagens”, comenta.
Segundo Milena, o município já está há mais de 20 dias sem chuvas expressivas. “Nossa maior produção é arroz, mas essa cultura não deve ter grandes perdas, porque as lavouras são irrigadas e já estão em fase de colheita. As principais dificuldades são enfrentadas pelos pequenos agricultores familiares, que fazem cultivos de feijão, melancia e milho silagem, principalmente, todas lavouras de sequeiro, e que não contam com irrigação”, avalia a dirigente.
A geografia explica em parte as altas temperaturas registradas. Localizado no extremo oeste do Rio Grande do Sul, o município está muito próximo da bolha de calor que tem seu ápice nas províncias do centro e do norte da Argentina.
“À medida que essa bolha de calor vai se intensificando, ela atinge os municípios da metade oeste do Rio Grande do Sul, que por estarem mais no interior do continente, têm uma tendência a registrar maiores extremos de temperatura, tanto para o calor quanto para o frio”, afirma Estael Sias, diretora da MetSul Meteorologia.
O município de Quaraí não deve ter um alívio do calor tão cedo. Segundo a Metsul, as temperaturas e a falta de chuvas devem se manter até o dia 10 de fevereiro. Além disso, somente entre os dias 11 e 12 há possibilidade de chuva.
A Emater-RS, empresa de extensão rural do Rio Grande do Sul, ainda não tem dados quantitativos sobre o tamanho das perdas agrícolas no Estado. No entanto, Claudinei Baldissera, diretor-técnico da instituição, diz que os prejuízos serão severos, especialmente na soja, cultura que ocupa 6,8 milhões de hectares em solo gaúcho. “As perdas são irreversíveis nas lavouras onde o déficit hídrico já vem ocorrendo desde o fim do ano passado”, afirma Baldissera.
O diretor lembra que 70% das plantações de soja no Rio Grande do Sul estão no estágio de floração e enchimento de grãos, uma fase sensível à falta de água.
Em sua última estimativa para a colheita de soja da safra 2024/25, em janeiro, a Conab projetou uma produção de 20,340 milhões de toneladas no Rio Grandes do Sul, 3,5% mais que na safra anterior. Para o Brasil, a previsão é de uma colheita recorde de 166,328 milhões de toneladas, aumento de 12,6% sobre o ciclo anterior.