Um vídeo feito pelo produtor de soja Rafael Fontana, de Jóia, no Rio Grande do Sul, mostra os efeitos da estiagem na lavoura. Na imagem, ele percorre a área e destaca uma pequena parte da plantação, próxima a um banhado, que teve bom desenvolvimento – com plantas de hastes longas e folhas verdes -, resultante da umidade do solo. Ao lado, já é possível visualizar os efeitos da estiagem, com a maior parte da plantação em condições ruins.
“A previsão não é nada boa, estimamos uma quebra de 80% e mesmo voltando a chover não recupera mais”, ressalta Fontana, em entrevista à Globo Rural.
O produtor destaca no vídeo que já são mais de 40 dias sem chuvas na área, que totaliza 450 hectares de soja, com garoas em alguns momentos desse período. “A parte verde mostrada no vídeo não corresponde a 1% da área, o restante está decaindo”, conta.
Fontana tem feito registros fotográficos semanais da lavoura, com dados de localização por GPS, a fim de acompanhar o desenvolvimento – ou a falta dele – com melhor precisão e fazer um comparativo. Ele prevê o início da colheita para as primeiras semanas de março: “o produtor gaúcho tem que ter muita resiliência. Há três anos sofremos com uma estiagem severa e, ano passado, ainda tivemos perdas decorrentes do excesso de chuva. A situação está complicadíssima”.
Fontana também contabiliza perdas na pecuária de corte, outra atividade da propriedade. “Serão perdas de aproximadamente 25% devido às pastagens de péssima qualidade pela falta de água, o que gera a perda de peso do gado”, resume.
Até mesmo o açude da fazenda está com escassez de água, o que também afeta a criação de peixes. “A gente fica com vergonha e com receio de não conseguir cumprir os compromissos firmados com as instituições financeiras”, salienta.
Cenário complexo
Alencar Rugeri, assistente técnico de Soja da Emater-RS, explica que o cenário que o Estado vem enfrentando neste ano é mais complexo e difícil do que os anteriores. “Acompanho a situação no campo desde 2005 e, desta vez, o grau de complexidade é maior e diferente devido à diversidade de condições de ocorrência de precipitações. É quase que assustadora”, afirma.
Ele conta que está sendo registrada, em todo o Estado, má distribuição das chuvas, com volumes totalmente diferentes em uma mesma região. O déficit hídrico, segundo ele, é somado a temperaturas elevadas e a sensações térmicas muito desconfortáveis. “Cada dia que passa nessas condições, a lavoura tem mais perdas”, aponta.
No momento, o cenário estimado pela Emater-RS no Estado é de 25% da área plantada de soja em situação favorável, 25% em situação complicada e 50% em alerta, com risco de extrema dificuldade, principalmente se o calor continuar.
“A soja precisa de três fatores em níveis ideais para um bom desenvolvimento: luz, temperatura e água. Nas condições atuais, de falta de água, temperatura alta e baixa umidade, a planta vai abortando folha e flor para poder sobreviver. O resultado é uma perda consolidada”, adverte.
A maior parte da área plantada de soja do Rio Grande do Sul, segundo Rugeri, está nas fases de enchimento de grãos e florescimento. Em todo o Estado, o cultivo da oleaginosa atingiu 6.811.344 hectares. O técnico da Emater reforça que muitas áreas do Estado seguem em período de estiagem: “somente uma chuva uniforme, de boa quantidade e bem distribuída pode alterar o cenário”.
Conforme a Metsul, dados do sistema Grace da Nasa mostram que houve uma redução bastante considerável da umidade do solo no Oeste e em especial no Noroeste do Rio Grande do Sul, com grande déficit de umidade superficial no solo em pontos do Noroeste.
Cenário preocupante
Em boletim divulgado nesta quinta-feira (23/1), a Emater-RS destaca que o quadro de clima segue desfavorável para as lavouras de soja gaúchas. A falta de chuvas ainda impede a finalização do plantio em algumas áreas.
De acordo com a Emater-RS, a estiagem é mais acentuada no centro-oeste do Estado, onde os danos nas lavouras são mais acentuados.
“As áreas [de soja] mais afetadas são aquelas semeadas no início de novembro, que apresentam floração abaixo do esperado, queda de folhas e flores, resultando em perdas significativas de estruturas reprodutivas e potencial decréscimo na produtividade”, destacou a Emater-RS, em boletim.
Nas lavouras implantadas em dezembro, a ausência de fechamento das entrelinhas intensifica a perda de umidade do solo devido à maior exposição ao vento e à radiação solar, além de favorecer a reinfestação de plantas daninhas.
De acordo com levantamento da EarthDaily Agro, a umidade do solo diminuiu drasticamente nas últimas semanas em solos gaúchos. A empresa ressalta que “mesmo com previsão de chuva nos próximos dias, o volume esperado parece insuficiente para recuperar as condições das lavouras”.
Apesar desse cenário, a EarthDaily Agro lembra pelo índice de vegetação (NDVI) está em níveis melhores que os dos anos críticos de 2022 e 2023.
Análise da Emater-RS destaca que o avanço de uma frente fria deve trazer chuvas irregulares para todas as regiões do Rio Grande do Sul a partir desta sexta-feira (24/1)
Situação de emergência
Rugeri comenta ainda que vários municípios gaúchos estão trabalhando para decretar estado de emergência devido ao clima. No dia 20 de janeiro, Capão do Cipó, a menos de 100 km de Jóia, decretou situação de emergência e estado de calamidade pública considerando o nível de elevada escassez hídrica do último trimestre, que afetou diretamente a atividade agropecuária do município.
De acordo com o decreto, a estiagem prolongada deve resultar – segundo cálculos divulgados há uma semana – em perdas estimadas em 35% na cultura da soja, 30% no milho, 30% na bovinocultura de leite e 20% na pecuária de corte, conforme laudos da Emater-RS.
Em entrevista à Globo Rural, o prefeito de Capão do Cipó, Adair Fracaro Cardoso, afirma que os índices apontados nos laudos já devem ter crescido e projeta para a soja perdas em torno de 50%. Ele destaca que dos 70 mil hectares de área plantada na zona rural do município, 62,5 mil hectares correspondem ao cultivo de soja.
Nesta quarta-feira (22/1), foi realizada uma reunião na cidade, com a presença de prefeitos e representantes de 15 cidades da região, além de deputados estaduais, a fim de discutir ações de apoio aos produtores rurais. “Até o momento, calculamos R$ 172 milhões de prejuízos na agricultura, somente em Capão do Cipó”, relata.
Além de prazos para renegociação de dívidas dos produtores, o município pleiteia a viabilização de projetos para instalação de reservatórios de água e irrigação de lavouras, entre outras alternativas voltadas também à agricultura familiar.Pró