Na manhã seguinte à morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, o delegado Giniton Lages, de 49 anos, foi escolhido por Rivaldo Barbosa, então chefe de Polícia Civil, para ser titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), que teria a atribuição de investigar o crime.
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A dupla já tinha uma prévia relação de confiança, pelo menos desde 2014, e a decisão de colocar Giniton à frente do caso, segundo o relatório da Polícia Federal, foi tomada de forma certeira, sendo fundamental para atrapalhar as investigações desde o princípio.
“Ou seja, os trabalhos de sabotagem se iniciaram no momento mais sensível da apuração do crime, as horas de ouro, o que ensejou a perda de elementos de convicção importantes para a sua resolução a contento como, por exemplo, a captação das imagens dos circuitos internos de televisão dos imóveis adjacentes ao local do crime”, citou o documento da PF.
O próprio Rivaldo tinha sido empossado chefe de polícia um dia antes pelo então secretário de Estado de Segurança Pública, Richard Nunes. À PF, Nunes, que foi escolhido pelo então interventor federal no Rio, general Walter Braga Netto e confirmou que a Subsecretaria de Inteligência contraindicou o nome de Barbosa para o cargo, mas, tendo em vista que tal contraindicação não se pautava em dados objetivos, ele nomeou o delegado mesmo assim.
Para a decisão, segundo Nunes, pesou a atuação de Rivaldo enquanto chefe da Delegacia de Homicídios no caso Amarildo, pedreiro morto por PMs na Rocinha em 2013. O chefe de polícia teve, então, carta branca para escolher seus subordinados.
O relatório da PF aponta que a Delegacia de Homicídios, de Giniton, “não somente se absteve de promover diligências frutíferas para a investigação, mas também concorreu para a sabotagem do trabalho apuratório”. Um exemplo foi a negligência para recolher das imagens do veículo usado no crime, seja após o Centro de Convenções Sulamérica, seja no trajeto realizado antes do Quebra-Mar.
Outro ponto citado é a tentativa, em maio de 2018, de conseguir uma confissão do miliciano Orlando Curicica do envolvimento do vereador Marcelo Siciliano no crime, o que seria uma tentativa de acobertar os reais mandantes, os irmãos Brazão.
Uma equipe da DHC, comandada pelo delegado Giniton Lages esteve, de acordo com a PF, na Penitenciária Laércio da Costa Pellegrino (Bangu 1) e, diante da negativa de Curicica em fazer a falsa confissão, os policiais o teriam ameaçado de atribuir ao miliciano outros homicídios.
Além disso, Lages teria sido responsável por descartar o aparelho de telefone celular do homem responsável pela clonagem do carro usado no crime.
O Relatório Final de Inquérito Policial, feito por Lages em 7 de março de 2019, conclui que a execução de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes por Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foi motivada pela repulsa do primeiro em relação aos ideais políticos representados na figura da vereadora, “de modo a caracterizar, assim, o denominado crime de ódio”.
Apesar das tentativas de obstruir as investigações, a PF não encontrou indícios de que Lages tenha participado do planejamento do crime em conjunto com o ex-chefe
Recompensa
O relatório aponta que a fidelidade ao chefe de Polícia Civil não se devia apenas ao relacionamento pessoal próximo que os dois tinham. A conduta de atrapalhar as investigações, sufocando diversos meios eficazes de obtenção de prova, foi recompensada por Barbosa com uma promoção.
“No dia 27 de dezembro de 2018, quatro dias antes do término da Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro e, consequentemente, do mandato do então Governador Luiz Fernando Pezão, o Interventor Federal editou o Decreto que determinou, por merecimento, a promoção funcional de Giniton Lages para a 1ª classe [de delegados] a contar de 29 de setembro de 2018”, aponta o relatório.
O documento aponta ainda que Giniton já constava na lista elaborada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro para ser elevado à primeira classe de delegados. No entanto, o secretário Nunes afirma ter alertado que “não era normal promover um delegado no meio da resolução de um caso”.
Histórico de Lages na Polícia Civil do Rio
Antes de assumir a DHC, Lages teve passagem pela Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense. Segundo o relatório da Polícia Federal sobre o caso, no período, compatível com a ascensão de Rivaldo Barbosa à Diretoria da Divisão de Homicídios, “todos os crimes envolvendo pessoas da política no Rio de Janeiro foram investigados pelas Delegacias de Homicídios da Baixada e da Capital, mas poucos casos foram concluídos”.
“Deste modo, se afere que a “negligência” de investigações envolvendo figuras políticas naquela oportunidade era trivial para a dupla de delegados, de modo que o aporte da demanda pela garantia da impunidade em torno do homicídio de Marielle Franco seria apenas mais uma que apareceu no espúrio balcão de negócios da DH naquela gestão”, afirma o documento.
Como fica a situação do delegado?
Mesmo não tendo a prisão cautelar decretada, e sim de busca e apreensão na operação de domingo (24), a PF pediu a suspensão do exercício de função pública e da posse de arma de fogo de Giniton Lages. O último informe de rendimentos do delegado, publicado no portal da transparência do governo do Rio, mostrou que em fevereiro ele recebeu mais de R$ 26 mil da Polícia Civil.
Giniton também fica proibido de frequentar determinados lugares e de ter contato com outros investigados, testemunhas ou colaboradores e deve comparecer periodicamente ao juízo, além de entregar o passaporte às autoridades. Tudo para minimizar o risco de fuga ou de obstrução das investigações.
O que diz o delegado?
Em nota enviada à CNN, o delegado Giniton Lages afirmou que, durante o tempo em que presidiu o Inquérito Policial que apurou as mortes da vereadora Marielle e do motorista Anderson, realizou todas as diligências necessárias à elucidação do caso. “Friso que em nenhum momento qualquer suspeito ou linha de investigação foi afastada. E jamais seria”, disse.
Lages afirmou ainda que o resultado do trabalho foi a prisão dos executores do crime. “Nosso compromisso inegociável sempre foi resolver o caso em sua integridade o que só não foi possível porque fui tirado da investigação, no dia seguinte à realização das prisões”, concluiu. O delegado foi exonerado da Delegacia de Homicídios em abril de 2019.
Por fim, o delegado ressaltou que a atuação na DH sempre foi realizada de forma ativa junto ao Ministério Público e Poder Judiciário, cumprindo todos os protocolos de atuação de um delegado de polícia e que a decisão de desmembrar a investigação para, na segunda fase, buscar os mandantes foi conjunta entre as instituições.
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