Os resultados das eleições presidenciais dos Estados Unidos devem impactar a balança comercial agropecuária global, e os desdobramentos afetarão, direta ou indiretamente, o Brasil. A disputa entre Kamala Harris e Donald Trump pelo voto da população rural elucida questões como barreiras tarifárias, protecionismo na produção agrícola, sustentabilidade e mudanças climáticas, além de futuro do comércio e das exportações norte-americanas.
No plano geopolítico, a demanda da China por produtos agrícolas norte-americanos vêm desacelerando. O acompanhamento sobre a parceria comercial e potenciais sanções ao mercado chinês se apresenta como um dos desafios dos candidatos, ao passo que o Brasil ganha mais espaço no mercado asiático e já é o maior exportador de soja e milho para o país chinês.
A disputa comercial entre os EUA e a China, iniciada durante o governo Trump, resultou em tarifas sobre produtos agrícolas americanos. Isso levou a China a buscar alternativas para fornecimento, em especial na América do Sul, beneficiando principalmente o Brasil, que se tornou um parceiro chave para atender à demanda chinesa por soja e milho. Hoje, é o Brasil o maior fornecedor de soja para a China.
Mais de 70% da soja que entra no território asiático é brasileira. A consultoria Biond Agro, por exemplo, cita o cenário de prêmios para o mercado de soja brasileiro melhorando. De acordo com a Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec), o Brasil embarcou 63,9 milhões de toneladas da oleaginosa para a China entre janeiro e agosto deste ano, o que equivale a 76% de suas exportações de soja.
A desvalorização do real em relação ao dólar e os investimentos em infraestrutura e logística também têm melhorado a competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo.
Propostas
Uma análise da S&P Global Commodities Insights avaliou as principais propostas dos candidatos para o agronegócio.
A campanha de Harris tenta flertar com a economia rural, buscando mobilizar os eleitores rurais em estados-chave como a Geórgia e a Pensilvânia.
Por outro lado, a agroindústria e associações de produtores de grãos, em especial de soja e milho, e pecuaristas defendem o retorno de Trump à Casa Branca.
A candidata democrata cita em seu plano de governo a diversificação de exportações e combate a práticas “injustas” de comércio como um dos pilares para as regiões agrícolas do país. Continuando na pauta da transição energética, assim como o atual presidente e colega de partido Joe Biden, Harris quer atrair eleitores rurais de médio e pequeno porte.
“Emissões líquidas zero até 2050 com agricultura inteligente para o clima com ênfase em bioenergia, aumento na produção de biocombustíveis com apoio da IRA (Lei de Redução da Inflação) e investimentos para fortalecer a resiliência da cadeia de suprimentos” são algumas das propostas destacadas pelo relatório da S&P.
Já o opositor republicano Donald Trump apresenta um discurso de priorização de produção norte-americana, com suporte a tarifas e sanções, além de enfatizar o apoio ao comércio e ampliação das exportações agrícolas. De acordo com analistas escutados pela reportagem, essa pode ser uma ‘vantagem’ do republicano ao se aproximar do que o segmento mais tem demandado.
O plano de governo de Trump também menciona uma revisão e potencial corte nas regulamentações da EPA (Agência de Proteção Ambiental), além de citar um “alívio” nas restrições tarifárias, cortes de impostos, incentivos para restaurar cadeias de suprimentos.
Associações de produtores de grãos posicionam-se mais a favor do candidato republicano. Tradicionalmente, a agricultura de commodities é mais conservadora nos Estados Unidos, porém esbarra na contradição entre o protecionismo econômico e a expansão das exportações.
Comércio global
A briga eleitoral acirrada coloca o setor agropecuário dos EUA em “um ponto de inflexão” entre expansão sustentável e competitividade baseada na desregulamentação, informam analistas de cooperativas norte-americanas e institutos de pesquisa agrícola.
O Brasil pode ser beneficiado ou prejudicado dependendo da delimitação de algumas políticas. Esse ano, por exemplo, o Brasil passou os Estados Unidos no ranking de exportação de algodão, tornando-se o maior comercializador da pluma. Também lidera a produção e exportação de soja, posição o país norte-americano ocupou por anos seguidos.
Com esses resultados, além das quebras de safras devido às adversidades climáticas, representantes do setor agrícola demonstram preocupação com o futuro da política de preços, de subsídios e crédito e de aberturas ou sanções de mercado.
Segundo o levantamento da S&P, os dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) mostraram que as projeções de exportação para o ano safra 2024/25 aumentaram ano a ano. Entretanto, fontes de mercado antecipam incertezas em torno do abastecimento para a China em caso de tarifas e políticas protecionistas. Os suprimentos agrícolas dos EUA para a China caíram entre os anos comerciais 2017/18 e 2018/19, antes de se recuperarem em 2019/20 e 2020/21.
A China é um destino importante para os produtos agrícolas dos EUA e, segundo as estimativas de exportação para 2023/24, contribuiu com 4,83% para o milho, 52,45% para a soja e 10,98% para o trigo.
O ex-presidente Donald Trump defendeu, durante sua campanha, tarifas mais rigorosas e a aprovação do Ato de Comércio Recíproco Trump, na tentativa de flertar produtores de grande porte dos EUA em relação aos fornecedores estrangeiros. “Fontes do mercado esperam que o retorno de Trump ao cargo possa trazer de volta tarifas e, eventualmente, contra-tarifas da China, o que poderia ter um grande impacto no comércio agrícola entre os dois países”, informa o relatório.
A campanha da vice-presidente Kamala Harris também ressoou um tom semelhante ao defender a diversificação dos mercados de exportação dos EUA e combater “práticas comerciais desleais da China ou de qualquer concorrente”, levantando preocupações sobre as cadeias de abastecimento para a China.
Pequim, por sua vez, tem se voltado para a América do Sul nos últimos anos, numa tentativa de reduzir sua dependência das importações americanas, com o Brasil emergindo como o maior fornecedor de milho e soja no ano comercial de 2023/24.
“Os candidatos parecem concordar no avanço dos biocombustíveis, o que é visto como um ponto positivo para o mercado interno. No entanto, eles divergem sobre a agricultura sustentável e as práticas climáticas, tanto em seus anúncios quanto em seus históricos”, acrescenta a S&P.