Empresas e produtores do agronegócio brasileiro estão renegociando cerca de R$ 90 bilhões em dívidas, em um momento em que os juros altos afetam as companhias, já pressionadas por problemas climáticos, aumento de custos e queda dos preços das commodities. O crescimento das dívidas elevou o número de pedidos de recuperação judicial no setor, que está em nível recorde e, mais recentemente, envolveu em particular as revendedoras de insumos.
O levantamento, que a consultoria Virtus fez a pedido do Valor, levou em consideração o nível de alavancagem das empresas do agronegócio listadas na B3. A conclusão foi de que, nesse grupo, há R$ 12 bilhões em processo de renegociação no curto e médio prazos, o que corresponde a 6% do volume total dos débitos das empresas do setor que estão na bolsa.
Em um outro grupo, de empresas não listadas, tendo como métrica a participação do setor no produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), e produtores rurais, as dívidas em renegociação estão entre R$ 70 e R$ 80 bilhões, estima a Virtus. Segundo a consultoria, mais da metade dos integrantes desse grupo têm vencimentos no curto prazo, ou seja, em até um ano. Assim, somando as duas cifras, a projeção é de que até R$ 90 bilhões estejam em processos de renegociação.
Dentre os casos de empresas que estão em renegociação figura a varejista de insumos agrícolas Agrogalaxy, que tem dívidas de R$ 4,6 bilhões no processo de recuperação judicial. O Grupo Patense, de Patos de Minas (MG), que pediu proteção à Justiça neste ano, tem vencimentos de mais de R$ 2 bilhões. O Grupo Safras, de grãos, também tem conversado com credores para alongar seus vencimentos.
Estratégias de consolidação
Douglas Bassi, sócio da Virtus, diz que a busca por assessoria tem crescido entre as empresas do agro e que casos de reestruturações formais de médio a grande portes ainda vão aparecer ao longo dos próximos meses. Ele conta que o agro ficou mais alavancado depois que, com o último boom do setor, entre 2020 e 2022, muitas empresas partiram para estratégias de consolidação por meio de fusões e aquisições. No entanto, com a queda do valor de muitas commodities e o aumento dos custos, o cenário é de descompasso entre a geração de receita e o fluxo de pagamentos das dívidas.
Situação mais sensível, afirma Bassi, é a de empresas e produtores que, sem fôlego para lidar com o serviço da dívida, precisam de carência no pagamento de juros e principal por um período para equilibrar o fluxo de caixa. Para esses casos, alguns bancos que têm recebíveis dados em garantia para empréstimos, nas chamadas travas bancárias, estão liquidando as operações, levando essas empresas a pedir recuperação judicial.
Deveremos ver o crescimento do número de casos de recuperação judicial
— Douglas Bassi, sócio da Virtus
Ele frisa, ainda, que nas novas operações de crédito, os credores — tanto bancos quanto gestoras — têm buscado, como garantia para suas operações com o setor, terras que não são utilizadas na produção, visto que a Justiça tem entendido que terrenos produtivos são bens essenciais ao negócio.
Luiz Prado, sócio da Makalu, que tem trabalhado em casos de reestruturação no setor, diz não enxergar uma crise sistêmica no agro, mas ele vê com mais cautela a situação das revendas. “Estou positivo em relação ao agro em geral, não vejo uma grande crise”, afirma.
O executivo conta que tem observado algumas empresas do segmento ajustando suas operações, muitas até mesmo com venda de ativos, de forma a ajustarem a geração de caixa ao fluxo de pagamentos. Em revendas, além da Agrogalaxy, o Grupo Portal Agro, de Paragominas (PA), também recorreu à Justiça para se proteger de execuções.
Outro ponto, segundo ele, é que os credores financeiros estão mais proativos, sentando-se à mesa com as companhias para renegociar vencimentos quando identificam que podem surgir problemas à frente. “Os bancos credores amadureceram muito no Brasil e já se antecipam ao problema. Para tentar resolver, estão alongando prazos, de forma a se evitar a recuperação judicial”, comenta Prado. Para ele, a situação mais crítica do setor já passou, e o cenário deverá estar mais normalizado em 2025.
Produtores e revendas em dificuldades
Fabiana Balducci, sócia e responsável pela área de reestruturação da BR Partners, aponta que a situação delicada das revendas é um efeito direto do número de pedidos de recuperação judicial dos produtores rurais. Segundo a especialista, para que a crise não cresça ainda mais, afetando até mesmo o andamento da safra, será preciso enfrentar o problema, incluindo uma participação mais construtiva das conversas dos próprios credores.
“Virou um ciclo vicioso. É preciso alinhar a cadeia”, diz. Com muitas empresas do setor sem crédito, pode ocorrer também uma onda de consolidação, avalia. Segundo ela, a solução precisa conter uma política pública para o setor, incluindo o fomento de seguro em todas as regiões em que o agronegócio está presente.
Max Mustrangi, presidente da Excellance e especialista em reestruturação, também aponta que, sem crédito ao setor, os problemas tendem a crescer. Assim, ele acredita que a situação do agro ainda longe de melhorar e que, no momento, muitos produtores estão com dificuldade para acessar linhas de crédito para financiar a próxima safra.
“O crédito está mais restrito, e o agro precisa de crédito”, diz. Outra dificuldade, segundo ele, é que, para alongar prazos, muitas vezes os credores financeiros exigem aportes por parte do controlador no negócio – e, no agro, muitas vezes o produtor está descapitalizado.
Procuradas, Agrogalaxy e Grupo Safras não concederam entrevistas. As demais empresas citadas não responderam ao contato da reportagem.